Barreira histórica ainda separa seis milhões de negros de ascensão em ‘meritocracia’


12 de julho de 2023
Barreira histórica ainda separa seis milhões de negros de ascensão em ‘meritocracia’
Grupo de trabalhadores negros do Brasil (Marcelo Casal Jr/Agência Brasil)
Luciana Santos – Especial para Revista Cenarium**

MANAUS (AM) – Os últimos dados sobre a educação no País, divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), demonstraram que ainda estamos longe da igualdade de oportunidades entre negros e brancos. A pesquisa aponta que entre os jovens de 15 a 29 anos, em 2022, haviam 9,8 milhões de pessoas que não estavam em ocupação ou em estudo/qualificação; destas, 6,6 milhões eram negras.

Os motivos para a não frequência desse grupo a algum tipo de qualificação incluem: a falta de escola na localidade onde moram; a falta de vagas ou o turno desejado; a falta de dinheiro para pagar as despesas e a necessidade de realizar trabalhos domésticos ou cuidar de pessoas. É interessante também observar que o critério “falta de interesse” é menor entre os negros, o que demonstra que os argumentos de quem defende a meritocracia num País como o Brasil não condizem com a realidade. Muitos querem, mas as barreiras, às vezes, são intransponíveis.

Esses dados refletem um passado histórico, que é o que eu gostaria de compartilhar nesse texto. É preciso saber que o direito à educação foi durante um logo período uma estratégia de exclusão de um determinado grupo e de manutenção de privilégios para outro.

Em nossa primeira Constituição, a de 1824, o artigo 6, inciso I, deixava claro que escravizados não eram cidadãos, portanto não tinham direito à educação formal. Em 1827 foi publicada a primeira lei nacional sobre educação pública, mas esta nada falava sobre a população negra.

Em 1854, o Decreto 1.331-A, conhecido como reforma Couto Ferraz, vedava que as escolas admitissem crianças escravizadas ou com moléstias contagiosas (percebam o nível de associação que é feita). Nesse cenário, é importante ressaltar que, apesar das proibições legislativas serem expressas para escravizados, acabavam por recair também sobre os libertos.

Diante de tantos entraves, a alternativa para a alfabetização de crianças e adultos negros acabava partindo de iniciativas da própria comunidade, contando com a colaboração de indivíduos que, de alguma maneira, conseguiram ser alfabetizados. Um exemplo dessas iniciativas foi a de uma escola localizada na Rua da Alfândega, no Rio de Janeiro, coordenada pelo professor Pretextato dos Passos e Silva, um homem negro alfabetizado, que recebeu o pedido para a abertura da escola de pais de crianças pretas e pardas, que não eram bem-vindas em outras instituições de ensino em função da cor de pele.

Após a assinatura da Lei Áurea, os entraves à educação da população negra permaneceram os mesmos. Nilma Lino Gomes, em “O movimento Negro Educador”, conta que o fato da população negra ter priorizado a luta por educação no pós-abolição ocorreu “pois o analfabetismo e a lenta inserção nas escolas oficiais se constituíam um dos principais problemas dessa população para a inserção no mundo do trabalho”. A educação passou, então, a ser vista pelo Movimento Negro como um instrumento de mobilidade social para os recém-libertos. Destaco o trabalho feito pela Imprensa Negra nesse sentido, como também da Frente Negra Brasileira, Teatro Experimental do Negro (fundado por Abdias do Nascimento) e do Movimento Negro Unificado.

Foram importantes, também, as articulações do Movimento Negro durante a Assembleia Nacional Constituinte, que contou com a presença de Benedita da Silva (PT-RJ), Carlos Alberto Caó (PDT-RJ), Edimilson Valentim (PT-RJ) e Paulo Paim (PT-RS), como nossos representantes. Na década de 90 e início dos anos 2000, as ações levam à conquista da Lei de Cotas para ingresso no ensino superior. Apesar disso, a permanência na universidade continuou a ser um desafio, assim como acontece no ensino fundamental e médio.

Como diz um dos lemas do Movimento Negro: “nossos passos vêm de longe”. Apesar das conquistas obtidas por meio de muita luta, infelizmente, a caminhada parece longe de um final positivo, como aponta a pesquisa que cito no início desse texto. Tornar esses fatos históricos cada vez mais conhecidos, por meio de um veículo de comunicação de massa, é um exercício de chamar atenção para os nossos desafios como sociedade. Precisamos de um projeto de Estado. A educação liberta, como ensinou Paulo Freire, e precisamos de aliados críticos nessa caminhada.

(*) Luciana Santos é jornalista e advogada, mestre em Direito Constitucional, especialista em Direito Público, Direitos Humanos e Processo Civil, Africanidades e Cultura Afro-brasileira e possui MBA em Marketing e MBA em Gestão empresarial.
(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.

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