Conflitos agrários: Amazônia concentra 77% das mortes no campo em dez anos no País

Os dados foram obtidos pela coluna na coleção de relatórios da Comissão Pastoral da Terra (CPT). (Reprodução)
Com informações do UOL

MANAUS — Nos últimos dez anos, ao menos 313 pessoas foram assassinadas na região da Amazônia por conflitos no campo, o que representa 77% do total de mortes (403) envolvendo disputas por terra ou água em zonas rurais do País entre 2012 e 2021.

Os dados foram obtidos pela coluna na coleção de relatórios da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que divulga anualmente um balanço de ocorrências de conflitos no campo no país desde 1985.

Segundo o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), a Amazônia Legal concentra apenas 24% da população rural do País — ou seja, tem três vezes mais conflitos, proporcionalmente falando.

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No ano passado, o número foi o maior já registrado desde 2017: foram 29 mortes nos estados que compõem a Amazônia Legal (que são os sete estados do Norte mais Mato Grosso e Maranhão).

É na região que estão desaparecidos, desde domingo, 5, o indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips. Uma das linhas investigadas pelas autoridades é homicídio, já que Pereira vinha sofrendo ameaças.

É na região que estão desaparecidos, desde domingo, 5, o indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips. Uma das linhas investigadas pelas autoridades é homicídio, já que Pereira vinha sofrendo ameaças.

Segundo a publicação de 2021, a Amazônia registrou 52% das disputas registradas no ano passado, e 62% do número de famílias envolvidas nos conflitos. Ainda de acordo com a CPT, 97% das áreas de conflitos do ano passado localizam-se na Amazônia, com um total de 680 mil km² —equivalente à soma dos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo.

As disputas na Amazônia, diz o relatório, alavancaram o desmatamento, que dobrou em apenas 30 anos, saltando de 10% em 1990, para 14% em 2000, chegando a 20% da área em 2020.

Desmatamento na Amazônia atinge 20% de sua área total (iStock)

Quem foram os afetados pelos conflitos em 2021:

  • Indígenas – 26%
  • Quilombolas – 17%
  • Posseiros – 17%
  • Sem-terra – 14%
  • Assentados – 8%
  • Outros – 15%

Quem foram os causadores das disputas:

  • Fazendeiros – 21%
  • Empresários – 20%
  • Governos – 17%
  • Grileiros – 13%
  • Madeireiros – 6%
  • Garimpeiros – 5%
  • Outros – 10%
  • Sem informação – 8%

Conflitos em alta

Segundo Andreia Silvério, coordenadora nacional da CPT, a violência na Amazônia tem crescido não só em mortes, mas também em relação ao número de pessoas ameaçada de morte e casos de invasão a territórios indígenas, unidades de conservação, quilombolas, comunidades tradicionais.

“Isso se deve à política de gestão fundiária adotada no ainda no Governo Michel Temer, quando uma lei favoreceu o processo de grilagem de terras públicas. Agora, isso se aprofundou tanto por propostas aprovados no Congresso Nacional quanto por medidas provisórias do governo”, cita.

Silvério diz ainda que a tensão cresce porque o governo não avança com os processos demarcatórios de áreas, seja por reforma agrária, seja por titulação de terras a quilombolas e indígenas. Sem dono no papel, as terras viram alvo de disputa violenta.

“Se por um lado o governo incentiva invasão de terras públicas e territórios, por outro, nega acesso ao direito dessas comunidades, que ficaram muito mais vulneráveis. São inúmeros casos, como dos Yanomami, que sofrem invasão de garimpeiros e que causam acirramento e violência e ameaças”, relata.

Por fim, ela lembra que a questão das terras indígenas é mais delicada porque esses territórios sofrem com o processo de invasão “desde que o Brasil é Brasil”.

“Hoje, há uma grande negativa de direitos socioambientais, e eles sentem todos os impactos da gestão ambiental inadequada”, diz.

“Os povos indígenas são os maiores protetores de uma sociobiodiversidade: terras indígenas são aquelas que têm maior nível de preservação da Amazônia”, diz Andreia Silvério, coordenadora nacional da CPT.

Agente observa caminhonete em chamas durante operação contra o garimpo na Terra Indígena Yanomami, em 2021 (Ibama)

Titulações

Em resposta à coluna, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) questionou os dados históricos da CPT, alegando que, em 2021, contabilizou apenas três mortes por questões fundiárias.

Sobre a violência crescente, órgão diz que a regularização de terras é “essencial” para reduzir disputas agrárias e “meta prioritária” do governo federal. Neste sentido, afirma o Incra, o governo tem se dedicado à titulação de terras para reduzir disputas e, consequentemente, a violência no campo. “Terras onde não há definição a respeito da titularidade estão sujeitas a conflitos. Quando se regulariza a propriedade, reduz-se a possibilidade de ocorrência de novas tensões”, afirma.

O instituto afirma que desde 2019 emitiu 353 mil documentos de titulação em assentamentos da reforma agrária.

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