Autores indígenas do AM participam de exposição dos povos originários em SP
03 de outubro de 2023
Tiago Hakiy, Yaguarê Yamã e Jaime Diakara. (Arquivo pessoal)
Alessandra Leite – Da Revista Cenarium Amazônia
SÃO PAULO (SP) – O Sesc Ipiranga, na Zona Sul da cidade de São Paulo recebe, até o dia 17 de março de 2024, a exposição “Araetá – A Literatura dos Povos Originários”, que apresenta ao público um recorte da produção literária de autoria indígena por meio de publicações de escritores e escritoras que representam mais de 50 povos originários. Autores indígenas do Amazonas estão entre os expositores.
Biblioteca Araetá. (Mayara Maluceli)
Além dos livros, a mostra reúne ilustrações, fotografias, artesanias e objetos artísticos, bem como apresenta mais de 334 títulos, publicados por 105 editoras do País. O escritor amazonense, poeta e contador de histórias tradicionais indígenas, Tiago Hakiy, também autor de 15 livros, sobre a exposição, fala sobre a importância de valorizar as obras dos povos indígenas.
“Acredito que exposições como essa devem e precisam ser continuadas em vários outros lugares desse nosso Brasil, de modo que o Brasil possa realmente se conhecer, dentro dessa plenitude que representa os povos originários”, ressalta Hakiy.
Para o autor, trata-se de uma grande oportunidade de mostrar as produções feitas a partir do olhar de quem está dentro da aldeia, de quem carrega a ancestralidade e não apenas pela perspectiva exterior de quem pesquisa.
O escritor amazonense Tiago Hakiy é poeta, contador de histórias tradicionais indígenas e autor de 15 livros. (Arquivo pessoal)
“Que bom essa chance de não sermos coadjuvantes, mas sim promotores máximos das nossas atividades culturais, da nossa literatura, disseminando de dentro da aldeia o que carregamos da nossa ancestralidade. Se não fizermos isso, o apagamento cultural vai continuar acontecendo”, enfatiza.
Hakiy afirma, ainda, que a exposição tirar da invisibilidade o que está se produzindo por vários escritores indígenas e artistas de um modo geral. “É uma canoa que chega e dentro dela traz muitos remadores, pintores, escritores, músicos que trabalham para que a cultura e a tradição de seus determinados povos não sejam esquecidas”, diz, poetizando o que representa esta visibilidade.
“Uma canoa singrando os rios, enfrentando o dia, mirando o alto, colhendo os frutos do mundo. Dentro dela, transporta muitos remadores: pintores, escritores, músicos. Todos esses semeadores da cultura indígena, para que a tradição de seus povos não seja jamais esquecida“, acrescenta ele.
Espaço Amazônia. (Mayara Maluceli)
Ancestralidade
Considerada uma experiência singular, a exposição Araetá traz uma interação com as escritas, oralidades, cosmovisões, pertencimentos étnicos, ancestralidades, geografias e temáticas de diversidade manifestadas por escritores e escritoras.
“Eles propiciam um rico diálogo intercultural. Ara e etá são termos da língua Tupi. Ara é o dia, o que está no alto, o fruto, o mundo. Etá é o plural dessa língua. Araetá, assim, nos remete aos frutos, aos dias, aos mundos da literatura dos povos originários”, explica o curador Ademario Ribeiro Payayá.
Para ele, os caminhos percorríveis através das histórias criadas por 114 autores, se equiparam a uma espécie de “Caminho de Peabiru”, antiga rota que conectava diferentes povos indígenas do continente Sul-americano. “Araetá traça um percurso que abrange a diversidade étnica, geográfica e temática de escritoras e escritores indígenas. Nas bordas desse percurso há o convite para um diálogo intercultural”, reitera.
Registros da tradição
Outro autor amazonense em evidência na exposição Araetá, Jaime Diakara, escritor do povo Desana, observa a importância da literatura, seu sentido e significado na linguagem literária indígena. Para ele, a presença dos livros escritos por autores indígenas em exposições e feiras é uma grande oportunidade de trazer para a sociedade, por meio de obras escritas, o que antes só existia na oralidade.
“Quando eu vivia na minha aldeia, no Igarapé Cucura, tive contato com ancestrais para ouvir de perto e memorizar os contos contados oralmente. Comecei a ouvir desde criança os contos infantis e na vida adulta passei a ouvir os contos mitológicos relacionados às conexões cosmológicas. Isso hoje tornou-se uma grande literatura indígena, que vem mais nessa linha teórica do que o ouvir e o ler”, enfatiza.
O escritor da etnia Desana, Jaime Diakara. (Arquivo pessoal)
Para Diakara, é uma forma de valorizar os autores indígenas, colocando-os nas mesas de debate, para que essas memórias ancestrais, cujas histórias só os anciões conheciam, venham à superfície e enriqueçam o diálogo cultural, com os encantados, as rezas, as danças, as festas, as pinturas corporais e toda a representatividade contida nessas manifestações.
Brasilidade
Autor de 40 livros, em sua maioria para o público infantojuvenil, o escritor Yaguarê Yamã figura entre os indígenas amazonenses com suas obras expostas na exposição Araetá. Para ele, o momento é de grande alegria pela oportunidade de divulgar em São Paulo o que ele chama de brasilidade de fato.
“O Brasil precisa se conhecer melhor. Conhecer a sua população, incluindo a população indígena, como parte sua também. Para isso, nada melhor que o próprio escritor indígena escrever e publicar, evitando assim os estereótipos e preconceitos”, pontua.
Na avaliação de Yamã, o brasileiro, em geral, se ampara em uma ideia de ser europeu e esquece as raízes originais no Brasil. “Infelizmente o brasileiro gosta e olhar para fora, para ser o que não é. A gente precisa de uma brasilidade e essa brasilidade vem pelo conhecimento sobre os povos tradicionais, nativos, suas línguas. Como eu sempre digo, o brasileiro precisa se conhecer”, destaca.
O escritor Yaguarê Yamã. (Arquivo pessoal)
Tributo a Davi Kopenawa
A exposição Araetá – A Literatura dos Povos Originários também presta homenagem ao escritor e xamã Davi Kopenawa, dedicando ao líder Yanomami o espaço intitulado Casa dos Saberes, que, com curadoria de Kaká Werá Jecupé, tem foco na experiência sensorial e estética da arte que inspira a literatura produzida por diversos povos indígenas no Brasil.
O projeto expográfico está dividido por espaços temáticos apresentados pelo escritor, professor e artista plástico Ariabo Kezo, do povo Balatiponé. As salas são identificadas pelos biomas Amazônia, Mata Atlântica, Caatinga, Cerrado e Pantanal.
A Casa dos Saberes é um espaço dedicado ao líder Yanomami, Davi Kopenawa. (Mayara Maluceli)
Com exposição idealizada por Selma Caetano, curadora e produtora executiva do “Oceanos – Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa” –, o projeto curatorial da mostra é dividido com o pedagogo, teatrólogo e poeta Ademario Ribeiro Payayá, o ambientalista e escritor Kaká Werá Jekupé, o fotógrafo Richard Werá Mirim e a documentarista Cristina Flória.
Entre nomes de renome nacional estão os escritores Ailton Krenak, Eliane Potiguara e Daniel Munduruku.
Este site usa cookies para que possamos oferecer a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.
Cookies Estritamente Necessários
O cookie estritamente necessário deve estar ativado o tempo todo para que possamos salvar suas preferências de configuração de cookies.
Se você desativar este cookie, não poderemos salvar suas preferências. Isso significa que toda vez que você visitar este site, precisará habilitar ou desabilitar os cookies novamente.