Violência policial é associada a parto prematuro em mulheres negras nos EUA

Risco de doença cardiovascular também sobe; análise de registros médicos pode ajudar a entender ligação, diz pesquisador (Kerem Yucel - 11.abr.2021/AFP)

Com informações da Folhapress

SÃO PAULO — A violência policial pode ser uma das explicações para o aumento de problemas de saúde entre mulheres negras dos Estados Unidos, com efeitos como maior incidência de partos prematuros e doenças cardiovasculares.

A associação entre esses fatores, detectada a partir da análise de milhares de registros médicos e de reclamações contra policiais na cidade de Chicago, traz novos indícios sobre como circunstâncias sociais são capazes de afetar indiretamente o organismo – uma possibilidade que tem aparecido em cada vez mais estudos nas últimas décadas.

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Os resultados da pesquisa sobre o tema estão na mais recente edição do periódico especializado Science Advances. Assinam o estudo Alexa Freedman e Gregory Miller, da Universidade Northwestern, entre outros cientistas.

Embora o trabalho apresente, por enquanto, associações estatísticas entre a violência policial e o aumento de problemas de saúde das mulheres, Miller disse à reportagem que a análise de registros médicos poderia ser usada para investigar com mais detalhes como uma coisa pode desembocar na outra.

“Seria possível, por exemplo, usar informações sobre testes laboratoriais feitos pelas pacientes, envolvendo checagens de pressão arterial, níveis de glicose e lipídios [gorduras] no sangue. Obviamente seria uma abordagem mais limitada do ponto de vista biológico, mas ao menos não seria necessário um grande investimento para coletar novos dados”, explica ele.

Diversos dados indicam que a polícia americana é muito mais severa no trato com a população negra do que com outros grupos raciais dos EUA. Em Chicago, onde o estudo foi realizado, a probabilidade de que um policial faça uso da força contra um suspeito negro é dez vezes maior do que quando o suspeito é um branco. A probabilidade de que uma pessoa negra desarmada seja baleada por policiais na cidade é quase seis vezes maior.

A hipótese dos pesquisadores é que esse clima de insegurança para quem não é branco pode ter efeitos múltiplos sobre a saúde, em geral associados a níveis constantemente mais elevados de estresse, mesmo quando as pessoas não estão diretamente envolvidas em ocorrências violentas, mas apenas vivem numa vizinhança na qual elas são comuns.

Ao afetar processos como padrões de sono e processos inflamatórios, esses eventos poderiam se traduzir em risco aumentado de diversos tipos de doenças.

Para tentar verificar se associações desse tipo ocorriam, os pesquisadores usaram duas grandes bases de dados, ambas com dezenas de milhares de registros. De um lado, vasculharam informações sobre nascimentos e atendimentos médicos de um hospital de Chicago entre 2008 e 2018; de outro, tiveram acesso às reclamações formais feitas por moradores de Chicago contra o uso excessivo da força por parte de policiais no mesmo período.

As reclamações contra policiais foram catalogadas com base nos bairros dos moradores que as fizeram. O mesmo foi feito no caso das mulheres atendidas no hospital, das quais 2.203 (no caso dos partos) e 439 (no caso das doenças cardiovasculares) eram negras e provinham de vizinhanças consideradas “expostas”, ou seja, com reclamações por violência policial.

No que diz respeito às gestantes, os pesquisadores decidiram focar suma análise nos partos prematuros (menos de 37 semanas de gestação) porque já se sabe que negras dos EUA estão particularmente sujeitas a essa situação, que pode ter impacto sobre uma série de parâmetros de saúde dos bebês conforme se desenvolvem.

A análise revelou que as mulheres negras “expostas” da amostragem tinham probabilidade de 19% maior de darem à luz bebês prematuros, 16% mais chances de que seus filhos nascessem abaixo do peso normal e probabilidade 42% maior de desenvolverem doenças cardiovasculares. Os três índices podem estar relacionados, já que problemas cardiovasculares tendem a tornar as gestações mais arriscadas.

Segundo Miller, outro caminho para entender melhor o fenômeno seria realizar um estudo longitudinal, ou seja, um levantamento que acompanhe as variáveis da violência policial e da saúde feminina ao longo de anos ou mesmo décadas.

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