1º de abril: Dia da Verdade sobre a ditadura no Brasil

Em primeiro de abril de 1964, a democracia brasileira sofreu o seu mais profundo golpe. O País foi dragado para uma ditadura militar que durou 20 anos e deixou um legado nefasto de arbítrio, corrupção, mortes, torturas, precariedade dos serviços públicos e crise econômica. Parece não ser obra do acaso que o golpe militar tenha ocorrido no Dia da Mentira, assim definido no Brasil desde 1828, pois mesmo passados sessenta anos ainda existem pessoas crédulas de que o período ditatorial foi benéfico e deveria voltar. Aqui deixo minha contribuição para que o primeiro de abril passa a ser o Dia da Verdade sobre a ditadura.

Assim como nas guerras, a primeira vítima de um golpe militar é a verdade. Os militares justiçaram o golpe como uma defesa contra a instauração do comunismo no Brasil. O então presidente João Goulart defendia as chamadas Reformas de Base, medidas voltadas, principalmente, para às áreas educacional, fiscal e agrária. Essas reformas atingiam os interesses da elite agrária e do empresariado que apoiaram o golpe, e por isso criaram e divulgaram, com ajuda de vários veículos de comunicação, conspirações sobre a possibilidade do presidente implantar o socialismo no país em razão de sua suposta associação com a antiga União Soviética.

 No entanto, João Goulart jamais foi comunista ou socialista. Jango alinha-se a uma corrente política chamada de populismo, a mesma de Juscelino Kubitschek e de Getúlio Vargas, tendo sido ministro de Estado dos dois ex-presidentes. Suas ideias de justiça social e um olhar atento para as questões trabalhistas fizeram as alas mais conservadoras das Forças Armadas se voltarem contra o presidente. Logo, a deposição de um presidente democraticamente eleito nada tinha a ver com o comunismo, mas com o impacto das Reformas de Base sobre interesses empresariais inconfessáveis.

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 Os defensores do golpe e de um possível retorno dos militares ao poder apresentam como uma das principais justificativas a falsa assertiva de que não havia corrupção durante a ditadura. A realidade aponta o contrário, o regime autoritário, na verdade, cria as condições ideais para que a corrupção aconteça e não seja punida. Sem nenhum tipo de fiscalização por tribunais de contas, conselhos ou mesmo do Congresso Nacional, que havia sido dissolvido, as contas públicas sequer eram analisadas. Neste cenário, ocorreram superfaturamentos, desvio de verbas, desvios de função, abusos de autoridade, tráficos de influências e outras ilicitudes sob o manto da censura prévia.

A Ditadura no Brasil teve uma face muito violenta, mas seus adeptos insistem em dizer que somente “terroristas” e “vagabundos” morreram nas mãos dos militares. Trata-se de outra mentira. Todos que faziam o enfrentamento ao regime autoritário, não importando se faziam luta armada ou não, eram considerados subversivos e perseguidos. Entre os que não adotavam a luta armada e que protestavam pacificamente, estavam estudantes, professores, jornalistas, sindicalistas, indígenas e membros de organizações que se mobilizavam contra as arbitrariedades. Portanto, entre os mortos e desaparecidos nos porões da ditadura estavam pessoas tinham uma vida profissional, acadêmica e família.

Essas vítimas acreditavam na causa da democracia, escolheram lutar por ela e foram assassinadas pelo Estado por isso. E não apenas os que protestavam, seus familiares, vizinhos e trabalhadores comuns também foram perseguidos e assassinados pelos militares. Em alguns casos, até mesmo crianças, filhas de presos políticos, foram sequestradas, presas e torturadas junto aos pais por serem consideradas “subversivas” e “perigosas à Segurança Nacional”.

Ainda no rastro de violência deixado pela ditadura, temos as centenas pessoas torturadas que o regime afirmava ser “apenas” casos isolados frutos de excessos cometidos por “alguns” militares.  As pessoas consideradas subversivas, quando capturadas, passavam por sessões de tortura para que delatassem colegas e revelassem informações que ajudassem o regime a sufocar a resistência ao regime ditatorial. Documentos datados de 1974 e liberados pelo Departamento de Estado dos EUA, revelam que a tortura não era exceção ou algo feito à revelia do governo, mas uma política de Estado autorizada pelo então ditador Ernesto Geisel e executada a época pelo chefe do SNI, João Batista Figueiredo.

Um dos casos emblemáticos onde a justiça reconheceu formalmente em sentença a existência da tortura no regime militar é o do jornalista Wladimir Herzog. Ele trabalhava na TV Cultura de São Paulo e morreu, em 1975, sob custódia do regime militar brasileiro após sair de casa para prestar um depoimento no DOI-Codi. Os militares apresentaram uma versão de suicídio, mas evidências posteriores apontaram para tortura e assassinato pelo Estado. Herzog tornou-se um símbolo da luta contra uma repressão e pela liberdade de expressão durante a ditadura militar no Brasil.

Se não bastassem a corrupção, as mentiras e a violência extrema, o regime militar também fracassou na prestação de serviços básicos nas áreas de educação e saúde. A Constituição de 1967, feita em plena ditadura, acabou com a obrigação do Estado de investir um valor mínimo em gastos sociais, o que reduziu em 6,2% as verbas para a educação e em 3,31% o dinheiro para a saúde. É bom lembrar que não existiam tanto o SUS quanto os planos de saúde particulares. O resultado foi a ampliação da precariedade do sistema educacional e só tinha acesso à assistência médica quem tinha carteira assinada pelo Inamps, os demais eram tratados como indigentes.

O chamado “Milagre Econômico” da Ditadura também não se sustenta. Entre os anos de 1968 e 1973, houve um aumento do PIB brasileiro, mas não vem à tona juntamente com esse número que os grandes beneficiários foram os empresários às custas dos salários dos trabalhadores e de empréstimos tomados pelo governo no exterior. O regime militar implementou leis que proibiam greves e sindicados e movimento sociais sofriam grande repressão para que a política econômica não fosse contestada. Como legado, o chamado “Milagre Econômico” distribuiu os ganhos de forma desigual, aumentou a concentração de renda e a desigualdade no Brasil a níveis nunca vistos antes.

Durante a ditadura militar no Brasil, a censura desempenhou um papel crucial na obstrução do acesso à verdade e na perpetuação da desinformação. Controlada pelo governo, a censura restringia severamente a liberdade de imprensa, proibindo a divulgação de informações consideradas contrárias aos interesses do regime. Jornais, revistas, programas de televisão e rádio eram sujeitos à intervenção dos censores, que podiam vetar reportagens, entrevistas e até mesmo textos literários e artísticos.

Além disso, a censura prévia impediu a divulgação de casos de corrupção, violações dos direitos humanos e outras mazelas do regime, criando uma falsa percepção de estabilidade e ordem. Aqueles que desafiavam essa censura enfrentavam represálias severas, incluindo prisões arbitrárias, tortura e até mesmo morte. Assim, a censura não apenas ocultou as atrocidades cometidas durante a ditadura, mas também contribuiu para a perpetuação do regime autoritário e para a manutenção do poder nas mãos dos militares.

Diante dos fatos, o primeiro de abril não é apenas o Dia da Mentira, mas também um lembrete sombrio da tragédia que se abateu sobre a democracia brasileira em 1964. A ditadura militar que se seguiu deixou um rastro de opressão, corrupção e violência, distorcendo a verdade e sacrificando vidas em nome de interesses escusos. A narrativa de que o regime ditatorial foi benéfico é desmascarada pela realidade: corrupção generalizada, perseguição de opositores políticos e negligência com serviços públicos básicos. Enquanto alguns tentam reviver essa era sombria, é fundamental reconhecer e celebrar o Dia da Verdade sobre a ditadura, honrando a memória daqueles que lutaram pela democracia e reafirmando nosso compromisso com um futuro baseado na justiça, transparência e respeito aos direitos humanos. Democracia sempre!

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(*)Allan Soljenítsin Barreto Rodrigues – jornalistas, escritor, professor do Curso de Jornalismo da UFAM, mestre e doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia e líder do Grupo de Pesquis em Comunicação, Cultura e Amazônia (Trokano).

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