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Cenarium no Pantanal: em chegada a Cáceres, fumaça e ‘fogo criminoso’
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05 de outubro de 2020
João Paulo Guimarães– Especial para Revista Cenarium
MT, CÁCERES – Saindo de Várzea Grande, peço para o motorista do ônibus deixar ir com ele na frente. Ele pede apenas para colocar o cinto de segurança e agradece pela companhia. Conversa bastante o seu Plínio. Ainda me conta que Chitãozinho e Chororó venderam a fazenda para o magnata dono da rede de supermercados Big Lar.
Na entrada da fazenda já tem a placa escrita, “Fazenda Monte Belo”. A placa com o nome da dupla já foi tirada, mas mesmo que ainda lá estivesse não conseguiríamos ver com facilidade por causa da fumaça. É muita fumaça, cobre a serra, cobre o pasto, esconde o Sol e os animais. No “rancho fundo bem pra lá do fim do mundo” nunca mais houve alegria, nem de noite e nem de dia.
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O pobre moreno se mudou, adoeceu por causa da fumaça. À medida que vamos subindo a cerra para Cáceres, a visibilidade vai diminuindo, mas o vento aumenta. Dá para perceber pelo ônibus que tem dificuldade em manter velocidade. Treme o transporte e de longe avisto uma coluna que parece pequena para olhos sem experiência, mas eu sei daquela distância que é grande o fogo.
Chegada
Pergunto pro seu Plínio se ali já é Cáceres, ele balança a cabeça e diz que sim. Ao chegar na rodoviária, desço apressado com uma lente pendurada no ombro e a câmera na mão atrás de um mototáxi para deixar as coisas no hotel e correr atrás do fogo.
Uma amiga de uma ONG, a Fase, já conseguiu um guia para mim. É o Miguel Angelo, biólogo da cidade que anda apressado explicando tudo sobre Cáceres. Chegamos ao ponto de “avistamento” da coluna de fumaça. É a prainha onde corre o Rio Paraguai em frente à cidade.
Tem uma praça muito bonita com uma igreja no estilo gótico. E no entorno da praça, alguns bares e lanchonetes, a bonita Cidade de Cáceres. Olho para frente e consigo acreditar na fúria do fogo que ainda não consigo ver por detrás das árvores. A coluna de fumaça é gigante. Ignorante. Um monstro.
Ela está tapando o Sol criando um filtro sobrenatural amarelo. Vou descendo uma escadaria para a praia e percebo por alguns segundos que a paisagem, em uma outra situação, seria muito bonita. Canoas estacionadas uma ao lado da outra até lembram minha cidade natal. Abaetetuba no Pará.
Mais fogo
Tenho que chegar até o fogo e preciso pensar rápido, pois a luz do dia está indo embora e de noite não vou conseguir fazer nada. Deve haver algum dono de lancha que me leve até o foco. Pergunto para Miguel se algum dono de lancha poderia nos levar até o fogo e ele diz que sim, mas que não seria barato. Nessas horas nem tem o que pensar.
Entramos no estacionamento de barcos e falamos com o dono. Ele vai conosco para ver o fogo que ontem não estava lá. “Isso aí é fogo criminoso!”, ele nos diz chamando o rapaz do trator para descer a lancha. Entramos na lancha e ao dobrar o rio já nos deparamos com focos de fogo no meio da mata.
Paro para fotografar. Continuamos a descida do rio e encontramos mais focos. Desce de novo para fotografar, João. Agora os focos de queimada estão ficando mais próximos da margem da mata e maiores. São muitos. Se reproduzem com o vento, pulando e procriando.
Voltamos o rio e já há novos focos que não estavam lá a cinco minutos. Os focos menores que deixamos atrás de nós estão gigantes. Miguel Ângelo me explica que tudo que está queimando é área de proteção ambiental. Eu fico sem entender, já que têm vários pontos de acampamento de pescadores pegando fogo com bancos para sentar, freezers e até cabanas de madeira para pernoitar.
Ele me explica: “Aqui é a APP, Área de Proteção Permanente e aqui em Cárcere existe uma comunidade de pescadores artesanais que são da nossa cultura e utilizam esses barracos, mas existem outros pescadores que utilizam essa área também. Aqui não é igual Mato Grosso do Sul. Lá você vai ver várias cabanas uma ao lado da outra.
Aqui é o Tabuado, é patrimônio Cultural e é da região. Local. Não existe uma fiscalização para isso. Aí um pescador vai lá, assa um peixe. Vai embora e o fogaréu fica. Voa uma brasa e pronto.
“O dono da lancha interrompe: “Mas esse fogo que está aí, não estava ontem. Hoje estava essa coluna aí, mas foi porque alguém tacou fogo mesmo. Isso não é normal não. Olha ali. Mais foco para dentro da mata. Tem alguém aí tacando fogo e se tivesse policiamento pegava, mas quem que vai entrar aí atrás do cara?”
Eu, Miguel e o barqueiro retornamos para terra sem ter noção da quantidade de focos de fogo que encontramos em apenas uma hora percorrendo o rio Paraguai. “O fogo vai crescer, Miguel.” Digo cansado e ele assente em silêncio. Ao subirmos da praia para a rua olhamos para trás e vemos uma família na beira da praia passeando.
Ao lado deles, atrás das árvores, a luz laranja iluminando o céu da cidade que acabei de conhecer. Sinto meu pé mais pesado que de costume nessas situações. Minha bota derreteu e a sola está pendurada.
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