Zé Miguel coloca Música Popular Amapaense como voz da resistência amazônica


Por: Lucas Wilson

19 de novembro de 2025
Zé Miguel coloca Música Popular Amapaense como voz da resistência amazônica
O cantor amapaense Zé Miguel (Reprodução/Redes Sociais)

SÃO PAULO (SP) – O cantor Zé Miguel, 63 anos, é uma figura central na Música Popular Amapaense (MPA) e um dos fundadores do influente Movimento Costa Norte. A MPA é uma corrente que enraíza-se no Batuque e no Marabaixo, sendo uma poderosa expressão de memória e resistência da negritude na Amazônia, elemento-chave para reinterpretar o espaço geográfico amapaense.

O artista começou a se interessar pela música na década de 70, período marcado pela Ditadura Militar (1964-1985) no Brasil. Ele iniciou sua trajetória usando a voz para manifestar o questionamento e a insatisfação com a situação do País, que ele considerava muito ruim.

O cantor descreve a MPA não apenas como um instrumento de valorização regional, mas como um arauto capaz de levantar críticas sociais e auxiliar na formação de cidadãos com consciência crítica. Canções como “Meu Endereço” e “Vida Boa” refletem a realidade, os sentimentos ribeirinhos e a diversidade cultural do povo amapaense.

O cantor amapaense Zé Miguel (Reprodução/Redes Sociais)

Em entrevista, Zé Miguel expressa se preocupa com a desvalorização e a falta de apoio institucional, questionando como a juventude encontrará essa herança musical no futuro sem a devida estrutura. Confira a entrevista em que destaca sua trajetória e a MPA como resistência a fim de garantir sua continuidade.

Como você iniciou sua trajetória na música e quais foram suas motivações iniciais, especialmente considerando o contexto histórico da época?

A música é um cenário de fantasia, um ambiente onde todo jovem se vê com a possibilidade de se tornar alguém diferenciado dentro de sua comunidade. E eu não era diferente. Eu queria muito ser notado pelas pessoas, e essa foi minha principal motivação. Descobri o lado maravilhoso da música que é a possibilidade de tocar o coração das pessoas através das emoções que a gente constrói, e que envolvem o contexto onde você vive. Eu comecei a me interessar pela música na década de 70, durante a Ditadura Militar. Era um cenário muito ruim, onde havia toque de recolher e os militares criavam histórias fantasiosas para coibir os que chamavam de “terroristas”, que na verdade eram universitários inconformados.

Os artistas Zé Miguel, Joãozinho Gomes, Amadeu Cavalcante, Val Milhomem e Osmar Jr em show no Amapá (Reprodução/Redes Sociais)

De que maneira a Ditadura Militar influenciou diretamente o tipo de composição que você produzia?

Eu cresci naquele cenário e comecei a compor nele. Se você for fazer um resgate e ouvir minhas primeiras músicas que estão gravadas, vira e mexe você vai perceber essa manifestação de questionamento. Eu não estava satisfeito com o que estava acontecendo e achava que não podia ficar calado, e a minha música era minha voz.

A Música Popular Amapaense é citada como um instrumento crucial na construção da identidade e do entendimento geográfico do Amapá. Essa conquista resulta de um esforço coletivo?

Sem dúvidas. O Movimento Costa Norte, que inclui parceiros como Osmar Júnior, Val Milhomem, Amadeu Cavalcante, e mais recente Joãozinho Gomes, nos consolidou como uma célula, como uma família. Nós nos defendemos, estamos sempre muito unidos. Além de cantar e tocar, esses profissionais partiram para a pesquisa da música na Amazônia brasileira e, dessa forma, conseguimos ajudar a criar uma identidade da música popular na região, principalmente no Amapá.

Você sendo um dos pilares do movimento, consegue enxergar algum problema na Música Popular Amapaense?

Eu não vejo problema na nossa música popular amapaense. Eu vejo essa música como uma solução, um arauto. Não só uma ferramenta de endeusamento por vivermos no meio do mundo, mas uma ferramenta de trazer e levantar as críticas sociais, de falar daquilo que não está certo. Eu vejo um problema de como essa música é tratada, principalmente pelo poder público. Até porque esse trabalho está dentro das escolas, ele está ajudando a formar pessoas, a formar cidadãos críticos.

Precisamos de consciência crítica para que possamos sair da mesmice e romper com os grilhões que nos aprisionam, porque nós continuamos escravos até hoje: escravos do mercado e das mentes distorcidas. A MPA cumpre o papel de gritar contra isso.

Qual é, na sua opinião, o maior problema ou desafio enfrentado pela MPA na atualidade, especialmente em relação à juventude e ao futuro?

Eu estou muito preocupado com o futuro, porque precisamos de atitudes e não dá para fazer isso sozinhos. Queremos estabelecer um processo de continuidade, o Val quer, o Amadeu quer, mas nós não temos grana, não temos estrutura, a gente não tem rádio, a gente não tem nada. Nós temos muito amor por essa terra e muita força de vontade, mas cabe ao poder público, ao governo do Estado, às prefeituras, senadores e deputados federais olharem e dizerem: “vamos fortalecer esses caras”. Se não houver apoio, estou muito preocupado com o futuro que essa juventude vai encontrar.

Editado por Jadson Lima

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