Congresso Nacional já tem planos para perpetuar esquema do orçamento secreto

Prédio do Congresso Nacional, em Brasília (Antonio Molina/Reprodução)
Com informações do Estadão

BRASÍLIA – Líderes do Centrão na Câmara e no Senado querem usar o Plano Plurianual (PPA), proposta que define os programas prioritários do governo federal, durante quatro anos, para validar o orçamento secreto e blindar essas emendas de cortes durante o próximo mandato presidencial. A articulação faz parte da estratégia para evitar que as emendas sejam derrubadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

No desenho feito por líderes da Câmara e do Senado, o PPA seria usado para carimbar programas de interesse dos deputados e senadores. Essas ações, por sua vez, seriam irrigadas com dinheiro do orçamento secreto. Com essa manobra, parte dos programas prioritários só seria executada com as emendas secretas, amarrando o projeto às verbas de maior interesse do Congresso.

O orçamento secreto, revelado pelo Estadão, consiste no pagamento de emendas carimbadas pelo relator-geral do orçamento para redutos eleitorais de deputados e senadores sem transparência. O governo libera esses recursos em troca de apoio político no Legislativo.

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Para 2023, estão reservados R$ 19,4 bilhões para o orçamento secreto, que aumenta o domínio do Legislativo sobre os investimentos federais e a manutenção dos órgãos públicos. O Congresso age para manter o controle, independentemente, do resultado das eleições presidenciais.

Atualmente, as emendas já estão vinculadas a programas do PPA. Pelas regras do Congresso, um recurso só entra no orçamento se estiver de acordo com o plano plurianual. O projeto, no entanto, traz programas genéricos e abarca, praticamente, qualquer recurso que um parlamentar queira destinar para sua base eleitoral. A ideia, agora, é condicionar a execução do PPA às emendas secretas, sob o pretexto de tornar o projeto efetivo e, ao mesmo tempo, manter o esquema.

O PPA é enviado pelo presidente da República sempre no primeiro ano de mandato e define os programas que deverão ter prioridade no orçamento, nos quatro anos seguintes, como saneamento básico e moradia. Ou seja, o presidente eleito terá que enviar a proposta para os anos de 2024 a 2027. O Congresso tem duas opções para mexer no PPA: alterar o projeto em vigor (2020-2023), que depende de proposta inicial do presidente da República ao Congresso, ou alterar o próximo plano, que vai valer para os anos de 2024 a 2027.

A prioridade dos deputados e senadores é efetivar a mudança logo, mas ainda não há uma definição de quando isso será feito. O Congresso está de olho no PPA justamente para garantir a execução do orçamento secreto nos próximos anos e apresentar uma defesa ao STF, com o argumento de que está vinculando as emendas a projetos estratégicos do País. Dessa forma, os parlamentares esperam blindar o mecanismo.

Judiciário

Uma decisão do Judiciário contra as emendas é vista com preocupação pelos parlamentares. Nos bastidores, líderes do Centrão ameaçam retaliar o Supremo, com corte de verbas e até com a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para derrubar decisões dos ministros. A presidente do STF, Rosa Weber, avalia pautar um julgamento que pode acabar com o orçamento secreto após o 2° turno das eleições. Essa possibilidade ganharia força se o candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, for eleito, de acordo com dirigentes do Legislativo.

Os congressistas esperam emplacar uma narrativa de que as emendas atendem a interesses nacionais e necessidades da população, mesmo sendo distribuídas no varejo entre os parlamentares. A ausência de planejamento estratégico e a desigualdade regional na transferência dos recursos são pontos questionados no STF, que julga um processo sobre a validade do orçamento secreto, além da falta de transparência. O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou ilegalidades na distribuição e classificou as emendas secretas como inconstitucionais.

O uso do PPA é uma alternativa à aprovação de uma PEC que inclua o orçamento secreto de forma definitiva na Constituição, opção que continua no radar. Parlamentares dizem que a aprovação de uma PEC acabaria com qualquer risco de o STF derrubar o esquema. Uma proposta como essa, no entanto, depende da aprovação de 308 deputados e 49 senadores em dois turnos de votação e não precisa passar pelo crivo do Executivo.

O PPA não dependeria de mudança na Constituição e pode garantir maior segurança e até a obrigatoriedade de pagamento das emendas nos próximos anos. As emendas secretas não estão previstas na Carta Magna e entraram no orçamento por meio de alterações na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e de uma resolução do Congresso. Em 2019, o próprio presidente Jair Bolsonaro enviou o projeto que criou o esquema, após vetar uma proposta relacionada ao tema.

A presidente do STF, Rosa Weber, avalia pautar um julgamento que pode acabar com o orçamento secreto
A presidente do STF, Rosa Weber, avalia pautar um julgamento que pode acabar com o orçamento secreto (Dida Sampaio/Estadão)

Controle de orçamento

A articulação do Congresso passa por aumentar o poder da Comissão Mista de Orçamento (CMO) na aprovação das emendas do orçamento. Em 2023, todos os recursos dependerão da assinatura do presidente da comissão, deputado Celso Sabino (União-PA), aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para serem pagos, além da decisão do governo de liberar os repasses. Anteriormente, a indicação só dependia da assinatura do relator-geral e já ficava pronta para o Executivo efetuar o pagamento. O relator do orçamento de 2023 é o senador Marcelo Castro (MDB-PI), aliado do ex-presidente Lula.

A intenção dos parlamentares é transformar a CMO no “coração” do orçamento secreto e, assim, validar a indicação das emendas. Integrantes do colegiado dizem que, usando o PPA para fixar as emendas, é possível dar continuidade a obras e projetos de interesse do Congresso e evitar paralisações e questionamentos dos órgãos de controle.

O deputado Celso Sabino (União-PA) é o presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO)
O deputado Celso Sabino (União-PA) é o presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO)  

“A participação do Congresso do Brasil precisa se adequar à realidade global de protagonismo no orçamento, claro que à luz dos holofotes dos órgãos de controle”, afirmou o presidente da CMO, Celso Sabino, ao falar que o colegiado tem adotado medidas para planejar a distribuição dos recursos entre as regiões do País.

O PP e o União Brasil, partidos de Lira e de Sabino, respectivamente, negociam formar uma federação partidária ou até uma fusão depois das eleições, o que transformaria a nova legenda no maior partido da Câmara, com 106 deputados. Na prática, a junção garante o controle da CMO e da elaboração do orçamento pelos próximos quatro anos. O maior partido da Casa tem preferência na escolha de cargos estratégicos, como o de presidente da comissão e de vagas na CMO. “É uma força gigante”, disse Sabino. No cenário atual, o PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, poderia reivindicar o comando do colegiado.

Nos bastidores, dirigentes do Congresso afirmam que o orçamento secreto continuaria sendo executado em caso de reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL). A vitória do candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, por outro lado, provocaria uma disputa maior pelo controle dos recursos. Lula prometeu acabar com o esquema e quer retomar o poder de escolha sobre o orçamento. A cúpula do Legislativo age para proteger o mecanismo e diz que os deputados e senadores não vão recuar do que conquistaram até o momento.

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