‘Aprendi com o TikTok’: até que ponto pais de crianças com autismo devem se guiar por influenciadores digitais

Para especialistas, é indiscutível a importância das redes sociais, mas as pessoas precisam escolher melhor quem seguir (Reprodução)

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS — Assim como uma ‘faca de dois gumes’ — expressão popular que indica a existência de boas e más consequências em simultâneo — a influência das redes sociais na vida das pessoas tem benefícios e malefícios, segundo avaliação de especialistas. Em meio às dificuldades encontradas na garantia de atendimento aos sistemas de saúde público e privado, a internet tem sido usada como ponte de ensino e aprendizagem, principalmente, para pais ou responsáveis que buscam esclarecer dúvidas com influenciadores digitais sobre determinadas doenças ou transtornos, como o autismo. Mas até que ponto essas ferramentas devem ser vistas como principal guia?

A manicure Kamila Assunção de Aquino, mãe do pequeno Aaron Cassiel de Aquino Badran, de 7 anos, conta que está há quase três anos em busca de uma consulta para o filho no Sistema Único de Saúde (SUS), pois ela e o marido, Bill Catarini Badran, acreditam que o menino tem autismo leve. A burocracia para conseguir acesso ao serviço na plataforma do governo federal, a alta quantidade de pessoas na fila de espera, além da chegada da pandemia da Covid-19, têm sido empecilhos no caminho da família que ainda não tem o diagnóstico final sobre o autismo da criança.

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À REVISTA CENARIUM, Kamila contou que teve os primeiros indícios de que o filho pode ter autismo após uma consulta a uma pediatra, quando ele tinha 3 anos. À época, a pediatra sugeriu que a manicure levasse Aaron a um psiquiatra para ele ser diagnosticado. A família, no entanto, ainda aguarda na lista de espera do SUS, pois não pode pagar uma consulta particular.

“Nós resolvemos correr atrás de atendimento quando ele estava com 4 ou 5 anos, mas foi difícil, pois tinha que entrar todos os dias no site [do SUS] para saber se as consultas foram marcadas. Se passaram meses e perdemos o código das consultas, então tivemos dificuldade com passar dos tempos, quando chegou a pandemia”, lembrou.

Kamila e Bill são pais do pequeno Aaron Cassiel, de 7 anos (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Em 2021, ela e o marido resolveram voltar todas as atenções para conseguir atendimento para o filho. “Pelo SUS é bem difícil. Tentamos as consultas, pois o atendimento é muito precário e ficamos a mercê disso. Mas não desistimos, porque é um direito nosso termos atendimentos adequados, apesar de demora”, declarou a mãe de Aaron.

Atualmente, o menino tem apenas atendimento com fonoaudiólogo, visto que foi o que a família conseguiu. A criança, contudo, precisa de consulta psicológica e fisioterápica. “Estamos correndo atrás para ele conseguir se desenvolver e ser uma criança melhor”, disse Kamila.

Auxílio das redes sociais

Enquanto Kamila e Bill não conseguem atendimento para o filho, a alternativa é a procura de pais de crianças com autismo ou especialistas que falem sobre o transtorno nas plataformas de redes sociais. Junto com o marido, a manicure tem aprendido sobre o mundo de Aaron por meio do aplicativo TikTok, uma ferramenta na internet para criar e compartilhar vídeos curtos.

“As redes sociais são um meio de comunicação fantástico, mas você tem que saber usá-la a seu favor.
Então, eu comecei a ver mães que passam pelas mesmas situações e elas falam do dia a dia delas e de como lidam com isso. Também vejo psicólogas e fonoaudiólogas dando dicas de como ajudar a nossa criança se desenvolver melhor”, contou Kamila.

A manicure realça que, no TikTok, as pessoas dão dicas de como agir com um autista como, por exemplo, explicando como conversar com a criança para que elas entendam e aprendam a comunicação com mais facilidade.

“Temos que conversar com eles normalmente sem precisar falar as palavras no diminutivo, para que entendam e aprendam a palavra correta. Também tenho que deixá-lo chorar nos momentos de frustrações, para que entendam que, mesmo triste ou chateados, estamos ali perto deles. E aos poucos vou aprendendo cada vez mais em como lidar com meu filho e como agir com ele em cada momento ou situação”, expôs Kamila.

As redes sociais

Ferramenta de transformação social, as redes de interações online precisam ser filtradas, segundo especialistas. Para o psicólogo e neuropsicólogo Rockson Pessoa, especialista em Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), as redes sociais e mídias da internet permitem o esclarecimento sobre inúmeros assuntos e, no que diz respeito aos Transtornos do Neurodesenvolvimento (TN), como o TEA, é indiscutível a importância. Segundo ele, no entanto, a questão é escolher o influenciador digital que fala sobre o assunto.

“A questão é escolher o influenciador. Na atualidade, observamos que muitos especialistas têm utilizado essas mídias para garantir esclarecimentos. Nesse sentido, o importante é saber escolher a fonte de informação. Em tempos de fake news é sempre prudente ouvir cientistas. Infelizmente, muitos curiosos buscam abordar o tema por conta de suas vivências ou achismos. Nessas situações, a desinformação, manutenção de estigmas e preconceito podem ser produtos bem prejudiciais, tanto para família quanto para a criança ou adolescente”, comentou o especialista.

Para psicólogo Rockson Pessoa, é indiscutível a importância das redes sociais, mas as pessoas precisam escolher melhor quem seguir (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Segundo Rockson Pessoa, o TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento, ou seja, o indivíduo nasce com a condição por conta de fatores genéticos e ambientais. O ‘espectro’ ou característica comum da condição é a dificuldade em estabelecer interação social, explica o psicólogo. Para Pessoa, não é possível identificar se a criança tem autismo por meio das redes sociais, mas os pais ou responsáveis podem perceber indícios, ou traços suspeitos do autismo e garantir que um especialista realize o diagnóstico.

“Podemos perceber indícios e traços suspeitos e garantir que um especialista realize o diagnóstico. Outras questões de saúde na infância podem se manifestar de maneira semelhante como, por exemplo, tumores cerebrais em áreas do córtex pré-frontal de crianças podem garantir comportamentos autísticos. Nesse sentido, uma vez que você tenha suspeitas sobre o desenvolvimento de seu filho ou familiar, o correto é buscar os especialistas”, ponderou.

Clínico

A psicóloga e neuropsicóloga Célia Braga, especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional e terapeuta do comportamento e aprendizagem de Pessoas com Necessidades Especiais (PNEs), também afirma não ser possível identificar se a criança tem autismo somente usando as redes sociais, pois o diagnóstico do autismo é essencialmente clínico, realizado por meio de observação direta do comportamento do paciente e de uma entrevista com os pais ou cuidadores.

“Os sintomas característicos dos Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) estão sempre presentes antes dos 3 anos de idade, com um diagnóstico possível por volta de 1 ano e 6 meses. É comum que os pais comecem a se preocupar entre 1 ano e 1 ano e 6 meses. Isso ocorre na medida em que a linguagem não se desenvolve”, reforçou a especialista.

Psicóloga Célia Braga afirma que o diagnóstico final sobre o autismo precisa ser validado por um psiquiatra ou um neurologista (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Célia Braga incrementa ainda que um diagnóstico final sobre o autismo, no entanto, precisa ser validado por um psiquiatra ou um neurologista. Para ela, apesar das mídias sociais apresentarem bastante informação sobre o transtorno, há pouco conhecimento especializado.

“Quanto as mídias sociais: hoje se tem muita informação e pouco conhecimento, deve-se primeiramente buscar por ajuda qualificada, profissionais habilitados, e que atuem na área específica, principalmente em relação ao público PCD (pacientes com deficiência)”.

O autismo

De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5ª edição ou DSM-5, o Transtorno do Espectro do Autismo pode se manifestar em três níveis: no nível leve (grau 1), a criança necessita de pouco suporte, ela pode ter dificuldade para se comunicar, mas não a limita para interações com outras pessoas.

No nível moderado (grau 2), segundo o manual, as crianças já necessitam de maior suporte de seus cuidadores, necessitando intervenção nas habilidades sociais, mas tem menor intensidade com relação ao grau 3, o nível severo. Neste último grau, as crianças necessitam de maior dependência dos pais e apresentam quadro mais crítico.

“As principais características seriam: (a) comportamentos estereotipados e maneirismos; (b) dificuldade em estabelecer interação social e (c) repertório pobre de interesses. O TEA pode se manifestar em diferentes níveis de gravidade, indo do leve, passando pelo moderado e chegando até a expressão grave. Os níveis dão conta de explicar a dificuldade de estabelecer interação com as demais pessoas. Por exemplo, um indivíduo com TEA leve pode ser lógico demais e não entender ironia e sarcasmo, enquanto que um indivíduo de expressão mais grave, pode não desenvolver a habilidade de fala”, salientou o psicólogo Rockson Pessoa.

Os sintomas do TEA são parecidos com os do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). A dificuldade de concentração, impulsividade e dificuldade de se comunicar estão presentes nas duas condições. Por conta disso, é possível que as pessoas confundam as duas deficiências. No entanto, segundo Rockson Pessoa, os transtornos têm diferenças.

“O TDAH e TEA possuem muitas similaridades. Ambos os indivíduos podem ter impulsividade e hiperatividade e, em alguns casos, crianças e adolescentes com TEA podem ter um quadro de TDAH comórbido, ou seja, podem apresentar TEA e TDAH ao mesmo tempo. Quais as diferenças? O TDAH não possui significativo prejuízo na interação social. Na maior parte dos casos não há atraso de linguagem (sintoma comum do TEA). O TDAH se manifesta pelos prejuízos: desatenção, hiperatividade e impulsividade, mas não observamos dificuldades em se reconhecer no mundo social”, concluiu.

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