Universidade Federal do Amazonas realiza formatura de professores em Licenciatura Indígena

Na formatura, parte delas foi representada por cada por um respectivo cocar: da etnia Baré, Tukano, Dessana, Carapanã ou Baniwa. (Divulgação)
Com informações da assessoria

SANTA ISABEL DO RIO NEGRO (AM) – Na cidade de Santa Isabel do Rio Negro, a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) realizou no último sábado, 16, a solenidade para formatura de 28 novos professores da Licenciatura Indígena Políticas Educacionais e Desenvolvimento Sustentável, do Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais (IFCHS). A solenidade faz parte de um cronograma de outorgas que acontecerão, ainda, em São Gabriel da Cachoeira e Maturacá, aos pés do Pico da Neblina.

Situada a 631 quilômetros de distância em linha reta de Manaus, Santa Isabel do Rio Negro é um dos municípios amazonenses com um dos maiores números de etnias catalogadas na Fundação Nacional do Índio (Funai). Ao todo, são 22 identificadas ao longo de toda extensão da calha do Médio Rio Negro. Na formatura, parte delas foi representada por cada por um respectivo cocar, fosse da etnia Baré, Tukano, Dessana, Carapanã ou Baniwa.

Na formatura, parte delas foi representada por cada por um respectivo cocar, fosse da etnia Baré, Tukano, Dessana, Carapanã ou Baniwa. (Divulgação)

Durante a cerimônia, em que a mesa foi presidida pelo reitor, professor Sylvio Puga, a representatividade indígena se deu também pela liderança da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, Marivelton Rodrigues Barroso, a Foirn, uma estrutura não governamental que se somou à Ufam e estabeleceu parceria com a Prefeitura de SIRN, gerida por José Ribamar Fontes Beleza, para juntos viabilizarem a oferta de módulos deste curso de formação de nível superior.

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(Reprodução)

Além deles, estavam também à mesa, a diretora do IFCHS, professora Iraildes Caldas Torres, a paraninfa da turma, professora Veridiana Vizoni Scudeller, o coordenador do curso de Licenciatura, professor Nelcioney José de Souza Araújo, o coordenador regional da Caibrim, Carlos Alberto Teixeira Nery, a primeira-dama do município, Sâmia de Oliveira Sanches e a coordenadora regional da Secretaria de Estado de Educação do Amazonas (Seduc), professora Fecimar Fatim. O padre Justino Resende foi quem deu nome à turma, tendo sido o homenageado.

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“Esse curso se tornou muito importante para nós, que somos originalmente da Calha do Médio Rio Negro. As nossas lutas sempre foram intensas e poder participar e concluir esse curso, que foi todo ministrado na nossa língua (yêgatu, língua geral), é simbólico. Agradecemos ao movimento indígena por seu compromisso de promover a nossa defesa e a do nosso território. Agradecemos também ao reitor, professor Sylvio Puga, pela disponibilidade e por atender nosso anseio, apoiar e oferecer oportunidades ao nosso povo através da Universidade”, disse a oradora Cleocimara Reis Gomes, que ainda rendeu homenagem aos professores e coordenadores do curso de Licenciatura que faleceram durante a pandemia de covid-19. “Os últimos dois anos trouxeram perdas dolorosas: as dos coordenadores, professores Frantomé Bezerra Pachêco e em seguida, do professor Luiz Fernando de Souza Santos.

Mais recentemente, perdemos o professor Higino Tenório. Com os que se foram e com o quadro docente que nos acompanhou até a conclusão, aprendemos muito e somos gratos pelo conhecimento transmitido, mas também pela ajuda no resgate da nossa ancestralidade”, rememorou a oradora. A ela, antecederam os juramentistas Cleide de Oliveira Rocha (juramento em português) e Celestino Lúcio Bruno, que proferiu o juramento em yêgatu.

Os pronunciamentos se seguiram com o do professor coordenador da Licenciatura e o da paraninfa. Ambos chamaram a atenção sobre o processo necessário de apreensão do conhecimento, seguida da prática para formação cidadã e luta em prol dos povos originários. “Foram muitos os desafios impostos do início ao fim do curso, mas em todos os momentos vocês tiveram o apoio incondicional da reitoria, que mesmo com tantos contratempos buscou soluções para sanar problemas e garantir que vocês teriam aulas ministradas. E aqui, vale enaltecer, igualmente, nomes como os dos professores Dulcineia da Silva Lira, Raimundo Nonato Pereira da Silva, Ivani Farias, entre outros, que iniciaram este processo com bravura.

Outro ponto importante cujo espectro deve ser observado é sua identidade e a defesa dela. Leiam legislações de modo que possam transmiti-las em sala de aula. O exemplo que deixo é o do Marco Temporal, prestes a ser votado. Leiam sobre ele, leiam a Constituição Federal, apoderem-se desses assuntos, afinal ninguém defende o que não conhece e vocês, como professores, são os porta-vozes em suas comunidades.

Turma com o reitor da Ufam, Sylvio Puga (Divulgação)

A paraninfa, professora Veridiana Vizoni, alertou para o momento em que a ciência tem sido acionada mas pouco valorizada. “Vocês têm papel fundamental no combate a esse tipo de conduta negacionista, porque conhecimento é emancipação. Valorizar a sua língua e a especificidade do seu povo são meios de combater toda violência contra quem defende a Amazônia, como no caso do indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips, mortos há cerca de um mês após ameaças de exploradores de pesca ilegais. Há diversas formas de resistência e transmitir conhecimento é uma delas”, ressaltou a homenageada.

Para o presidente da Foirn, a colação de grau é um momento oportuno para relembrar a caminhada. “Nunca foi fácil, muitos foram os percalços, internos e externos à Universidade e alheios à nossa vontade e o reitor e o atual coordenador não esmoreceram para que enfim, estivéssemos aqui. Em breve, nós acreditamos, atenderemos junto com a Ufam a outras etnias, que também nos demandaram e estamos articulando para que enfim seja possível. Agradecemos à Ufam porque a educação está sendo encaminhada e entendemos que outras questões precisam avançar também, como a demarcação de terras e o desenvolvimento nas nossas terras, que precisa ser sustentável. Junto à Ufam, vamos adiante. Aos que estiveram conosco nessa luta, os que estão e permanecerão ao nosso lado nessa batalha”, afirmou o presidente.

A atual diretora do IFCHS, professora Iraildes Caldas Torres, discorreu sobre o quanto a educação é libertadora do espírito, da alma e leva o indivíduo ao desenvolvimento sob diversas nuances. “Lançar os raios sobre a educação fortalece o princípio da equidade e inclusão numa sociedade em que as oportunidades não são as mesmas para todos. Aqui, estamos há mais de três décadas, desde 1990, diante de uma política afirmativa de resgate de dívida que perdura há mais de 500 anos.

A Ufam aceitou o desafio de estender sua missão até a calha do Rio Negro, o que pressupõe a compreensão do outro, suas aspirações em busca de desenvolvimento e a resposta a esses anseios. Nessa troca, é muito rico o que nós, professores, aprendemos no convívio diante desse acervo cultural, o mais valioso para a própria ciência e para o desenvolvimento regional”, disse. “Essa é uma turma de professores que vai levar adiante a junção de conhecimentos tradicionais e científicos, que vai permitir o desenvolvimento social e o individual”, considerou.

O prefeito de SIRN, José Ribamar Fontes Beleza, reiterou a parceria com a Ufam e a manutenção do apoio às ações da Ufam frente à educação indígena. “Continuem contando com o nosso apoio para levar a educação às comunidades. Ficamos felizes em saber que o nosso quadro de professores está mais qualificado frente às especificidades da nossa região”, disse.

Encerrando os pronunciamentos, o reitor reafirmou compromissos com a educação indígena. “Essa formatura não é uma colação de grau tradicional. Formar fora da capital é algo diferenciado, especialmente quando essa outorga é no Médio e no Alto Rio Negro, onde se encontra a maior parte da população indígena do estado e no País. É desafiador.

Entretanto, aproveito a oportunidade para reiterar que continuaremos o nosso curso de Licenciatura”, garantiu. “Quanto a vocês, os novos profissionais desse vasto Amazonas, vocês estão num ponto de partida e não mais num de chegada. Estão aptos a alçar voos ainda mais altos, fazer mestrado, doutorado, prestar concursos… A partir de agora, colaboram com mais qualificação na educação do município e na formação acadêmico-social da sua comunidade”, disse.

Ao finalizar seu pronunciamento, o reitor também prestou homenagens à memória dos professores Frantomé Bezerra Pachêco, Luiz Fernando de Souza Santos e Higino Tenório, vítimas da pandemia. Igualmente o fez com o atual coordenador do curso, professor Nelcioney Araújo, que os sucedeu “e assumiu o compromisso de, diante de tantos desafios, especialmente no período pandêmico, manter um constante diálogo com a reitoria e lideranças indígenas para equacionar pendências que colocavam o curso em risco”, frisou.

Incursão à comunidade indígena

Durante a passagem da comitiva da reitoria pelo município de Santa Isabel do Rio Negro, a comunidade do Cartucho integrou a programação de visita. Foi aquela comunidade que recebeu o corpo docente da Universidade para promoção do curso de Licenciatura. Situada a 1h30 de voadeira da sede de SIRN e aproximadamente sete horas de distância de rabeta (embarcação menos potente e de menor porte), Cartucho reúne pouco mais de 30 famílias e seis etnias, em sua maioria, Tukano. Também é dessa comunidade, boa parte dos alunos formados e que agora estão aptos a lecionarem para seu povo e comunidades no entorno. O local conta com internet por cabeamento.

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Na chegada da comitiva, o grupo recepcionou reitor e equipe, com cânticos em português e na língua geral. Eles também promoveram uma cerimônia religiosa de ação de graças pelo término do curso a qual os convidados puderam acompanhar.

Atualmente, a comunidade do Cartucho é liderada por duas mulheres, Ivania Guerreiro Baltazar e Aida Oliveira dos Santos, ambas da etnia baré. É a primeira vez que o fato é registrado e reconhecido pela Foirn.

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