‘Claramente possui motivação política’, afirma Observatório da BR-319 sobre emissão de licença pelo Ibama

Desmatamento ilegal às margens da BR-319 (Gabriel Monteiro/Agência O Globo)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

BRASÍLIA – O Observatório da BR-319, rede de organizações da sociedade civil que atuam na região de influência da rodovia, afirmou que vê com grande preocupação a emissão de licença prévia para a reconstrução do “Trecho do Meio” da BR-319, já que etapas importantes do processo, como consultas públicas a comunidades tradicionais, foram ignoradas. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) deu a autorização na quinta-feira, 28, e a organização disse que a decisão, “claramente, possui motivação política”.

A notícia sobre a autorização foi confirmada pelo pré-candidato ao Senado, coronel Alfredo Menezes (PL-AM), que apoia o presidente Jair Bolsonaro (PL). “Mais um objetivo do governo do nosso presidente Bolsonaro”, disse após receber uma cópia do documento entregue pelo ministro da Infraestrutura, Marcelo Sampaio, em Brasília.

Loteamentos na beira da BR-319. Invasões contribuem para o desmatamento da floresta e facilitam as queimadas (Gabriel Monteiro/Agência O Globo)

No nosso entendimento, a LP [Licença Prévia] ainda não pôde ser emitida, uma vez que as consultas livres, prévias e informadas, nunca foram realizadas com os povos indígenas e comunidades tradicionais que serão, diretamente impactados, por uma obra de infraestrutura desta magnitude. Sendo assim, o direito destes povos foi violado”, informou o Observatório da BR-319.

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As audiências públicas referentes a obras de grande impacto ambiental são determinadas pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), pelos Artigos 231 e 232 da Constituição Federal e pela Declaração da ONU sobre Direitos dos Povos. É obrigatória a consulta prévia, livre, esclarecida e informada aos povos indígenas, quilombolas e povos tradicionais impactados pelas mudanças.

No ano passado, foram realizadas consultas públicas, de forma presencial e remota, em municípios na área de influência da rodovia, como Manaus, Borba, Careiro Castanho, Beruri, Manicoré, Tapauá, Humaitá e Canutama. Porém, o porta-voz do Observatório da BR-319, Carlos Durigan, alerta que ritos essenciais não foram seguidos.

A consulta livre, prévia e informada, que tanto o Ministério Público Federal tem acentuado nesse processo, demanda que seja feita uma agenda muito amiúde. Tem grupos indígenas que precisam ser utilizada linguagem própria, o idioma próprio de cada um, precisa haver uma dinâmica de consulta; não é um grupo de técnicos ir com pressa, passando em alguns dos lugares que eles julgam pertinentes, apresentar e ir embora. Nos últimos meses, nós temos ouvido muitos indígenas, na região, dizerem que não participaram de nenhuma consulta, que não houve consulta nesses moldes”, pontuou o ambientalista.

A floresta queimando no entorno de uma construção que fica à beira da BR-319, perto de Vila Realidade. A vila fica a 600 quilômetros de Manaus e 290 quilômetros de Porto Velho (Gabriel Monteiro/Agência O Globo)

A reportagem questionou o Ministério Público Federal sobre a falta de realização das consultas prévias, e o órgão lembrou que já recomendou ao Ibama que suspenda todas as medidas administrativas e executivas, em andamento, relacionadas à BR-319, até que seja realizado o devido processo. Em relação à concessão de licença prévia, o MPF informou que o caso está sob análise para definir as medidas cabíveis.

Licença para o “Trecho do Meio”

A BR-319 liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO) e o “Trecho do Meio” se refere à área entre os quilômetros 250 e 655 da rodovia. O Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes (Dnit) requisitava licença para reconstrução do trecho há 15 anos. A rodovia é considerada de extrema importância para o desenvolvimento do Amazonas, já que o Estado fica “isolado” do resto do País, só sendo possível sair e chegar via aérea ou fluvial. Porém, os impactos socioambientais da BR-319 também sempre foram pontos de preocupação.

Além disso, a baixa governança impera na área de influência da rodovia. As ações de fiscalização são insuficientes para coibir a grilagem, invasões, desmatamento e especulação fundiária, pressões estas que vêm aumentando, exponencialmente, nos últimos anos. Como agravante, as Unidades de Conservação e as Terras Indígenas que deveriam ser protegidas, também estão sob constante e crescente ameaça, seja pela baixa gestão, falta de orçamento, ou medidas legislativas e administrativas que enfraquecem estas áreas”, acrescentou o Observatório da BR-319.

Fogo consumindo floresta perto de uma construção inacabada na BR-319 (Gabriel Monteiro/Agência O Globo)

A nota técnica “Abertura e expansão de ramais em quatro municípios sob influência da rodovia BR-319”, do Observatório da BR-319, apontou que a expansão da rede de estradas não oficiais, conhecidas como ramais, ao Sul da rodovia BR-319, no Amazonas, tem pressionado unidades de conservação, como parques nacionais e terras indígenas.

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O estudo analisou a dinâmica de abertura e expansão de ramais ativos, em 2021, em quatro municípios localizados ao Sul da rodovia: Canutama, Humaitá, Manicoré e Tapauá. O mapeamento identificou que a expansão de ramais, entre 2016 e 2021, nos quatro municípios, foi de 1.593 quilômetros, correspondendo à abertura de quase duas rodovias BR-319 em cinco anos. A extensão dessa rede tem o total de 4.752 quilômetros e o ano de maior crescimento de ramais foi 2020 (crescimento de 14%), com um acréscimo de 560 quilômetros de ramais nos municípios pesquisados.

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