‘Aprendi com o TikTok’: até que ponto pais de crianças com autismo devem se guiar por influenciadores digitais
07 de março de 2022
Para especialistas, é indiscutível a importância das redes sociais, mas as pessoas precisam escolher melhor quem seguir (Reprodução)
Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium
MANAUS — Assim como uma ‘faca de dois gumes’ — expressão popular que indica a existência de boas e más consequências em simultâneo — a influência das redes sociais na vida das pessoas tem benefícios e malefícios, segundo avaliação de especialistas. Em meio às dificuldades encontradas na garantia de atendimento aos sistemas de saúde público e privado, a internet tem sido usada como ponte de ensino e aprendizagem, principalmente, para pais ou responsáveis que buscam esclarecer dúvidas com influenciadores digitais sobre determinadas doenças ou transtornos, como o autismo. Mas até que ponto essas ferramentas devem ser vistas como principal guia?
A manicure Kamila Assunção de Aquino, mãe do pequeno Aaron Cassiel de Aquino Badran, de 7 anos, conta que está há quase três anos em busca de uma consulta para o filho no Sistema Único de Saúde (SUS), pois ela e o marido, Bill Catarini Badran, acreditam que o menino tem autismo leve. A burocracia para conseguir acesso ao serviço na plataforma do governo federal, a alta quantidade de pessoas na fila de espera, além da chegada da pandemia da Covid-19, têm sido empecilhos no caminho da família que ainda não tem o diagnóstico final sobre o autismo da criança.
À REVISTA CENARIUM, Kamila contou que teve os primeiros indícios de que o filho pode ter autismo após uma consulta a uma pediatra, quando ele tinha 3 anos. À época, a pediatra sugeriu que a manicure levasse Aaron a um psiquiatra para ele ser diagnosticado. A família, no entanto, ainda aguarda na lista de espera do SUS, pois não pode pagar uma consulta particular.
“Nós resolvemos correr atrás de atendimento quando ele estava com 4 ou 5 anos, mas foi difícil, pois tinha que entrar todos os dias no site [do SUS] para saber se as consultas foram marcadas. Se passaram meses e perdemos o código das consultas, então tivemos dificuldade com passar dos tempos, quando chegou a pandemia”, lembrou.
Kamila e Bill são pais do pequeno Aaron Cassiel, de 7 anos (Arquivo Pessoal/Reprodução)
Em 2021, ela e o marido resolveram voltar todas as atenções para conseguir atendimento para o filho. “Pelo SUS é bem difícil. Tentamos as consultas, pois o atendimento é muito precário e ficamos a mercê disso. Mas não desistimos, porque é um direito nosso termos atendimentos adequados, apesar de demora”, declarou a mãe de Aaron.
Atualmente, o menino tem apenas atendimento com fonoaudiólogo, visto que foi o que a família conseguiu. A criança, contudo, precisa de consulta psicológica e fisioterápica. “Estamos correndo atrás para ele conseguir se desenvolver e ser uma criança melhor”, disse Kamila.
Auxílio das redes sociais
Enquanto Kamila e Bill não conseguem atendimento para o filho, a alternativa é a procura de pais de crianças com autismo ou especialistas que falem sobre o transtorno nas plataformas de redes sociais. Junto com o marido, a manicure tem aprendido sobre o mundo de Aaron por meio do aplicativo TikTok, uma ferramenta na internet para criar e compartilhar vídeos curtos.
“As redes sociais são um meio de comunicação fantástico, mas você tem que saber usá-la a seu favor. Então, eu comecei a ver mães que passam pelas mesmas situações e elas falam do dia a dia delas e de como lidam com isso. Também vejo psicólogas e fonoaudiólogas dando dicas de como ajudar a nossa criança se desenvolver melhor”, contou Kamila.
A manicure realça que, no TikTok, as pessoas dão dicas de como agir com um autista como, por exemplo, explicando como conversar com a criança para que elas entendam e aprendam a comunicação com mais facilidade.
“Temos que conversar com eles normalmente sem precisar falar as palavras no diminutivo, para que entendam e aprendam a palavra correta. Também tenho que deixá-lo chorar nos momentos de frustrações, para que entendam que, mesmo triste ou chateados, estamos ali perto deles. E aos poucos vou aprendendo cada vez mais em como lidar com meu filho e como agir com ele em cada momento ou situação”, expôs Kamila.
As redes sociais
Ferramenta de transformação social, as redes de interações online precisam ser filtradas, segundo especialistas. Para o psicólogo e neuropsicólogo Rockson Pessoa, especialista em Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), as redes sociais e mídias da internet permitem o esclarecimento sobre inúmeros assuntos e, no que diz respeito aos Transtornos do Neurodesenvolvimento (TN), como o TEA, é indiscutível a importância. Segundo ele, no entanto, a questão é escolher o influenciador digitalque fala sobre o assunto.
“A questão é escolher o influenciador. Na atualidade, observamos que muitos especialistas têm utilizado essas mídias para garantir esclarecimentos. Nesse sentido, o importante é saber escolher a fonte de informação. Em tempos de fake news é sempre prudente ouvir cientistas. Infelizmente, muitos curiosos buscam abordar o tema por conta de suas vivências ou achismos. Nessas situações, a desinformação, manutenção de estigmas e preconceito podem ser produtos bem prejudiciais, tanto para família quanto para a criança ou adolescente”, comentou o especialista.
Para psicólogo Rockson Pessoa, é indiscutível a importância das redes sociais, mas as pessoas precisam escolher melhor quem seguir (Arquivo Pessoal/Reprodução)
Segundo Rockson Pessoa, o TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento, ou seja, o indivíduo nasce com a condição por conta de fatores genéticos e ambientais. O ‘espectro’ ou característica comum da condição é a dificuldade em estabelecer interação social, explica o psicólogo. Para Pessoa, não é possível identificar se a criança tem autismo por meio das redes sociais, mas os pais ou responsáveis podem perceber indícios, ou traços suspeitos do autismo e garantir que um especialista realize o diagnóstico.
“Podemos perceber indícios e traços suspeitos e garantir que um especialista realize o diagnóstico. Outras questões de saúde na infância podem se manifestar de maneira semelhante como, por exemplo, tumores cerebrais em áreas do córtex pré-frontal de crianças podem garantir comportamentos autísticos. Nesse sentido, uma vez que você tenha suspeitas sobre o desenvolvimento de seu filho ou familiar, o correto é buscar os especialistas”, ponderou.
Clínico
A psicóloga e neuropsicóloga Célia Braga, especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional e terapeuta do comportamento e aprendizagem de Pessoas com Necessidades Especiais (PNEs), também afirma não ser possível identificar se a criança tem autismo somente usando as redes sociais, pois o diagnóstico do autismo é essencialmente clínico, realizado por meio de observação direta do comportamento do paciente e de uma entrevista com os pais ou cuidadores.
“Os sintomas característicos dos Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) estão sempre presentes antes dos 3 anos de idade, com um diagnóstico possível por volta de 1 ano e 6 meses. É comum que os pais comecem a se preocupar entre 1 ano e 1 ano e 6 meses. Isso ocorre na medida em que a linguagem não se desenvolve”, reforçou a especialista.
Psicóloga Célia Braga afirma que o diagnóstico final sobre o autismo precisa ser validado por um psiquiatra ou um neurologista (Arquivo Pessoal/Reprodução)
Célia Braga incrementa ainda que um diagnóstico final sobre o autismo, no entanto, precisa ser validado por um psiquiatra ou um neurologista. Para ela, apesar das mídias sociais apresentarem bastante informação sobre o transtorno, há pouco conhecimento especializado.
“Quanto as mídias sociais: hoje se tem muita informação e pouco conhecimento, deve-se primeiramente buscar por ajuda qualificada, profissionais habilitados, e que atuem na área específica, principalmente em relação ao público PCD (pacientes com deficiência)”.
O autismo
De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5ª edição ou DSM-5, o Transtorno do Espectro do Autismo pode se manifestar em três níveis: no nível leve (grau 1), a criança necessita de pouco suporte, ela pode ter dificuldade para se comunicar, mas não a limita para interações com outras pessoas.
No nível moderado (grau 2), segundo o manual, as crianças já necessitam de maior suporte de seus cuidadores, necessitando intervenção nas habilidades sociais, mas tem menor intensidade com relação ao grau 3, o nível severo. Neste último grau, as crianças necessitam de maior dependência dos pais e apresentam quadro mais crítico.
“As principais características seriam: (a) comportamentos estereotipados e maneirismos; (b) dificuldade em estabelecer interação social e (c) repertório pobre de interesses. O TEA pode se manifestar em diferentes níveis de gravidade, indo do leve, passando pelo moderado e chegando até a expressão grave. Os níveis dão conta de explicar a dificuldade de estabelecer interação com as demais pessoas. Por exemplo, um indivíduo com TEA leve pode ser lógico demais e não entender ironia e sarcasmo, enquanto que um indivíduo de expressão mais grave, pode não desenvolver a habilidade de fala”, salientou o psicólogo Rockson Pessoa.
Os sintomas do TEA são parecidos com os do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). A dificuldade de concentração, impulsividade e dificuldade de se comunicar estão presentes nas duas condições. Por conta disso, é possível que as pessoas confundam as duas deficiências. No entanto, segundo Rockson Pessoa, os transtornos têm diferenças.
“O TDAH e TEA possuem muitas similaridades. Ambos os indivíduos podem ter impulsividade e hiperatividade e, em alguns casos, crianças e adolescentes com TEA podem ter um quadro de TDAH comórbido, ou seja, podem apresentar TEA e TDAH ao mesmo tempo. Quais as diferenças? O TDAH não possui significativo prejuízo na interação social. Na maior parte dos casos não há atraso de linguagem (sintoma comum do TEA). O TDAH se manifesta pelos prejuízos: desatenção, hiperatividade e impulsividade, mas não observamos dificuldades em se reconhecer no mundo social”, concluiu.
Este site usa cookies para que possamos oferecer a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.
Cookies Estritamente Necessários
O cookie estritamente necessário deve estar ativado o tempo todo para que possamos salvar suas preferências de configuração de cookies.
Se você desativar este cookie, não poderemos salvar suas preferências. Isso significa que toda vez que você visitar este site, precisará habilitar ou desabilitar os cookies novamente.