‘Violência está bem mais próxima’, diz criminalista sobre execução em frente ao Fórum Henoch Reis

Matheus Danilo Barros Dias, 27 anos, foi executado a tiros por membros de facção rival em Manaus Foto: Ricardo Oliveira/Cenarium

Matheus Danilo Barros Dias foi fuzilado na presença de policiais, quando chegava para audiência de custódia

Malu Dacio – Da Revista Cenarium

MANAUS — A execução de Matheus Danilo Barros Dias, 24 anos, dentro de uma viatura oficial, nesta quinta-feira, 6, decreta a falência do Estado brasileiro quanto à garantia de um direito fundamental pela Constituição de 1988. O crime aconteceu em frente ao Fórum Ministro Henoch Reis, bairro Adrianópolis, zona Centro-Sul de Manaus.

Matheus e outros dois suspeitos – Patrick Regis de Sena e Antônio Marlon Silva dos Santos – haviam sido presos na noite do dia anterior, por policiais do 1º Distrito Integrado de Polícia (DIP), e se dirigiam à audiência de custódia, quando foram atacados. De acordo com informações da Polícia Civil, Matheus foi executado por membros de uma facção criminosa.

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Matheus Danilo Barros Dias, 24 anos foi executado em frente ao Fórum Ministro Henoch Reis (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)
Carro metralhado e rua interditada no entorno do Fórum Ministro Henoch Reis, no bairro Adrianópolis (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

Na quarta-feira, Matheus, Patrick e Antônio foram detidos por tentativa de homicídio no Prosamim do Mestre Chico, zona Sul, ação que acabou sendo impedida por policiais. Os três portavam duas pistolas, munição, dinheiro e joias. Matheus tinha processos por homicídio simples, porte ilegal de armas, tráfico de drogas em Manaus e no município de Iranduba.

Por volta das 14h30 da quinta-feira, quando os três se dirigiam ao Fórum Ministro Henoch Reis, onde seriam apresentados para audiência de custódia, a viatura policial que os conduzia foi interceptada por outros dois carros, e foram fuzilados. Patrick e Antonio foram levados com vida ao hospital, mas Antônio acabou morrendo.

Audiência de Custódia

Lançadas em 2015, as audiências de custódia consistem na rápida apresentação da pessoa que foi presa em flagrante a um juiz, em uma audiência em que também são ouvidos Ministério Público, Defensoria Pública ou advogado do preso.

O juiz analisa a prisão sob o aspecto da legalidade e a regularidade do flagrante, da necessidade e da adequação da continuidade da prisão, de se aplicar alguma medida cautelar e qual seria cabível, ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares. A análise avalia, ainda, eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades.

A implementação das audiências de custódia está prevista em pactos e tratados internacionais de direitos humanos internalizados pelo Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos. Além disso, a realização das audiências de custódia foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar, em 2015, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5240 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347. Matheus Danilo Barros Dias não teve esse direito garantido.

Ação ousada

Matheus Danilo Barros Dias, 24 anos, morreu dentro da viatura (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

Para o advogado Christhian Naranjo, a novidade desta ação é a ousadia, o avanço de praticar o crime violento. “Ao lado do Fórum de Justiça, na presença de policiais, constituindo uma grande afronta ao Poder Judiciário e à polícia, o que inegavelmente aumenta a percepção de que a violência está bem mais próxima do que jamais esteve antes”, afirma.

A história letal de Matheus não é exceção. Para o sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Gilson Gil, o tráfico surge como uma opção de “emprego” e de “carreira”. “Especialmente em um momento de desemprego e inflação como o atual”, explica.

Mais perto

“O tráfico aponta um caminho para esses jovens. Um dinheiro fácil e imediato. No Amazonas, penso não haver, ainda, uma estabilidade entre os grupos. É muito dinheiro envolvido e o Amazonas é um ponto central de passagem para as drogas. Se os governos não oferecerem opções de emprego e renda aos jovens, esse movimento só aumentará e as facções crescerão mais e mais”, completa o sociólogo.

A guerra entre essas facções tem um objetivo principal: o poder sob o tráfico de drogas. Um estudo de 2021 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que na última década, enquanto a taxa de mortalidade brasileira foi de 23,9 mortes a cada 100 mil habitantes, nos Estados da Amazônia ficou em 29,6. Amapá (41,7), Acre (32,9) e Pará (32,5) se destacaram entre os mais letais. Pelo menos 20 facções com base prisional atuam em território amazônico, revela o levantamento.

O professor defende também que as facções têm de ser reprimidas. “E isso também pode ser feito asfixiando suas transações econômicas, vigiando fronteiras e rios, enfim, impedindo esse comércio. Nos bairros, além da vigilância, é preciso orientar e mapear os jovens, evitando que entrem nas facções. Impedir que milícias sejam criadas nos bairros”, frisou Gilson.

Para o sociólogo, outras soluções seriam: controlar a lavagem de dinheiro, evitar a circulação financeira, quebrar as cadeias de comando das facções, evitar contatos nacionais e regionais, e impedir que se organizem. Outras opções seriam urbanizar bairros e ruas, evitando locais ermos e abandonados, oferecendo opções de lazer e ocupação aos jovens.

Um dos suspeitos deixou o local ainda com vida (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

Guerra antiga

Os impactos dessa guerra são fortemente sentidos e vivenciados pela sociedade. Prova recente foram as cenas de terror que a capital amazonense viveu nos dias 5 e 6 de junho de 2021, onde uma ‘onda’ de ataques foram registrados em diversos bairros. Ônibus incendiados, agências bancárias atacadas e até mesmo obras públicas viraram alvos de facções após mortes entre rivais e aliados.

Leia Mais: Testemunhas de ataques em Manaus relatam terror: ‘Jogaram gasolina no vigia’

Na ocasião, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-AM) afirmou que os ataques eram uma represália dos criminosos pela morte de um traficante conhecido como ‘Dadinho’ e o próprio secretário de Segurança Pública à época, coronel Louismar Bonates, reconheceu que a ordem dos ataques partiu de dentro do presídio. E essas ordenanças não são novidades.

O professor lembra que o judiciário é peça central nesse assunto. “Processos longos, prisões cheias, culpados liberados. Ele (o judiciário) é uma peça importante para que se resolva definitivamente isso. Evitar que nas prisões os bandidos de periculosidades diversas se unam e incrementar penas alternativas poderiam ajudar os mais jovens”, sugeriu.

“O Ministério Público também ajudaria centrando fogo nas ações de lavagem de dinheiro, nas ações de inteligência, a fim de asfixiar a circulação de recursos”, disse.

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