Yanomamis foram 98% das vítimas de conflitos no campo, até agosto; mortes aumentaram mais de 1.000%, diz CPT

Indígenas Yanomami representam 101 das 103 vítimas, entre janeiro e agosto de 2021. Pelo menos 45 delas eram crianças.(Reprodução/EBC)


Iury Lima – Da Revista Cenarium


VILHENA (RO) – A tragédia que assola o povo Yanomami, entre os Estados de Roraima e Amazonas, parece não ter fim. Novo índice alarmante foi divulgado na última sexta-feira, justo quando se comemorava o Dia Internacional dos Direitos Humanos: 98% dos mortos em decorrência das disputas por terra de norte a sul do País pertenciam à etnia que vive na região amazônica, ou seja, foram 101 das 103 vítimas, entre janeiro e agosto de 2021. Pelo menos 45 delas eram crianças e o aumento de mortes em decorrência da violência no campo é de 1.044%. 

Os números fazem parte do compilado de informações parciais referentes à grilagem, pistolagem, expulsão, destruição de casas e de pertences, além do impedimento de acesso às áreas de uso coletivo, em todo o Brasil, durante os primeiros oito meses do ano, levantados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Território Yanomami é constantemente invadido, tem mais de 20 mil garimpeiros realizando mineração e sofre com a falta de assistência do governo federal. (Reprodução/Chico Batata/Greenpeace)

Aumento assustador

Os dados da CPT demonstram que não resta dúvida sobre uma expressiva tendência de perseguição étnica no País. O aumento de mais de 1.000% das mortes que ocorreram como consequência do emprego da violência em situações de conflito por terra revela uma grande disputa pelas riquezas dos territórios de populações tradicionais. São mortes que resultam da invasão de garimpeiros, do avanço do desmatamento no entorno e dentro das Terras Indígenas (TIs), contaminação da água e disseminação de doenças, além de assassinatos.

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Em 2020 inteiro, foram nove ocorrências em todo o Brasil, em face das 103 deste ano, apenas entre janeiro e agosto. Por outro lado, a CPT informou que não foi possível extrair o número exato de vítimas por gênero, mas que, pelo menos, 45 delas eram crianças e que a maior parte das informações foi apresentada no II Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’Kwuana, entre os dias 4 e 7 de setembro, no município do Cantá, no norte de Roraima.

“Acompanhamos durante o ano de 2021, diversas invasões de garimpeiros ao território Yanomami, resultando em assassinatos, agressões, ameaças, ameaça ao território, contaminação da água, desmatamento, além de serem vetores de doenças diversas, incluindo a Covid-19. Vimos também crianças sendo sugadas por dragas e morrendo afogadas ao fugirem dos tiros disparados pelos criminosos”, diz o relatório da CPT.

“A falta de políticas públicas de saúde e alimentação expôs o alto índice de desnutrição que acomete as crianças Yanomami, muitas vezes mortalmente, e também expôs como doenças, a exemplo de malária, leishmaniose e pneumonia, ainda matam esses indígenas em nosso País”, como consta no texto.

Foto de menina Yanomami, de 8 anos, deitada em uma rede com as costelas expostas chamou a atenção para a crise humanitária dos Yanomami. (Reprodução/Folha de S. Paulo)

Maioria dos assassinatos ocorreu na Amazônia Legal

De acordo com os dados parciais, de 1º de janeiro a 31 de agosto, os povos indígenas representaram 33% das vítimas dos conflitos por terra, sendo as populações mais afetadas em toda a Amazônia Legal. Quilombolas aparecem em seguida, como 19% das vítimas. Além disso, a Amazônia Legal concentrou 77% dos assassinatos ocorridos até então, ou seja, dos 26 casos, 20 foram registrados dentro do território da maior floresta tropical do planeta, com quase 6 milhões de quilômetros quadrados.

Também aumentou a violência contra posseiros, sem-terra e assentamentos. Entre as vítimas de assassinato, oito eram indígenas, seis eram sem-terra, além de três posseiros, três quilombolas, dois assentados, dois pequenos proprietários e duas mulheres quebradeiras de coco-babaçu. Os assassinatos foram cometidos no Maranhão (9), Rondônia (5), Tocantins (2), Roraima (2), Pará (2), Bahia (2), Rio Grande do Sul (2) e Rio de Janeiro (1).

A Comissão Pastoral da Terra diz que dos seis sem-terras mortos na Amazônia, cinco eram de Rondônia e que foram assassinados durante massacre realizado em 13 de agosto, pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Estado (PM-RO), no Acampamento Ademar Ferreira, na região de um distrito de Porto Velho, Nova Mutum. “Esse foi o único massacre registrado pela CPT, até o momento, em 2021. O conflito na região continua muito tenso”, informou.

Mapa da violência por conflitos no campo na Amazônia

Violência contra ocupação e posse na Amazônia Legal 2020
(jan-ago)
2021
(jan-ago)
Aumento (em%)% do total no Brasil
Contaminação por agrotóxicos1.9971.802reduziu 11%80% do total
Desmatamento ilegal19.44818.816reduziu 3%92% do total
Despejo judicial 40176490,52%56% do total
Destruição de casa6511.458123,96%73% do total
Destruição de pertences2.1094.13395,96%72% do total
Destruição de roçados7891.12041,95%44% do total
Expulsão354771262,85%70% do total
Grilagem 11.51725.302119,69%93% do total
Impedimento de acesso às áreas de uso coletivo313.45511.045%80% do total
Invasão51.37551.8090,84%91% do total
Pistolagem 3.7389.447157,48%78% do total
Fonte: Comissão Pastoral da Terra

Brasil afora

Ainda de acordo com a organização, em 2021, houve aumento de 3,55% no número de famílias envolvidas em conflitos por terra em todo o Brasil. Além disso, 418 territórios sofreram violência contra a ocupação e a posse:

  • Terras Indígenas (TIs): 28%;
  • Territórios Quilombolas: 23%;
  • Territórios de posseiros: 14%;
  • Sem-terras e outros: 13%

“A destruição de casa aumentou 94%, destruição de pertences 104%, expulsão 153%, grilagem 113%, pistolagem 118% e o impedimento de acesso às áreas de uso coletivo aumentou 1.057%. Todos esses dados, registrados entre janeiro e agosto deste ano, já ultrapassam os dados de todo o ano de 2020”, conclui a CPT. 

Já as categorias que mais causaram violência de norte a sul foram:

  • Fazendeiros: 23%;
  • Empresários: 18%;
  • Governo Federal: 14%;
  • Grileiros: 13%;
  • Garimpeiros: 6%

A Comissão Pastoral da Terra deve, ainda, publicar relatório final e atualizado sobre os dados relativos aos 12 meses de 2021.

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