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VÍDEO: fogo, fumaça e Covid-19, REVISTA CENARIUM chega em Cáceres, no MT
Extensa faixa de fumaça toma de conta das margens do Rio Paraguai e da orla da cidade de Cáceres, no Mato Grosso (João Paulo Guimarães/ REVISTA CENARIUM)
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03 de outubro de 2020
João Paulo Guimarães – Da Revista Cenarium*
CÁCERES, MT – Ao sair de Várzea Grande (a 8 quilômetros de Cuiabá) peço para o motorista do ônibus me deixar ir com ele na frente. Ele pede apenas para colocar o cinto de segurança e agradece pela companhia. Conversei bastante com seu Plínio. Ele me conta que Chitãozinho e Chororó venderam a fazenda para o magnata dono da rede de supermercados Big Lar.
Na entrada da fazenda já tem a placa escrita: Fazenda Monte Belo. A placa com o nome da dupla já foi tirada, mas mesmo que ainda lá estivesse, não conseguiríamos ver com facilidade por causa da fumaça. É muita fumaça. Cobre a serra, cobre o pasto, esconde o Sol e os animais. E como diz a canção: “O rancho fundo bem pra lá o fim do mundo, nunca mais houve alegria, nem de noite e nem de dia”.
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O pobre moreno se mudou. Adoeceu por causa da fumaça.
À medida que vamos subindo a serra para Cáceres, a visibilidade vai diminuindo, mas o vento aumenta. Dá para perceber pelo ônibus que tem dificuldade em manter velocidade. Treme o transporte. De longe avisto uma coluna que parece pequena para olhos sem experiência, mas eu sei daquela distância que o fogo é grande.
Pergunto ao seu Plínio se ali já é Cáceres e ele balança a cabeça afirmando que sim. Ao chegar na rodoviária desço apressado com uma lente pendurada no ombro e a câmera na mão atrás de um mototáxi para deixar as coisas no hotel e correr atrás do fogo. Uma amiga de uma ONG, a Fase, já conseguiu um guia para mim. É o Miguel Ângelo, biólogo da cidade que anda apressado explicando tudo sobre Cáceres.
Chegamos ao ponto de avistamento da coluna de fumaça. É a prainha onde corre o Rio Paraguai em frente à cidade. Tem uma praça muito bonita com uma igreja no estilo gótico. No entorno da praça, alguns bares e lanchonetes. Bonita a cidade de Cáceres (a 225 quilômetros de Cuiabá), mesmo com seus mais de três mil casos de infectados com Covid-19 até a última sexta-feira, 2.
Olho para frente e consigo acreditar na fúria do fogo que ainda não consigo ver por trás das árvores. A coluna de fumaça é gigante. Ignorante. Um monstro.
Está tapando o Sol criando um filtro sobrenatural amarelo. Vou descendo uma escadaria para a praia e percebo por alguns segundos que a paisagem, em uma outra situação, seria muito bonita. Canoas estacionadas uma ao lado da outra até lembram minha cidade natal. Abaetetuba no Pará. Tenho que chegar até o fogo e preciso pensar rápido, pois a luz do dia está indo embora e de noite não vou conseguir fazer nada. Deve haver algum dono de lancha que me leve até o foco.
Pergunto para Miguel se algum dono de lancha poderia nos levar até o fogo e ele diz que sim, mas que não seria barato. Nessas horas nem tem o que pensar.
Entramos no estacionamento de barcos e falamos com o dono. Ele vai conosco para ver o fogo que ontem não estava lá. “Isso aí é fogo criminoso!”, ele nos diz chamando o rapaz do trator para descer a lancha.
Entramos na lancha e ao dobrar o rio já nos deparamos com focos de fogo no meio da mata. Paro para fotografar. Continuamos a descida do rio e encontramos mais focos. Desci de novo para fotografar, agora os focos de queimada estão ficando mais próximos da margem da mata e maiores.
São muitos. Se reproduzem com o vento. Pulando. Procriando. Voltamos ao rio e já há novos focos que não estavam lá há cinco minutos.
Os focos menores que deixamos atrás de nós estão gigantes. Miguel Ângelo me explica que tudo que está queimando é Área de Proteção Ambiental. Eu fico sem entender, já que têm vários pontos de acampamento de pescadores pegando fogo com bancos para sentar, frezzers e até cabanas de madeira para pernoitar.
Ele me explica: “Aqui é a APP, Área de Proteção Permanente e aqui em Cárcere existe uma comunidade de pescadores artesanais e utilizam esses barracos, mas existem outros pescadores que utilizam essa área também.
Aqui não é igual Mato Grosso do Sul. Lá você vai ver várias cabanas uma ao lado da outra. Aqui é o Tabuado, é patrimônio Cultural e é da região. Local. Não existe uma fiscalização para isso. Aí um pescador vai lá, assa um peixe. Vai embora e o fogarel fica. Voa uma brasa e pronto.”
O dono da lancha interrompe: “Mas esse fogo que tá aí, não estava ontem. Hoje estava essa coluna aí, mas foi porque alguém tacou fogo mesmo. Isso não é normal não. Olha ali. Mais foco para dentro da mata. Tem alguém aí tacando fogo e se tivesse policiamento, pegava, mas quem que vai entrar aí atrás do cara?”
Eu, Miguel e o barqueiro retornamos para terra sem ter noção da quantidade de focos de fogo que encontramos em apenas uma hora navegando sobro rio Paraguai. “O fogo vai crescer Miguel”, digo cansado e ele assente em silêncio.
Ao subirmos da praia para a rua olhamos para trás e vemos uma família na beira da praia passeando. Ao lado deles, atrás das árvores, a luz laranja iluminando o céu da cidade que acabei de conhecer. Sinto meu pé mais pesado que de costume nessas situações. Minha bota derreteu e a sola está pendurada.
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