Conflitos agrários: Amazônia concentra 77% das mortes no campo em dez anos no País
11 de junho de 2022

Com informações do UOL
MANAUS — Nos últimos dez anos, ao menos 313 pessoas foram assassinadas na região da Amazônia por conflitos no campo, o que representa 77% do total de mortes (403) envolvendo disputas por terra ou água em zonas rurais do País entre 2012 e 2021.
Os dados foram obtidos pela coluna na coleção de relatórios da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que divulga anualmente um balanço de ocorrências de conflitos no campo no país desde 1985.
Segundo o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), a Amazônia Legal concentra apenas 24% da população rural do País — ou seja, tem três vezes mais conflitos, proporcionalmente falando.
No ano passado, o número foi o maior já registrado desde 2017: foram 29 mortes nos estados que compõem a Amazônia Legal (que são os sete estados do Norte mais Mato Grosso e Maranhão).
É na região que estão desaparecidos, desde domingo, 5, o indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips. Uma das linhas investigadas pelas autoridades é homicídio, já que Pereira vinha sofrendo ameaças.
É na região que estão desaparecidos, desde domingo, 5, o indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips. Uma das linhas investigadas pelas autoridades é homicídio, já que Pereira vinha sofrendo ameaças.
Segundo a publicação de 2021, a Amazônia registrou 52% das disputas registradas no ano passado, e 62% do número de famílias envolvidas nos conflitos. Ainda de acordo com a CPT, 97% das áreas de conflitos do ano passado localizam-se na Amazônia, com um total de 680 mil km² —equivalente à soma dos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
As disputas na Amazônia, diz o relatório, alavancaram o desmatamento, que dobrou em apenas 30 anos, saltando de 10% em 1990, para 14% em 2000, chegando a 20% da área em 2020.

Quem foram os afetados pelos conflitos em 2021:
- Indígenas – 26%
- Quilombolas – 17%
- Posseiros – 17%
- Sem-terra – 14%
- Assentados – 8%
- Outros – 15%
Quem foram os causadores das disputas:
- Fazendeiros – 21%
- Empresários – 20%
- Governos – 17%
- Grileiros – 13%
- Madeireiros – 6%
- Garimpeiros – 5%
- Outros – 10%
- Sem informação – 8%
Conflitos em alta
Segundo Andreia Silvério, coordenadora nacional da CPT, a violência na Amazônia tem crescido não só em mortes, mas também em relação ao número de pessoas ameaçada de morte e casos de invasão a territórios indígenas, unidades de conservação, quilombolas, comunidades tradicionais.
“Isso se deve à política de gestão fundiária adotada no ainda no Governo Michel Temer, quando uma lei favoreceu o processo de grilagem de terras públicas. Agora, isso se aprofundou tanto por propostas aprovados no Congresso Nacional quanto por medidas provisórias do governo”, cita.
Silvério diz ainda que a tensão cresce porque o governo não avança com os processos demarcatórios de áreas, seja por reforma agrária, seja por titulação de terras a quilombolas e indígenas. Sem dono no papel, as terras viram alvo de disputa violenta.
“Se por um lado o governo incentiva invasão de terras públicas e territórios, por outro, nega acesso ao direito dessas comunidades, que ficaram muito mais vulneráveis. São inúmeros casos, como dos Yanomami, que sofrem invasão de garimpeiros e que causam acirramento e violência e ameaças”, relata.
Por fim, ela lembra que a questão das terras indígenas é mais delicada porque esses territórios sofrem com o processo de invasão “desde que o Brasil é Brasil”.
“Hoje, há uma grande negativa de direitos socioambientais, e eles sentem todos os impactos da gestão ambiental inadequada”, diz.
“Os povos indígenas são os maiores protetores de uma sociobiodiversidade: terras indígenas são aquelas que têm maior nível de preservação da Amazônia”, diz Andreia Silvério, coordenadora nacional da CPT.

Titulações
Em resposta à coluna, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) questionou os dados históricos da CPT, alegando que, em 2021, contabilizou apenas três mortes por questões fundiárias.
Sobre a violência crescente, órgão diz que a regularização de terras é “essencial” para reduzir disputas agrárias e “meta prioritária” do governo federal. Neste sentido, afirma o Incra, o governo tem se dedicado à titulação de terras para reduzir disputas e, consequentemente, a violência no campo. “Terras onde não há definição a respeito da titularidade estão sujeitas a conflitos. Quando se regulariza a propriedade, reduz-se a possibilidade de ocorrência de novas tensões”, afirma.
O instituto afirma que desde 2019 emitiu 353 mil documentos de titulação em assentamentos da reforma agrária.