Violência armada mata jovens negros três vezes mais no Brasil, diz Instituto Sou da Paz
Por: Cenarium*
20 de novembro de 2025
MANAUS (AM) – Carlos Alberto de Jesus buscava fazer justiça com as próprias mãos quando sacou uma arma e atirou contra o jovem universitário Igor Melo, em fevereiro deste ano, no Rio de Janeiro. Meses depois, em junho, Fábio Anderson tinha sido assaltado quando viu Guilherme Dias e atirou contra o jovem que saía do trabalho em São Paulo. Igor e Guilherme não tinham cometido nenhum crime; foram alvejados porque suas cores de pele os transformaram em alvo.
Os dois jovens negros não são exceções, mas expressões de um padrão histórico em que a cor da pele e o território seguem determinando o risco de morrer por arma de fogo, o que aponta o relatório do Instituto Sou da Paz “Violência Armada e Racismo: O Papel da Arma de Fogo na Desigualdade Racial”. Segundo a quarta edição do relatório, homens negros têm 211% mais chance de serem assassinados por armas de fogo do que homens não negros.
A pesquisa analisa a violência armada e a desigualdade racial no País com base nos dados oficiais do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), cobrindo o período de 2012 a 2023 para os homicídios e até 2024 para registros de violência armada não letal. Embora o número total de homicídios tenha apresentado uma leve queda, os homicídios cometidos com armas de fogo permanecem em níveis altos e constantes.

Eles representam 71% de todos os homicídios realizados entre 2000 e 2023, segundo dados do Ministério da Saúde. O relatório mostra que a violência armada atinge majoritariamente os homens, que representam 94% das vítimas. Entre eles, os jovens de 20 a 29 anos concentram as maiores taxas de mortalidade, com 81,2 mortes por 100 mil homens, mais de três vezes a taxa observada entre adolescentes e quatro vezes maior que entre os mais velhos. Além do gênero e da idade, a raça é um fator relevante de vitimização: 80% dos homens mortos por arma de fogo são negros.
A região Nordeste concentrou quase metade dos homicídios de homens com armas de fogo em 2023. Foi a maior taxa do país, com 55,8 mortes por 100 mil homens, das quais 90% eram negras. Na sequência aparece o Norte, marcado por conflitos fundiários e ambientais, garimpo ilegal e disputas entre facções, com 45,75 mortes por 100 mil homens. Já o Sudeste concentra 20% dos homicídios, mas tem a menor taxa entre as regiões (15,3 por 100 mil). O Sul também apresenta taxas relativamente menores (19,6) e é a única região onde há predominância de vítimas não negras (66%), refletindo o perfil demográfico local.
Os estados com os maiores números absolutos de homicídios armados são Bahia (5.209), Pernambuco (2.810) e Rio de Janeiro (2.596). Quando se observa a taxa de homicídios por 100 mil homens, o Amapá lidera o ranking (111,5), seguido da Bahia (73,2), Pernambuco (62,0), Alagoas (58,0) e Ceará (52,8). Nas capitais, os piores índices são de Macapá (123,5), Salvador (107,5), Recife (74,4) e Maceió (72,9). Em todas as capitais brasileiras, homens negros têm taxas de homicídio superiores às de homens não negros. Por outro lado, São Paulo (3,0 por 100 mil), Brasília (11,2) e Florianópolis (11,3) registram as menores taxas do País.

Ao contrário do que costuma ocorrer com os feminicídios, os locais públicos são onde a maioria das mortes de homens por arma de fogo acontecem. Em 2023, 49% dos homicídios masculinos ocorreram em ruas ou estradas, enquanto as residências representaram apenas 11,6% dos locais de crime. Entre idosos, a proporção de homicídios em casa é maior, enquanto entre os jovens predomina a violência nas vias públicas, um indicativo de como a violência armada é um fenômeno altamente visível e urbano.
Entre 2012 e 2024, foram registradas 58.549 notificações de violência armada contra homens no sistema de saúde. Após um período de queda até 2021, os números voltaram a crescer, alcançando 5.605 notificações em 2024, um aumento de 59% em três anos. O aumento é mais visível nas regiões Nordeste e Sudeste, que concentram a maior parte das notificações e onde a circulação de armas e as desigualdades sociais agravam o problema. Assim como na violência armada letal, a maioria das vítimas são homens negros, e a rua é o principal local onde são vitimados, sendo 50% das vítimas negras e 44% não negras.
“Os dados apresentam uma realidade conhecida, mas é preciso reconhecê-la no cerne das políticas públicas voltadas à redução das desigualdades de raça, gênero e classe que vulnerabilizam populações inteiras”, afirma Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz. “É preciso investir na prevenção dos fatores da violência armada, controlando a disponibilidade de armas de fogo na sociedade brasileira, tanto no mercado legal quanto no enfrentamento ao seu tráfico ilegal, ponto de partida fundamental para que as políticas públicas de segurança democráticas sejam bem-sucedidas”, diz.