‘Agenda medieval’ e ‘retrógrada’: o que esperar da bancada evangélica em 2024?
05 de janeiro de 2024
Bíblia Sagrada aberta, bancada evangélica acima da obra e membro dessa bancada de braços erguidos em um fundo que retrata o Congresso Nacional e uma sala medieval (Arte: Paulo Dutra/Revista Cenarium Amazônia)
Adrisa De Góes – Da Revista Cenarium Amazônia
MANAUS (AM) – A Frente Parlamentar Evangélica (FPE), uma das principais bancadas temáticas do Congresso Nacional, vai ter, no primeiro semestre de 2024, o desafio de aprovar as chamadas “pautas de costumes”, como os Projetos de Lei (PLs) do Estatuto do Nascituro e da proibição do casamento de pessoas do mesmo sexo.
Em pauta desde 2007, a proposta que trata da proteção integral do nascituro, ou seja, do ser humano em formação e que ainda não nasceu, prevê a revogação de casos de aborto amparados pela legislação brasileira. Na prática, a mudança na lei resultaria na criminalização do aborto em toda e qualquer situação.
Há três possibilidades em que o aborto é permitido no País, são eles: em caso de gravidez decorrente de estupro; em caso de feto anencéfalo (sem cérebro); e em caso de risco de morte da mãe. Em outros casos, a interrupção induzida da gravidez é considerada crime contra a vida humana, previsto pelo Código Penal Brasileiro desde 1984.
Membros da bancada evangélica no Congresso Nacional (Reprodução/Redes Sociais)
Movimentos sociais que lutam pelos direitos das mulheres relacionam a resistência à flexibilização dos direitos reprodutivos femininos à influência religiosa, sobretudo, a de prática cristã, uma vez que, para esses grupos, a crença de que a vida tem início desde a concepção tem origem nas vertentes dessa doutrina.
Atualmente, cerca de 190 deputados federais e senadores integram o grupo, que vão desde as siglas de direita, como o Partido Liberal (PL), às legendas de esquerda, como o Partido dos Trabalhadores (PT). A formação dessa bancada é composta não somente por evangélicos, como também por parlamentares alinhados a temas ligados à religião.
Em agosto, o deputado federal Silas Câmara (Republicanos) assumiu a presidência rotativa da FPE. Durante a gestão, a bancada se aproximou do Governo Lula, mas não ‘abriu mão’ de pautas-chave para o grupo.
Neste primeiro semestre de 2024, o deputado Eli Borges (PL-TO) retomou a presidência do grupo. Ligado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Elis se diferencia de Silas, que tem perfil mais negociador. À REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA, o deputado amazonense evitou comentar a postura política e econômica da bancada que presidiu.
“Me sinto à vontade para tudo. Só tenho a disciplina e o cuidado de não falar por quem fará a liderança no primeiro semestre de 2024. Não é correto. E na FPE temos esse bom hábito de não atropelar quem está liderando. Quando estou [presidente da bancada], falo, quando não, não falo”, respondeu Silas Câmara.
Na seara econômica, a bancada defende pautas neoliberais como, por exemplo, a privatização de ativos públicos e um Estado mínimo. Essa postura econômica impacta, fortemente, fiéis evangélicos de baixa renda e periféricos, maioria do público das igrejas neopentecostais que dependem de serviços públicos como saúde e educação.
Casamento homoafetivo
O Projeto de Lei (PL) que estabelece que nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento ou à entidade familiar foi aprovado em 10 de outubro de 2023, no País, na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados, após ter votação adiada por duas vezes.
Para se tornar lei, a proposta precisa passar pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) e pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do parlamento e, ainda, por análise no plenário do Senado. O deputado federal pastor Eurico (PL-PE) é o relator do projeto que estava há, pelo menos, 15 anos engavetado na Casa.
Congresso iluminado com as cores LGBTQIAPN+ (Elaine Menke/Câmara dos Deputados)
“A relação homossexual não proporciona à sociedade a eficácia especial da procriação, que justifica a regulamentação na forma de casamento e a sua consequente proteção especial pelo Estado”, disse o relator após aprovação da comissão ano passado. “Tentar estender o regime de casamento aos homossexuais é uma tentativa vã de mudar a realidade por meio de leis”, acrescentou o parlamentar.
Além de acabar com o casamento homoafetivo no Brasil, o PL também visa proibir a adoção de crianças por casais da mesma orientação sexual. Se aprovada, a propositura iria contrapor a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2011, que equiparou, de forma unânime, as uniões estáveis das relações homoafetivas a casamento entre homens e mulheres.
‘Agenda medieval’
A professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e doutora em Ciências Sociais, Marilene Corrêa, classifica a atuação da bancada evangélica no parlamento brasileiro como “reacionária”, pautada em uma “agenda medieval” e “antimoderna”. A especialista observa, ainda, que pautas que dão ênfase à moral e aos costumes conservadores são contrárias aos direitos das minorias.
“Fica evidente nessa agenda, que eu diria uma agenda antimoderna, uma agenda quase medieval, do ponto de vista da compreensão bíblica; é a discriminação que a bancada evangélica faz, ou alguns de seus representantes mais radicais expressam, é a discriminação a homossexuais, se opondo a casamentos homoafetivos. (…) A família, para eles [evangélicos], é considerada apenas homem e mulher”, ressalta a doutora em Ciências Sociais.
Conforme o site Politize, o conservadorismo como ideologia moral e política defende a manutenção do status quo, isto é, manter o panorama social e moral como está. O conservadorismo que se desenvolveu no ocidente entende que há uma ordem moral duradoura transcendente. No caso, essa ordem é baseada na doutrina judaico-cristã.
A professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Marilene Corrêa (Reprodução/Internet)
A professora da Ufam define, ainda, o perfil da bancada evangélica como expressivo no Congresso Nacional, devido ao desempenho de 20% dos 30% de meta de eleitos no último pleito. “De um modo geral, ela tem um perfil conservador do ponto de vista da direita econômica, mas ela é reacionária e retrógrada, ou seja, é ultradireita quando se trata de comportamento moral”, complementa.
Habilidade de aproximação
O antropólogo Alvatir Carolino observa uma movimentação de setores políticos neopentecostais se aproximando do Governo Lula e ressalta a habilidade da bancada evangélica em se relacionar com governos dos mais diferentes espectros políticos, da esquerda à direita, e cita como exemplo a relação do grupo religioso na gestão petista nos primeiros mandatos e, posteriormente, com Dilma Rousseff.
“Não se pode perder de vista que as estruturas das igrejas pentecostais estão muito para além da igreja em si. Eles são muito bem organizados, politicamente, e também nas estruturas empresariais, nos mais diversos segmentos da economia. Um deles é a educação. Sempre tem uma articulação com uma escola de ensino fundamental e médio, Adventista, escola presbiteriana e assim por diante”, destaca Carolino.
O antropólogo ressalta, ainda, que, no atual governo, segmentos evangélicos dão sinais que já abandonaram o discurso anterior, ou seja, do Governo Bolsonaro e, agora, estão se alinhando com o governo atual. “No campo teórico político, eles são liberais, eu diria neoliberais na questão política, e conservadores na questão das moralidades”, observa.
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