Veja como funciona a demarcação de terras indígenas com aprovação do PL 490
04 de junho de 2023

Da Revista Cenarium*
SÃO PAULO – No último dia 30, o Projeto de Lei (PL) que cria o Marco Temporal foi aprovado pela Câmara dos Deputados e, agora, depende de aprovação no Senado. O projeto propõe que a demarcação de terras indígenas se restrinja àquelas ocupadas à época da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
Além disso, impossibilita a ampliação de áreas já demarcadas e propõe que estas possam ser retomadas pela União caso traços culturais do povo indígena tenham se alterado. Propõe, ainda, que projetos de infraestrutura (tais como estradas e hidrelétricas) possam ser implementados em áreas demarcadas sem consulta às comunidades indígenas que ali habitam.
Essa proposta é letal em várias dimensões.
Até então, o estudo de identificação e delimitação do terreno era conduzido por um grupo de trabalho, sob responsabilidade da Funai, do qual fazem parte profissionais de diversas áreas, como engenheiro ambiental e agrônomo.
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O grupo é coordenado por um antropólogo especialista. Cabe a ele lidar com os indígenas durante o processo, o que exige capacidade de se comunicar nas línguas dos povos originários.
O grupo técnico reúne documentos em cartórios e órgãos fundiários e também conduz estudos antropológicos, ambientais, fundiários, sociológicos e cartográficos, entre outros, para apresentar um relatório à Funai. É a presidenta da Funai quem pode negar ou aprovar o pedido de demarcação.
O órgão, então, publica o relatório no Diário Oficial da União (DOU) e do Estado (DOE) onde a área está localizada. A Funai também informa a prefeitura daquela região sobre o processo em andamento.
Desde a abertura do processo e até 90 dias depois da publicação pela presidência da Funai, fica aberto o prazo para que pessoas físicas ou jurídicas se manifestem sobre a demarcação, para pleitear indenização ou apontar problemas no relatório, por exemplo.
“Qualquer um, seja um fazendeiro ou uma empresa, pode contestar os estudos da Funai com documentos, laudos e perícias. A Funai deve responder essas contestações antes de enviá-las para o Ministério da Justiça”, afirma a advogada Juliana de Paula Batista, do Instituto Socioambiental (ISA).
O Ministério da Justiça, então, tem 30 dias para publicar uma portaria especificando os limites da terra indígena. A partir dessa portaria, a Funai instala placas no território com alertas de que o local é habitado por povos indígenas.
A demarcação só é homologada mediante decreto da Presidência da República. Os prazos, segundo especialistas no assunto, raramente são cumpridos e perduram por anos.
Por último, a Funai faz o registro da área em nome da União junto à Secretaria de Patrimônio da União (SPU).

A Constituição garante ao morador indenização somente pelas benfeitorias eventualmente realizadas naquela terra — por exemplo, edificações, pomar, curral.
Já o pequeno produtor, classificado assim pela reforma agrária, deve ser contemplado com indenização pelas benfeitorias e com reassentamento pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
A Constituição não prevê indenização para quem invade a área após a homologação presidencial. No entanto, especialistas apontam que, se o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que estabelece o chamado Marco Temporal, for sancionado, é possível que esse processo administrativo seja modificado.
“Pela nova lei, as pessoas que entrarem nessas terras, em qualquer momento, poderiam ser indenizadas”, diz a advogada.
O texto do Marco Temporal, aprovado pela Câmara dos Deputados na última terça-feira, 30, considera que são dos indígenas somente os territórios ocupados pelos povos originários na data da promulgação da Constituição Federal de 1988, em 5 de outubro daquele ano.
A ausência da comunidade naquela área, até então, descaracteriza o enquadramento na reivindicação da terra indígena, exceto no caso de conflito por posse persistindo até 5 de outubro de 1988.
Segundo Juliana, do ISA, há comunidades indígenas que foram expulsas de suas terras e que terão dificuldades em reunir provas de que viviam naquela área anos atrás.
“É uma decisão muito arbitrária. Os povos indígenas eram tutelados pela União até a Constituição de 1988. Isso significa que eles nem podiam entrar na Justiça”, afirma a advogada.
A Funai contabiliza 761 terras indígenas registradas, isto é, 14% do território brasileiro. Dessas, oito foram homologadas e outras 475 estão regularizadas.

Demarcação de terras indígenas
- Grupo de trabalho da Funai faz estudo de identificação e apresenta para a presidência do órgão, que deve aprovar o relatório e publicar versão resumida no Diário Oficial da União e do Estado;
- É aberto prazo de 90 dias para pessoas físicas e jurídicas se manifestarem contra o estudo e/ou pleitearem indenização por benfeitorias naquela terra;
- O processo administrativo volta à Funai, que responde eventuais contradições apontadas e encaminha para o Ministério da Justiça;
- O Ministério da Justiça toma uma decisão e, se for o caso, publica portaria determinando a demarcação e os limites da terra indígena;
- A demarcação é homologada em decreto da Presidência da República;
- A Funai vai à Secretaria de Patrimônio da União (SPU) fazer o registro cartorário da área homologada.
Demarcação em números
- Em estudo (grupo da Funai faz relatório): 137
- Delimitadas (presidência da Funai aprovou relatório): 44
- Declaradas (Ministério da Justiça publicou portaria): 73
- Homologadas (decreto assinado pela Presidência da República): 8
- Regularizadas (terras já registradas em cartório em nome da União): 475