Uso da inteligência artificial pode tumultuar eleições 2024, avaliam especialistas

Urna eletrônica em destaque a códigos binários e à bandeira do Brasil (Composição de Paulo Dutra/Revista Cenarium Amazônia)
Ricardo Chaves – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – Neste ano, o País se prepara para realizar eleições municipais no segundo semestre. A votação, que vai eleger prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, em todo o Brasil, ocorre em outubro e deve ser marcada pelo uso da Inteligência Artificial (IA), segundo especialistas consultados pela REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA.

A ferramenta tecnológica, que promete reduzir custos às campanhas eleitorais, ao mesmo tempo, é observada com cautela devido aos primeiros registros de casos de desinformação e produção de conteúdos falsos.

Para advogados da área eleitoral, a expectativa também está em torno de como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai regular o uso da tecnologia. Uma minuta com a proposta foi produzida pelo órgão para as eleições municipais de 2024. As regras estão previstas na resolução que trata da propaganda eleitoral. 

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Fued Semen Neto é presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-AM (Reprodução/Arquivo Pessoal)

“O que o TSE tem destacado do texto a respeito do uso de inteligência artificial é, sobretudo, a responsabilidade dos provedores de internet de realizarem esse controle sobre os conteúdos postados e a obrigatoriedade da propaganda eleitoral informar, explicitamente, o uso de conteúdo fabricado e manipulado por meio de tecnologias digitais”, avalia o advogado eleitoral Fued Semen Neto. 

No entanto, Fued, que é presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Amazonas (OAB-AM), ressalva: “Ainda não está claro como será o controle do uso da inteligência artificial já que o Brasil ainda não tem regulação a respeito disso. É uma temática nova a ser debatida em nossos tribunais pátrios”, afirma.

Para o advogado especialista em Direito Eleitoral Almir Albuquerque, a proposta do TSE expressa as constantes mudanças na sociedade e, de igual maneira, como a legislação eleitoral e resoluções do Tribunal buscam acompanhar a nova realidade.

O especialista lembra que a última eleição registrou problemas com a disseminação de fake news e cita que o período pré-eleitoral deste ano já é marcado pelos primeiros casos do mau uso da inteligência artificial.

O advogado especialista em Direito Eleitoral Almir Albuquerque (Reprodução/Arquivo Pessoal)

“É importante buscar regulamentar o uso e determinar sanções aos que violarem o uso da tecnologia com a intenção de atingir fins políticos ou, ainda, criminalizar pessoas, buscando antecipar possíveis problemas que possam atingir o curso natural das eleições, o direito à informação verdadeira e a igualdade de condições de disputa”, aponta o especialista.

O advogado recordou o caso envolvendo o prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), vítima de fake news pelo uso de inteligência artificial. O político foi o primeiro caso registrado de um governante, no País, às vésperas de um processo eleitoral, e que está sob investigação pela Polícia Federal (PF) no Amazonas. 

Internet proporciona mudanças na legislação

A advogada eleitoral Denise Coêlho avalia que a internet tem sido um espaço usado pelos candidatos como forma de atingir o maior número de possíveis eleitores, bem como mostra que a evolução, na forma de realizar campanhas em espaços virtuais, revela a necessidade da regulamentação da forma como é utilizada.

“Vieram as primeiras permissões de ‘santinhos’ virtuais, a possibilidade de impulsionamento pago e, hoje, enfrentamos a questão envolvendo o uso da I.A. Como forma de garantir à sociedade a lisura e observando o que aconteceu durante a eleição de 2022, o TSE vem com a proposta de regulamentar a utilização de inteligência artificial”, aponta a advogada.

A advogada eleitoral Denise Coêlho (Reprodução/Redes Sociais)

A especialista aponta, ainda, tópicos observados na minuta apresentada pelo TSE sobre o assunto: “Alguns destaques ao que está disposto na minuta é a responsabilização dos provedores de aplicação de internet, facilitação de canais para denúncias, o impulsionamento de conteúdos e a obrigatoriedade da propaganda eleitoral informar, explicitamente, a utilização de conteúdo fabricado ou manipulado por meios digitais”, avalia a especialista em Direito Eleitoral.

Entre os dias 23 a 25 de janeiro esses e outros pontos serão debatidos em audiências públicas e aprovadas pelo Plenário do TSE. As resoluções são importantes pois regulamentam dispositivos na legislação. 

O que diz o TSE

À reportagem, o TSE destacou mudanças recentes na legislação, como a que definiu a tese com regras para a realização de lives eleitorais, em residências oficiais, para candidatos à reeleição em cargos de prefeito, governador e presidente. 

A tese foi firmada a partir do voto do ministro Benedito Gonçalves, que durante as eleições de 2022 proibiu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de realizar live eleitoral na residência oficial da Presidência da República. A decisão foi confirmada depois pelo Plenário do TSE

A tese estabelece, em suma, que só é lícito ao ocupante dos cargos citados fazer uso de cômodo da residência oficial para realizar e transmitir live eleitoral se:

a) Tratar-se de ambiente neutro, desprovido de símbolos, insígnias, objetos, decoração ou outros elementos associados ao Poder Público ou ao cargo ocupado;

b) A participação for restrita à pessoa detentora do cargo;

c) O conteúdo divulgado se referir, exclusivamente, à sua candidatura;

d) Não forem utilizados recursos materiais e serviços públicos, nem aproveitados servidoras, servidores, empregadas e empregados da administração pública direta e indireta;

e) Houver devido registro, na prestação de contas, de todos os gastos efetuados e das doações estimáveis relativas à live eleitoral, inclusive, relativos a recursos e serviços de acessibilidade.

Ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pede votos para candidatos apoiados por ele na residência oficial da Presidência da República (Reprodução/Redes Sociais)
Agentes públicos e eleitores devem ficar atentos

Alguns prazos referentes às eleições municipais de 2024 já começam a valer. Desde o dia 1° de janeiro, institutos de pesquisa de opinião pública devem fazer registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A pesquisa deve ser registrada cinco dias antes da divulgação dos resultados pela entidade ou empresa.

Além de ficar atento para o uso da inteligência artificial, os advogados alertam para práticas que, segundo eles, ainda são comuns, como o uso da máquina pública por agentes públicos, como por exemplo, servidores participando de atos de campanha ou serviços públicos para viabilizar seus projetos políticos. 

Para o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Amazonas (OAB-AM), Fued Semen Neto, o uso desses servidores do aparato da “máquina pública” é a prática mais comum que ocorre no Estado.

“A mais comum que vemos é a utilização dos servidores para participação de atos de campanha dos candidatos apoiados pelo chefe do Poder Executivo ou por ele próprio. Caso servidores participem desses atos durante o período que era para estarem nos seus expedientes, o eleitor que identificar poderá denunciar para o Ministério Público Eleitoral”, alerta o presidente. 

O advogado especialista em Direito Eleitoral Almir Albuquerque diz que a atenção deve ser voltada para o crime de corrupção eleitoral, popularmente conhecido como “compra de votos”.

“O crime de corrupção eleitoral está previsto no art. 299 do Código Eleitoral, e a legislação estabelece que as condutas estabelecidas para que esse tipo de crime esteja configurado consiste em dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita”, enfatiza o advogado.

Já entre os principais crimes eleitorais praticados por agentes públicos, Denise Coêlho aponta o abuso de poder político ou econômico, propaganda eleitoral irregular e realização de ações que beneficiem determinada candidatura, como inaugurações de obras públicas.

“Desta forma, a fiscalização por parte dos órgãos competentes, a atuação da Justiça Eleitoral e a participação ativa da sociedade são essenciais para coibir e punir práticas ilícitas durante o período eleitoral”, defende a advogada.

O que diz a legislação

A partir de 7 de março até 5 de abril acontece a janela partidária, período em que os vereadores poderão trocar de partido sem perder o mandato. No dia 6 de abril, seis meses antes da eleição, é a data limite para legendas e federações partidárias registrarem seus estatutos e que candidatos tenham o domicílio eleitoral no local onde vão disputar a eleição, além de estarem com a filiação regular na sigla partidária. 

Entre os dias 20 de julho e 5 de agosto é o período autorizado pela legislação eleitoral para a realização das convenções partidárias. Definidas as candidaturas para prefeito e vereador, as siglas têm até o dia 15 de agosto para registrar a chapa na Justiça Eleitoral. 

Leia mais: O Globo repercute áudio manipulado por IA contra prefeito de Manaus
Editado por Adrisa De Góes
Revisado por Adriana Gonzaga
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