Veneno: Projeto de Lei em Mato Grosso pode aumentar risco ambiental e sanitário


Por: Lucas Ferrante*

19 de março de 2025
Veneno: Projeto de Lei em Mato Grosso pode aumentar risco ambiental e sanitário
Alimentos com placa de veneno (Fernando Frazão/Agência Brasil)

MATO GROSSO — A tramitação do Projeto de Lei nº 1833/2023 na Assembleia Legislativa de Mato Grosso tem gerado intensa preocupação entre especialistas, ambientalistas e comunidades rurais. Proposto pelo deputado estadual Gilberto Cattani (PL), o texto visa reduzir as distâncias mínimas para a aplicação de agrotóxicos próximos a áreas sensíveis, como comunidades rurais, mananciais e ecossistemas protegidos. Atualmente, a legislação estabelece um afastamento mínimo de 90 metros em relação a essas áreas. No entanto, o projeto, impulsionado pelo setor ruralista, propõe reduzir essa distância para apenas 25 metros em grandes propriedades e eliminar completamente a exigência para médias e pequenas propriedades.

Essa proposta, no entanto, colide frontalmente com evidências científicas. Resultados de pesquisas indicam que a distância mínima segura para a aplicação de agrotóxicos deve ser de pelo menos 300 metros. Estudos demonstram que efeitos adversos, como mutações genéticas e extinções locais de espécies, ocorrem em um raio de até 250 metros das áreas tratadas com aplicações diretas. A redução desses limites pode, portanto, ter impactos catastróficos para a biodiversidade e a saúde humana.

No dia 18 de março, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso realizou uma audiência pública para discutir o projeto. Nesta audiência, apresentei dados baseados em estudos que coordenei, além de pesquisas publicadas em periódicos científicos renomados. Um dos destaques foi um estudo que conduzi em 2020 na Fazenda Experimental da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), publicado na revista Acta Amazônica, editada pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). As evidências desse trabalho mostram que a redução dos limites de segurança para a aplicação de agrotóxicos pode ter efeitos mutagênicos e letais sobre a fauna local, especialmente anfíbios, que são bioindicadores sensíveis à contaminação química.

A pedido do Observatório Socioambiental do Mato Grosso, elaborei uma nota técnica de cinco páginas detalhando os impactos do PL 1833/2023, que será enviada aos deputados antes da votação. Entre os pontos levantados, destaco o efeito devastador do uso indiscriminado de agrotóxicos sobre os polinizadores, como as abelhas, fundamentais para a produção agrícola.

É importante ressaltar que até mesmo a Syngenta, uma das maiores empresas globais do setor de agroquímicos, reconhece que 75% das culturas alimentares dependem da polinização e que os agrotóxicos têm impactado negativamente os polinizadores.

O desaparecimento das abelhas tem comprometido produção de frutas como melão, maracujá e melancia, essenciais para a economia agrícola brasileira. Assim, a aprovação do projeto pode se tornar um tiro no pé para muitos produtores rurais, que enfrentariam reduções significativas na produtividade devido à perda de polinizadores e organismos que regulam pragas.

Outro aspecto crítico é a contaminação de águas subterrâneas e solos. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), apenas 32% dos agrotóxicos pulverizados atingem as plantas-alvo. O restante se dispersa no ambiente, sendo carregado pelo vento e infiltrando-se no solo e nos lençóis freáticos. A pulverização aérea, comum em larga escala, agrava o problema, exigindo doses maiores para compensar perdas. Estudos indicam que a deriva de pesticidas pode atingir comunidades inteiras, contaminando fontes de água e causando doenças em populações rurais.

A relação entre o uso de agrotóxicos e doenças humanas é amplamente documentada. Pesquisas revisadas por pares associam a exposição prolongada a pesticidas com o aumento de casos de câncer, distúrbios neurológicos e complicações na gestação. Um estudo publicado na renomada revista The Lancet Planetary Health destacou a conexão entre a exposição a pesticidas e o aumento de casos de doença de Parkinson. Além disso, crianças e gestantes expostas a esses químicos apresentam maior incidência de leucemia, linfoma não-Hodgkin e tumores cerebrais.

Diante dessas evidências, fica claro que a aprovação do PL 1833/2023 pode resultar em um aumento significativo de doenças relacionadas aos agrotóxicos, especialmente nas comunidades rurais e populações adjacentes a áreas rurais, que dependem de fontes de água potencialmente contaminadas. A flexibilização das normas para o uso de pesticidas não apenas coloca em risco o meio ambiente, mas também a economia agrícola e a saúde pública. Portanto, é urgente ampliar a distância mínima para 300 metros entre as áreas de aplicação de agrotóxicos e zonas sensíveis, e não reduzi-la, como propõe o projeto. A manutenção ou redução desses limites pode levar a danos irreversíveis à biodiversidade, à saúde humana e à produção agrícola do estado.

A votação do projeto está marcada para esta quarta-feira, 19 de março. Caso aprovado, as consequências serão devastadoras não apenas para a população de Mato Grosso, mas também para o Brasil e para os países que importam as commodities produzidas no estado. A decisão tomada agora terá repercussões por décadas, afetando gerações futuras e o equilíbrio ambiental dos biomas do estado.

(*) Lucas Ferrante é biólogo, com mestrado e doutorado em Biologia (Ecologia). É o pesquisador brasileiro com o maior número de publicações como primeiro autor nos dois mais prestigiados periódicos científicos do mundo, Science e Nature, conforme dados da plataforma Lattes. Atualmente, atua como pesquisador na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

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