Marco Temporal: senadores da Amazônia foram contrários a entendimento de indígenas

Amazônia Legal com senadores favoráveis ao Marco Temporal (Montagem/Thiago Alencar/Revista Cenarium Amazônia)
Daleth Oliveira e Jefferson Ramos – Da Revista Cenarium Amazônia

BELÉM (PA) e MANAUS (AM) – Apesar de representarem a Amazônia Legal que concentra mais da metade da população indígena do país, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os parlamentares da Amazônia formam um coro quase uníssono a favor do PL 2903, aprovado no Senado em votação atropelada na última quarta-feira, 27.

Dos 27 senadores da região, apenas seis votaram contra o projeto, enquanto 17 votaram a favor e quatro ‘abriram mão’ de votar ao se ausentarem da sessão. A Amazônia Legal abrange todos os sete estados do Norte e Mato Grosso e parte do Maranhão, no Nordeste. A região abriga 867,9 mil indígenas do país em 2022, sendo 490 mil só no Amazonas.

O chamado marco temporal é defendido por proprietários de terras. Pela tese, os indígenas somente teriam direito às áreas que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época. Os povos indígenas são contra o marco.

PUBLICIDADE

O posicionamento – ou a falta dele – indica como esses políticos devem votar sobre a derrubada de um eventual veto do presidente Lula ao texto aprovado. O PL institui o ‘marco temporal’ – considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) há cerca de uma semana – e uma série de outras violações de direitos.

Barbalho faltou as votações no Senado

No Pará, estado que vai sediar a COP-30, dois dos três senadores já declararam posicionamento contrário ao PL 2903: Beto Faro (PT) e Jader Barbalho (MDB); enquanto isso, Zequinha Marinho (PODEMOS), que é uma liderança do movimento pró-garimpo, defende a sanção do PL.

O apoio de Jader Barbalho, no entanto, ficou restrito ao discurso. Na hora de votar, o senador se ausentou de todas as sessões: na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e no Plenário. O parlamentar– que governou o Pará no final da década de 1980 e início da década de 1990, quando o estado alternava a liderança do ranking de desmatamento do INPE com Mato Grosso – é o pai do atual governador, Helder Barbalho (MDB).

Na hora do ‘vamo ver’, Jader Barbalho faltou todas as votações do PL 2903 (Agência Senado)

Seguindo a linha do discurso do pai no Senado, Helder vem apostando em temas como o combate aos crimes ambientais, a defesa da sustentabilidade, a promoção de uma economia ‘verde’ e a proteção aos povos tradicionais em seus discursos, que ajudaram a alçar o Pará a status de liderança regional no governo Lula 3, que, por sua vez, aposta nas questões ambientais e climáticas para retomar o protagonismo global.

Helder Barbalho, filho do senador, tem discurso pró-indígena (David Alves/Agência Pará)

Contudo, a postura de Jader no Senado não é uma novidade, afirma Auricelia Arapium, coordenadora executiva do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (Cita). “Infelizmente, nós, indígenas, não temos com quem contar na Amazônia e aqui no Pará é assim que funciona a política: o discurso do governador e da família Barbalho é uma coisa, mas na prática, é outra“, lamenta a paraense.

Para Auricelia, é nítida a falta coerência dos parlamentares com o momento global de atenção às questões climáticas, principalmente enquanto o Brasil quer liderar as discussões lá fora. “O mundo inteiro tratando de mudanças do clima e preservação ambiental e aqui, insistem em invadir nossas terras. Eles querem abrir a porteira dos nossos territórios para o agronegócio, mineração e garimpo. Parece que eles vivem em outro mundo para não enxergar o que nós estamos vivendo hoje“, comenta Arapium.

Auricelia lamenta falta de compromisso dos senadores com a população indígena (Reprodução/Instagram)

Além de se mobilizar pelo veto presidencial, a liderança indígena considera que a população, principalmente as tradicionais, devem atuar agora para eleger novos parlamentares nas próximas eleições.

O povo do Pará e os povos indígenas em geral devem analisar em quem estamos votando. Nós precisamos de representatividade dos povos tradicionais na política. Porque no Congresso Nacional, eles legislam pra eles, não é pra nós. É contra nós, contra os nossos direitos, contra os povos, contra os nossos territórios e nossas vidas” finaliza Auricelia.

Mato Grosso, estado comandado por ruralistas e latifundiários ligados ao agronegócio, que tem no governador Mauro Mendes (DEM), um defensor do marco temporal, votou em peso a favor do PL 2903: a proposta teve o aval de Jayme Campos (União), Margareth Buzetti (PSD) e Mauro Carvalho Junior (União). 

Roraima, representada por três senadores que defendem o garimpo, inclusive em terras indígenas, só não igualou o placar de Mato Grosso porque o senador Chico Rodrigues (União), o ‘Chico da Cueca’, não votou. Mas Dr. Hiran (Progressistas) e Mecias de Jesus (Republicanos) votaram a favor do PL.  

No Acre, Amapá, Rondônia e Tocantins o placar foi 2 x 1 a favor do PL 2903. Em Rondônia, estado do relator do projeto na CCJ, Marcos Rogério (PL), só Confúcio Moura (MDB) votou contra o PL 2903. No Amapá, a votação do projeto de lei colocou novamente em lados contrários dois ‘parceiros’ na defesa da exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas: Davi Alcolumbre (União) e Randolfe Rodrigues (Rede).

Somente no Amazonas e no Maranhão os parlamentares contrários ao marco temporal foram maioria na votação no Senado. No Amazonas, estado com a maior população indígena do país, Omar Aziz (PSD) e Eduardo Braga (MDB) votaram ‘não’ ao PL 2903, enquanto Plínio Valério (PSDB) votou a favor da proposta dos ruralistas. Já no Maranhão, Eliziane Gama (PSD) e Ana Paula Lobato (PSB) formaram maioria contra o PL, enquanto Weverton Rocha (PDT) votou com a bancada ruralista.

Confira os votos dos senadores da Amazônia sobre o PL 2903:
  • ACRE
    Alan Rick (UNIÃO) – Sim
    Marcio Bittar (UNIÃO) – Sim
    Sérgio Petecão (PSD) – Ausente
  • AMAZONAS
    Eduardo Braga (MDB) – Não
    Omar Aziz (PSD) – Não
    Plínio Valério (PSDB) – Sim
  • AMAPÁ
    Davi Alcolumbre (UNIÃO) – Sim
    Lucas Barreto (PSD) – Sim
    Randolfe Rodrigues (REDE) – Não
  • MARANHÃO
    Ana Paula Lobato (PSB) – Não
    Eliziane Gama (PSD) – Não
    Weverton Rocha (PDT) – Sim
  • MATO GROSSO
    Jayme Campos (UNIÃO) – Sim
    Margareth Buzetti (PSD) – Sim
    Mauro Carvalho Junior (UNIÃO) – Sim
  • PARÁ
    Beto Faro (PT) – Não
    Jader Barbalho (MDB) – Ausente
    Zequinha Marinho (PODEMOS) – Sim
  • RONDÔNIA
    Confúcio Moura (MDB) – Não
    Jaime Bagattoli (PL) – Sim
    Marcos Rogério (PL) – Sim
  • RORAIMA
    Chico Rodrigues (PSB) – Ausente
    Dr. Hiran – (PP) – Sim
    Mecias de Jesus (REPUBLICANOS) – Sim
  • TOCANTINS
    Eduardo Gomes (PL) – Sim
    Irajá (PSD) – Ausente
    Professora Dorinha Seabra (UNIÃO) – Sim
Leia mais: Veja como votaram os senadores da Amazônia sobre Marco Temporal de terras indígenas
Editado por Jefferson Ramos
PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.