‘Violência de gênero, misoginia e machismo’: ofensas de Braga à ministra refletem sistema político brasileiro

O senador Eduardo Braga (à esq.) e a ministra Flávia Arruda (à dir.) (Reprodução/ Internet)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS – O destrato do senador Eduardo Braga (MDB) com a ministra da Secretaria do Governo da Presidência da República, Flávia Arruda, durante um telefonema, repercutiu entre os movimentos em prol das mulheres, que apontaram reflexos de um sistema político misógino no Brasil. Nesse domingo, 12, o jornalista Lauro Jardim, do O GLOBO, informou que o líder do MDB no Senado proferiu, aos berros, palavras de baixo calão à ministra. As ofensas fizeram Flávia chorar, segundo o colunista, e a situação precisou ser contornada pelo chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira.

O motivo do ataque foi que Braga, conhecido pela “personalidade forte”, teve emendas parlamentares negadas pelo Palácio do Planalto. À CENARIUM, a coordenadora Estadual da União Brasileira de Mulheres no Amazonas, Eriana Azevedo, vê a situação como um retrato do sistema político atual no qual é comum a violência de gênero, o machismo e a misoginia.

“Não esqueçamos os casos de violência de gênero na política, machismo e misoginia sofridos pela ex-presidenta Dilma, os ataques que Manuela D’Avila sofreu na campanha de 2018, da deputada estadual de São Paulo, Isa Penha, sem falar nos casos locais que as mulheres da política amazonense já sofreram, como a ex-senadora Vanessa Grazziotin, a ex-deputada federal Rebeca Garcia, a deputada estadual Joana D’Arc, entre outras”, reflete, também, a vice-presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (Cedim), Eriana Azevedo.

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Ocorridos como o protagonizado pelo senador Eduardo Braga dificultam a presença das mulheres na política. Dentre 192 países, o Brasil ocupa a 142ª posição do ranking internacional de participação de mulheres na política. As mulheres representam 15% da Câmara de Deputados, enquanto a bancada de senadoras eleitas em 2018 corresponde a 11,54% da Casa. Em 2018, foram eleitas 161 deputadas estaduais, o equivalente a 15,56% do total.

“Alguns comportamentos foram ‘naturalizados’ ao longo do tempo e não cabem mais nos dias de hoje. Prova disso foi o avanço da legislação que agora tipificou o crime de violência política de gênero no âmbito da lei 14.192/2021. O que precisamos é que as mulheres que já estão ocupando espaços de poder e decisão importantes, como o da ministra, é que tenham coragem para efetivar a denúncia do fato ocorrido, do contrário, ficaremos sempre nas especulações”, pontua Eriana.

A advogada, presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/AM) e co-fundadora da empresa de consultoria em direito antidiscriminatório Odaras, Ana Carolina Amaral de Messias, explica que, apesar de não compartilhar do posicionamento político da ministra Flávia Arruda, não há como não se sensibilizar e se identificar. “Mulheres em espaço de poder são vítimas de machismo como qualquer outra. Estar numa posição de ‘prestígio’ ou ‘privilégio’ não é sinônimo de proteção nesse sentido. Então sim, situações como essa escancaram o machisto estrtutural e institucional, o que dificulta e muito a acessibilidade de mulheres em espaços de liderança, como a política”, disse.

E completa: “Mulheres estão subrepresentadas em espaços de gestão e liderança, ganham menores salários, são as maiores vítimas de assédio moral e sexual. Na política não é diferente. Existe muito machismo e misoginia nesse meio. Constantemente assistimos episódios de parlamentares sendo desrespeitadas/atacadas no exercício de suas profissões. E os ataques sempre visam deslegitimar e desqualificar a mulher”.

“Temperamento forte”

Para Eriana, a “personalidade forte” caracterizada por Eduardo Braga é um fenômeno da sociedade machista e patriarcal. Se, eventualmente, fosse um mulher no lugar do senador, seria chamada de descontrolada.

“Fomos por muito tempo criadas para sorrir e apenas concordar. Quando uma mulher é mais assertiva, usa a fala com mais veemência, é tachada como mandona ou chata. Já os homens sempre foram criados para liderar e comandar parece ser natural, é tido como um homem de personalidade forte, um líder nato”, pontua a coordenadora Estadual da União Brasileira de Mulheres no Amazonas.

“É uma discussão que às vezes parece bobagem, mas que estereótipos como esse ainda são reforçados nos dias de hoje”, finaliza ela.

Emendas

De acordo com Lauro Jardim, que possui mais de 30 anos de profissão, as emendas, que não tiveram o valor e sua destinação informados, haviam sido prometidas pelo Palácio do Planalto, mas não chegaram a ser liberadas. No telefonema a Flávia Arruda, Braga não teria gostado da negativa e teria destratado a ministra.

“Braga extrapolou. Flávia não segurou a onda. Chorando, passou a ligação para que Ciro Nogueira, o chefe da Casa Civil que acompanhava a cena ao lado da ministra, tentasse contornar a situação”, disse o colunista.

A ministra comanda a secretaria, que possui status de ministério e cuida das articulações de interesse do Palácio do Planalto. Flávia tomou posse na Secretaria de Governo em abril deste ano, no lugar do general Luiz Eduardo Ramos. Segundo articulistas políticos de Brasília, a atuação dela no Congresso se tornou o principal motivo para a indicação ao ministério. Na Câmara dos Deputados, Flávia se alinhou ao governo e votou a favor de projetos considerados importantes.

Ataques são comuns

Em maio deste ano, vários sites noticiaram que Braga teria destratado uma funcionária que estava levando documentos para o senador durante uma transmissão ao vivo, em uma rede social. Na ocasião, o político fazia uma live, ao mesmo tempo que concedia uma entrevista ao telefone, e pediu a sua funcionária que mostrasse a primeira fase do documento, quando se irritou, ao perceber que a mulher não sabia o que ele solicitava no momento.

Braga repreendeu a funcionária, tapando o telefone com a mão para que a situação constrangedora não fosse ouvida durante a entrevista. Irritado, o senador questionava: “Sem saber qual é a primeira fase, primeiro a ordem dos fatores altera o produto. Pergunta qual é a primeira fase”, esbravejava.

Sem respostas

Após a repercussão do caso revelado na coluna de Lauro Jardim, a CENARIUM enviou demando à assessoria do senador questionando sobre o teor do telefonema a Flávia Arruda, assim como perguntou sobre quais emendas Eduardo Braga estaria se referindo, mas, até a publicação desta matéria, não havia recebido respostas.

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