Vacina contra Covid-19 avança na Europa, que reabre suas fronteiras para salvar turismo

Países de UE apostam na chegada do verão para recuperar perdas históricas do setor em 2020; lista de países ainda não foi divulgada, e é possível que Brasil fique de fora (Guglielmo Mangiapane/Reuters)

Com informações do O Globo

RIO DE JANEIRO – Suspenso desde que a pandemia começou, o vai e vem de turistas estrangeiros em destinos europeus como Roma, Santorini e Ibiza deve recomeçar gradualmente no próximo mês. De olho no verão, a Comissão Europeia recomendou que seus 27 Estados-membros abram as fronteiras para quem já tomou as duas doses da vacina contra a Covid-19 ou vem de países onde o coronavírus está sob controle – a lista de países ainda vai ser divulgada, e é possível que passageiros vindos Brasil não sejam incluídos.

A reabertura das fronteiras é um grande trunfo do setor turístico, ávido para recuperar as perdas históricas de 2020. É também uma consequência do ritmo das campanhas de vacinação no continente, que finalmente ganharam fôlego após um início desastroso.

PUBLICIDADE

Entre 6 de abril e 6 de maio, o número de doses diárias aplicadas na União Europeia aumentou 83%, chegando a uma média de 3,05 milhões de vacinas por dia, maior que a americana. Mantendo o ritmo, o bloco conseguirá imunizar 75% dos seus 446 milhões de habitantes até outubro.

No último mês, a vacinação diária cresceu 145% na Alemanha, 60% na França e 90% na Itália, os países mais populosos do bloco. Os motivos para a aceleração não são uniformes, mas passam pelo aumento de produção das doses, especialmente da Pfizer-BioNTech, com quem Bruxelas tem uma boa relação.

Outro contribuinte é que vários governos resolveram problemas internos e reduziram a burocracia: a Alemanha, por exemplo, permitiu que médicos da família administrassem as doses, enquanto a Itália criou mais de mil novos centros de vacinação, quase dobrando o número disponível.

A expectativa é que o bloco tenha doses suficientes para vacinar 70% da sua população adulta até o meio de julho. O cenário é esperançoso, mas tudo indica que as férias deste ano ainda não serão normais:

“Enquanto o vírus estiver circulando, há riscos consideráveis”, disse em e-mail ao GLOBO Martin McKee, da Escola de Medicina Tropical e Higiene de Londres. “Precisamos reconhecer que muitas pessoas que virão para a UE transitaram por outros países, onde podem ter tido contato com qualquer um, de qualquer lugar. Há um argumento forte para manter precauções por alguns meses.”

Sol e distanciamento

Mesmo com a melhora, o bloco continua na retaguarda de países desenvolvidos que foram mais ágeis – e protecionistas – para garantir suas doses: até o momento, aplicou ao menos uma dose em 31% da sua população. O ex-membro Reino Unido, em comparação, vacinou 53%. Os EUA, 45%.

Em múltiplas regiões do continente ainda há toques de recolher e quarentenas que são afrouxadas ou apertadas a depender da taxa de contágio, algo que a vacinação por enquanto não é capaz de controlar por si só, apesar de já reduzir as mortes. Logo, parece improvável que se abra completamente mão das máscaras e das medidas de distanciamento nos próximos meses.

Trata-se de um cálculo entre o risco da reabertura e os prejuízos econômicos impostos pelas restrições ao turismo, responsável por 10% do PIB europeu. Em 2020, o número de estrangeiros que viajou ao continente caiu 85%, conforme divulgou a Comissão de Viagem Europeia.

Com os casos e mortes sob controle, a Grécia vai reabrir seus museus na sexta-feira, após seis meses fechados. Bares e restaurantes voltaram a funcionar na semana passada, enquanto as praias foram reabertas ontem.

Atenas era uma das maiores defensoras da retomada do turismo, ao lado de outras nações mediterrâneas que não podem se dar ao luxo de perder mais um um verão. O setor é responsável por 20% da economia grega e teve em 2020 o pior ano de sua História.

Reabertura mira o verão

A Itália começou a reabrir gradualmente em abril, pouco depois de Portugal. A Espanha encerra hoje seu estado de emergência, enquanto os franceses deram início a um desconfinamento em quatro etapas na última segunda, com o fim da necessidade de autorizações para viagens de mais de 10 km.

A partir do dia 19, o toque de recolher será aliviado e as lojas não essenciais, fechadas desde março, poderão reabrir com restrições de lotação. Bares e restaurantes também poderão funcionar, desde que em espaços abertos e com limite de seis pessoas por mesa. Cinemas e teatros reabrirão, mas com ocupação reduzida.

Em 9 de junho, turistas de fora da UE serão novamente permitidos na França. A última etapa do plano, passível de mudanças a depender da situação pandêmica, está prevista para 30 de junho, quando o toque de recolher será suspenso.

Apesar da cautela, a maior circulação de pessoas deve inevitavelmente culminar em um aumento do contágio, como no verão de 2020 – mesmo fechado para o turismo interno, a UE permitiu as viagens entre seus Estados-membros. Os números ficaram relativamente baixos durante a alta temporada, mas voltaram a subir com a chegada do outono, culminando num novo surto.

Para Jeffrey Lazarus, pesquisador do Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal), o turismo foi um contribuinte para a segunda onda, assim como o alívio das restrições. O cenário deste ano, contudo, é diferente:

“Agora as ondas devem ficar menores porque estamos vacinando a população, mas isso não significa que não haverá novos surtos”.

McKee também acha que a tendência é de que não haja mais transmissão na mesma escala, mas crê que não é possível ter plena confiança nisso. “Sabemos muito pouco sobre as novas variantes”, ele disse.

Estas cepas foram responsáveis pelo surto europeu do início do ano, que desencadeou a última onda de confinamentos. Neste momento, há um temor especial com as mutações que circulam na Índia, o epicentro global da pandemia.

Obstáculos persistem

Um sinal de alerta é que as disparidades nas taxas de vacinação dentro da UE não são desprezíveis, ressaltando as diferenças internas de políticas sanitárias e infraestrutura. Enquanto a Hungria, que comprou doses da Rússia e da China ainda não aprovadas pela agência sanitária europeia, já vacinou 43% da sua população, a Bulgária inoculou apenas 9%. Com o aumento da circulação em grande escala, quem está para trás fica mais vulnerável a novas ondas.

Teme-se também que a desconfiança na vacina dificulte a imunidade de rebanho, especialmente em países onde o movimento antivacinação é historicamente forte, como a França. O vai e vem sobre os imunizantes da Universidade de Oxford-AstraZeneca e da Johnson & Johnson também prejudicam a crença nas doses, apesar das autoridades sanitárias garantirem sua segurança e eficácia.

“Estamos vendo isso nos EUA, que chegaram muito rápido aos 50% da população adulta vacinada, mas estão tendo problema para chegar aos 60%”, disse Lazarus. “Em alguns lugares isso é consequência de divisões políticas, em outros são questões econômicas, às vezes elas se sobrepõem. Vai ser difícil para muitos países europeus chegarem ou passarem de 70%”.

Mesmo que tudo corra como previsto, problemas podem surgir em lugares inesperados. Após três de quarentena, vários funcionários de restaurantes franceses perceberam que as longas e cansativas jornadas de trabalho não compensavam os baixos salários. Já existente antes da pandemia, porém acentuada no último ano, a escassez de mão de obra nas cozinhas põe em xeque o crescimento do setor no pós-pandemia.

“Todos aproveitamos 2020 para refletir sobre o que realmente queremos nas nossas vidas — disse à AFP Bernard Boutboul, ex-diretor de restaurantes que hoje assessora proprietários do setor”. É inegável que as pessoas que trabalham em restaurantes disseram: “Chega, não posso continuar assim, isso não é vida”.

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.