Veja como funciona a demarcação de terras indígenas com aprovação do PL 490
04 de junho de 2023
Indígenas Guarani, da Terra Indígena Jaraguá, na Zona Norte de São Paulo, protestam contra o Marco Temporal na rodovia Bandeirantes (Bruno Santos/30.mai.2023/Folhapress)
Da Revista Cenarium*
SÃO PAULO – No último dia 30, o Projeto de Lei (PL) que cria o Marco Temporal foi aprovado pela Câmara dos Deputados e, agora, depende de aprovação no Senado. O projeto propõe que a demarcação de terras indígenas se restrinja àquelas ocupadas à época da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
Além disso, impossibilita a ampliação de áreas já demarcadas e propõe que estas possam ser retomadas pela União caso traços culturais do povo indígena tenham se alterado. Propõe, ainda, que projetos de infraestrutura (tais como estradas e hidrelétricas) possam ser implementados em áreas demarcadas sem consulta às comunidades indígenas que ali habitam.
Essa proposta é letal em várias dimensões.
Até então, o estudo de identificação e delimitação do terreno era conduzido por um grupo de trabalho, sob responsabilidade da Funai, do qual fazem parte profissionais de diversas áreas, como engenheiro ambiental e agrônomo.
Indígenas Guarani, da Terra Indígena Jaraguá, na Zona Norte de São Paulo, protestam contra o Marco Temporal na rodovia Bandeirantes (Bruno Santos/30.mai.2023/Folhapress)
O grupo é coordenado por um antropólogo especialista. Cabe a ele lidar com os indígenas durante o processo, o que exige capacidade de se comunicar nas línguas dos povos originários.
O grupo técnico reúne documentos em cartórios e órgãos fundiários e também conduz estudos antropológicos, ambientais, fundiários, sociológicos e cartográficos, entre outros, para apresentar um relatório à Funai. É a presidenta da Funai quem pode negar ou aprovar o pedido de demarcação.
O órgão, então, publica o relatório no Diário Oficial da União (DOU) e do Estado (DOE) onde a área está localizada. A Funai também informa a prefeitura daquela região sobre o processo em andamento.
Desde a abertura do processo e até 90 dias depois da publicação pela presidência da Funai, fica aberto o prazo para que pessoas físicas ou jurídicas se manifestem sobre a demarcação, para pleitear indenização ou apontar problemas no relatório, por exemplo.
“Qualquer um, seja um fazendeiro ou uma empresa, pode contestar os estudos da Funai com documentos, laudos e perícias. A Funai deve responder essas contestações antes de enviá-las para o Ministério da Justiça”, afirma a advogada Juliana de Paula Batista, do Instituto Socioambiental (ISA).
O Ministério da Justiça, então, tem 30 dias para publicar uma portaria especificando os limites da terra indígena. A partir dessa portaria, a Funai instala placas no território com alertas de que o local é habitado por povos indígenas.
A demarcação só é homologada mediante decreto da Presidência da República. Os prazos, segundo especialistas no assunto, raramente são cumpridos e perduram por anos.
Por último, a Funai faz o registro da área em nome da União junto à Secretaria de Patrimônio da União (SPU).
Rodovia dos Bandeirantes, em São Paulo, bloqueada por manifestantes indígenas resistentes ao PL 490 (Bruno Santos/Folhapress)
A Constituição garante ao morador indenização somente pelas benfeitorias eventualmente realizadas naquela terra — por exemplo, edificações, pomar, curral.
Já o pequeno produtor, classificado assim pela reforma agrária, deve ser contemplado com indenização pelas benfeitorias e com reassentamento pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
A Constituição não prevê indenização para quem invade a área após a homologação presidencial. No entanto, especialistas apontam que, se o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que estabelece o chamado Marco Temporal, for sancionado, é possível que esse processo administrativo seja modificado.
“Pela nova lei, as pessoas que entrarem nessas terras, em qualquer momento, poderiam ser indenizadas”, diz a advogada.
O texto do Marco Temporal, aprovado pela Câmara dos Deputados na última terça-feira, 30, considera que são dos indígenas somente os territórios ocupados pelos povos originários na data da promulgação da Constituição Federal de 1988, em 5 de outubro daquele ano.
A ausência da comunidade naquela área, até então, descaracteriza o enquadramento na reivindicação da terra indígena, exceto no caso de conflito por posse persistindo até 5 de outubro de 1988.
Segundo Juliana, do ISA, há comunidades indígenas que foram expulsas de suas terras e que terão dificuldades em reunir provas de que viviam naquela área anos atrás.
“É uma decisão muito arbitrária. Os povos indígenas eram tutelados pela União até a Constituição de 1988. Isso significa que eles nem podiam entrar na Justiça”, afirma a advogada.
A Funai contabiliza 761 terras indígenas registradas, isto é, 14% do território brasileiro. Dessas, oito foram homologadas e outras 475 estão regularizadas.
Indígenas discutem os impactos do Marco Temporal na cidade de Presidente Figueiredo, região metropolitana de Manaus (Lalo de Almeida/1.set.2022/Folhapress)
Demarcação de terras indígenas
Grupo de trabalho da Funai faz estudo de identificação e apresenta para a presidência do órgão, que deve aprovar o relatório e publicar versão resumida no Diário Oficial da União e do Estado;
É aberto prazo de 90 dias para pessoas físicas e jurídicas se manifestarem contra o estudo e/ou pleitearem indenização por benfeitorias naquela terra;
O processo administrativo volta à Funai, que responde eventuais contradições apontadas e encaminha para o Ministério da Justiça;
O Ministério da Justiça toma uma decisão e, se for o caso, publica portaria determinando a demarcação e os limites da terra indígena;
A demarcação é homologada em decreto da Presidência da República;
A Funai vai à Secretaria de Patrimônio da União (SPU) fazer o registro cartorário da área homologada.
Demarcação em números
Em estudo (grupo da Funai faz relatório): 137
Delimitadas (presidência da Funai aprovou relatório): 44
Declaradas (Ministério da Justiça publicou portaria): 73
Homologadas (decreto assinado pela Presidência da República): 8
Regularizadas (terras já registradas em cartório em nome da União): 475
Este site usa cookies para que possamos oferecer a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.
Cookies Estritamente Necessários
O cookie estritamente necessário deve estar ativado o tempo todo para que possamos salvar suas preferências de configuração de cookies.
Se você desativar este cookie, não poderemos salvar suas preferências. Isso significa que toda vez que você visitar este site, precisará habilitar ou desabilitar os cookies novamente.