Veto de Bolsonaro a absorventes pode afetar mais de um milhão de mulheres vulneráveis no Pará

Mulheres heterossexuais, pretas e pobres compõem o perfil mais afetado pela falta de recursos financeiros (Reprodução/Observador)
Rômulo D’Castro – Da Cenarium

PARÁ – O último levantamento populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2020, mostrou o Pará com mais de 4.800.000 mulheres. Em 2021, estima o Instituto, o Estado chegará a 8.777.124 habitantes, com 36% na linha da pobreza: mais de um milhão do sexo feminino. Os dados, avaliam integrantes de movimentos sociais, são preocupantes e endossam a discussão sobre os impactos de recente determinação do presidente Jair Bolsonaro, que vetou projeto aprovado na Câmara Federal para distribuição gratuita de absorventes a mulheres de baixa renda e a estudantes de escolas públicas.

Veto de Bolsonaro mantém mulheres em pobreza menstrual; entenda - Migalhas
No Pará, milhares de mulheres usam pano, papel higiênico e até jornal como absorventes. (Site Migalhas)

Coordenadora do Coletivo de Mulheres Negras na região Xingu, a professora Mônica Brito Soares critica a medida de Bolsonaro e explica que movimentos sociais devem fazer um abaixo-assinado para exigir que o absorvente seja obrigatório para mulheres em situação de vulnerabilidade social. “A gente vai continuar e agora mesmo, sábado (16), vamos entregar mais de 500 cestas básicas com absorventes. E vamos assinar [o abaixo-assinado] para que absorvente se torne política pública”, afirma.

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Mônica diz ainda que, durante a pandemia, a situação de mulheres que precisam de atenção básica se agravou e só não ficou mais crítica por causa de ações de movimentos sociais que acabam cumprindo o papel do poder público. “A maioria das mulheres jovens de diversos territórios sofreu muito com essa ausência por não ter condição financeira para garantirem o uso do absorvente”, destaca.

Foto mostra uma adolescente retirando um pacote de absorventes de dentro de uma sacola plástica. Embora o rosto da adolescente não apareça na foto, dá para ver que ela está usando máscara.
Movimentos sociais distribuem absorventes a mulheres do interior do Pará. (Elias Costa/UNICEF)

Marineide Juruna, da Terra Indígena dos Juruna, no Km 17, em Vitória do Xingu, sudoeste do Pará, conhece bem a realidade de jovens e adultas que vivem em situação de pobreza. Ela denuncia que por causa de baixos salários e, na maioria dos casos, por falta de atividades remuneradas, muitas têm de optar entre comer e cuidar da higiene.

“A higiene íntima está ligada à condição social. O atual governo [federal] não está dando a mínima, em especial nós que moramos no interior. A gente acaba deixando a higiene pessoal para depois”, explica Marineide, integrante de movimentos sociais que distribuíram absorventes em comunidades como onde ela mora.

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Perfis mais prejudicados

Mulheres heterossexuais, pretas e pobres compõem o perfil mais afetado pela falta de recursos financeiros e, consequentemente, têm mais dificuldades para adquirir itens básicos de higiene, como o absorvente íntimo. Mas elas não são as únicas. Homens trans (que nasceram com sexo feminino, mas se identificam como pertencentes ao masculino) representam 23% da população trans no País, segundo estudo inédito feito pelo Centro de Estudo de Cultura Contemporânea (Cedec), publicado no início do ano, em São Paulo.

Mesmo com a redesignação, um homem trans ainda pode menstruar porque a estrutura interna do corpo carrega órgãos – como útero e ovários – responsáveis pelo ciclo menstrual e pela gravidez. Vítimas do País mais transfóbico do mundo, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), são automaticamente descartados de programas básicos de atenção à saúde.

Vereadora luta para incluir homens trans na lei contra a pobreza menstrual  | Capricho
Campanha ‘Homens trans também menstruam’ reforça necessidade de item para públicos excluídos (Reprodução)

Com o veto de Bolsonaro ao projeto de doação de absorventes íntimos para mulheres, homens trans, assim como mulheres lésbicas, nem chegaram a ser cogitados como beneficiários, argumenta a coordenadora executiva do Coletivo Amazônico LesbiTrans, Dandara Rudson.

“O movimento LGBT está acompanhando de perto essa demanda. Todas as demandas a nível estadual e federal estão articulando para a derrubada desse veto”, explica ainda sobre as estratégias para não deixar a ordem do governo federal prevalecer.

Ainda de acordo com Dandara, o bloqueio do projeto da deputada Marília Arraes (PT-PE) por Jair Bolsonaro só reforça a falta de políticas públicas para essa parte da população e o posicionamento machista que o atual presidente sempre demonstrou.

“Tem mulheres que chegam a colocar miolo de pão, papel, papelão. Atinge a população de uma maneira muito séria”, denuncia. E completa. “Influencia diretamente a vida de mulheres que já são invisibilizadas, como mulheres negras, em situação de rua e invisibiliza ainda mais as mulheres LGBTs nessa sociedade racista, misógina e transfóbica”.

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