Vereador bolsonarista acusa Ludmilla de ‘aliciar crianças’ em evento da Prefeitura de Manaus
Por: Bianca Diniz
13 de outubro de 2025
O vereador de Manaus Coronel Rosses e a cantora Ludmilla (Fotos: Reprodução/Redes Sociais e Prefeitura de Manaus | Composição: Paulo Dutra/Cenarium)
MANAUS (AM) — O vereador Ubirajara Rosses do Nascimento Júnior (DC), conhecido como Coronel Rosses, acusou, nesta segunda-feira, 13, a cantora Ludmilla, ícone da comunidade LGBT+ e vencedora do Grammy Latino, de “aliciar crianças” durante o festival “Sou Manaus – Passo a Paço 2025”, promovido pela prefeitura da capital amazonense. A declaração foi feita durante sessão plenária da Câmara Municipal de Manaus (CMM).
Apoiador declarado do ex-presidente Jair Bolsonaro, Rosses questionou a transparência dos contratos do Executivo e associou a artista, que se apresentou durante o evento, em setembro deste ano, a um crime. “Crime. E o mais grave: nenhum registro de pagamento de cachê aos artistas que subiram ao palco. Ou seja, não sabemos ainda quanto a Ludmilla embolsou pra vir aqui aliciar nossas crianças”, disse.
À CENARIUM, a advogada e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Amazonas (OAB-AM), Alessandrine Silva, classificou o episódio como “extremamente grave” e passível de responsabilização jurídica.
A cantora Ludmilla durante apresentação no festival Sou Manaus (Reprodução/Prefeitura de Manaus)
“É mais também o cometimento de um crime de difamação, não só apontando a honra dela [Ludmilla], como também apontando a ela o crime de aliciamento. Isso é muito, muito grave e viola os direitos humanos porque atenta contra a dignidade, contra a honra, contra a imagem dessa mulher, que são também direitos humanos”, afirmou a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-AM.
A advogada destacou, ainda, a falta de decoro e responsabilidade institucional na fala do vereador. “É uma pena, espero que isso, de alguma forma, alcance essa cantora para que ela tome as providências em relação a essa autoridade pública. Não se pode normalizar esse tipo de discurso dentro da Câmara Municipal”, completou.
Histórico de ataques
As declarações desta segunda-feira não foram um caso isolado. Nos dias 8 e 9 de setembro, Coronel Rosses havia utilizado a tribuna da Câmara para criticar a cantora Ludmilla e o festival Sou Manaus. Na ocasião, o parlamentar classificou o show da artista como “baixaria” e “bandalheira”, citando a Lei Municipal 593, que proíbe o uso de verbas públicas para contratação de artistas que “façam apologia à sexualidade”.
Em discursos anteriores, Rosses também fez menções à “moralidade” e à “família cristã”, afirmando que o evento promovido pela Prefeitura “desrespeitou os valores da cidade” e “incentivou a imoralidade e a pornografia”.
A jornalista, advogada, mestre em Direito Constitucional e especialista em Africanidades e Cultura Afro-brasileira, Luciana Santos, destacou à CENARIUM que, além dos crimes que podem ser apontados na fala do vereador, há também indícios de LGBTfobia e racismo.
“A Ludmilla é uma mulher assumidamente lésbica e que canta um estilo de música com origem negra e periférica, origem que é da própria artista. O que se percebe na fala do parlamentar é tanto a LGBTfobia, pois ele associa a orientação sexual à violência contra menores, quanto o racismo, pelo preconceito com a cultura negra periférica, como funk, trap, R&B e pagode”, disse Luciana.
Cantora Ludmilla e a companheira Brunna Gonçalves são casadas desde 2019 (Reprodução/Redes Sociais)
A especialista ressalta que comentários como esse vão além da difamação individual, pois refletem padrões de estigmatização de identidades e culturas historicamente marginalizadas. “Lembrando que, no Brasil, a criminalização da LGBTfobia é garantida por decisão do Supremo Tribunal Federal, que equipara a discriminação contra pessoas LGBT+ ao crime de racismo (Lei 7.716/1989)”, completou.
Consequências
A análise da advogada Renata Rocha evidencia a gravidade da situação. Ela ressalta que, por se tratar de um vereador, as acusações de Rosses não apenas carecem de provas, mas também podem gerar consequências legais sérias, por configurarem um crime contra a honra, ao imputar falsamente a alguém a prática de atos criminosos.
Segundo Renata, o caso reforça a necessidade de decoro e responsabilidade institucional, lembrando que discursos públicos de autoridades eleitas têm impacto direto sobre a imagem de cidadãos e devem respeitar a legislação, evitando difamação e possíveis sanções penais. “A fala do vereador, ela é extremamente gravosa, porque ele está imputando um fato criminoso a uma pessoa e sem apresentar provas“, concluiu.