CRÔNICAS DO COTIDIANO: “A flecha do tempo”

Quando Isaac Newton (1643-1727) deu vida científica à Física, promoveu a divisão do conhecimento em dois mundos: o das ciências da natureza, fundamentadas nos modelos matemáticos; e abriu caminho para as ciências do homem, fundadas nas subjetividades. A primeira ocupou o espaço das certezas e a segunda, o das possibilidades.

Os tempos são outros. “Não existe mais o abismo entre as ciências exatas, que falariam de certezas, e as ciências inexatas, que tratariam das possibilidades. É claro que a existência de uma flecha do tempo comum é apenas uma condição necessária consistente”. (Ciência, Razão e Paixão, Editora Livraria da Física, 2009, p.32).

E quem nos diz isso? Um dos maiores articuladores da ciência contemporânea, o físico-químico Ilya Prigogine (1917-2003), Nobel de Química, em 1977, por seus estudos e formulação das Teorias Dissipativas e que, generosamente, as usou como pontes interdisciplinares, não só com as ciências da natureza, mas, também, dessas com as ciências humanas, dando força a uma nova compreensão das problemáticas que se apresentam como desafio no final do século XX e clamam por uma aceitação na atualidade. E o que isso tem de significativo, além de um saudável papo acadêmico sobre a metodologia das ciências? É que os tempos são tempos de transição, de “bifurcações” e de “flutuações”; e as ciências servem para ajudar na compreensão e solução do que nos aflige.

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Na Segunda Grande Guerra, o mundo defrontou-se com os seus monstros: a luta econômica pelos mercados; o grau mais alto do colonialismo como modo de extrair riquezas explorando povos e territórios; o supremacismo racial; a imposição do eurocentrismo como modelo de aspiração e progresso dos povos; e o confronto disruptivo das ideologias. O ocidentalismo, como modelo de vida, de produção de conhecimento e de cultura, é obrigado, depois da barbárie do nazifascismo e do stalinismo – dos quais quase todos foram vítimas -, a enfrentar novas bifurcações e novas flutuações que as teorias começam a explicar, tanto para o que acontece na natureza quanto nas sociedades e na cultura, tendo como pano de fundo as novas tecnologias voltadas para a produção de mercadorias e de comunicação, estruturantes da sociedade pós-moderna.

A irreversibilidade aos modelos societários de antigamente constatada só comprovou a eficácia do caos, contrariamente pensado como fim dos tempos, e agora, em sua entranha sistêmica e complexa, um gerador de incertezas e de um novo mundo, que ainda está sendo trabalhado. A história não acabou, a flecha do tempo nos leva a outras contingências e enfrentamentos que a vida passa a exigir, o que nos obriga a repensar os nossos posicionamentos frente à natureza e aos padrões econômicos, sociopolíticos e culturais, o que envolve o consumo, os costumes, as religiões e as ideologias.

Os determinismos estão em dissenso e a energia quântica nos envolve, apontando para outros possíveis consensos que podem redundar em benefícios para todos, já que parecem ser parte desse contexto de organização sistêmica: as globalizações. Flutuam, no entanto, as formas como esses novos elementos que se destacam podem se reorganizar e produzir efeitos mais positivos.

E foi Prigogine, na sua imaginação de filósofo da ciência e na maturidade de seu pensamento interdisciplinar sobre as complexidades dos problemas sociais mais cruciantes, que nos apontou o que chamou de algumas “interconexões interessantes”. Dentre elas, destaca: “combater as desigualdades, privilegiar uma visão multicultural, favorecer a participação de todos na cultura, facilitar o contato de cada um com a natureza. Em todo caso, o que é certo, hoje, é a necessidade de uma política de religação, de solidariedade entre os homens entre si e com a natureza” (PRIGOGINE, obra citada, p. 42-43).

O momento nacional brasileiro, como parte desse caos onde se gesta um novo tempo, pode espelhar-se bem nessas recomendações que a nova ciência nos propõe e desdobrá-las em pautas acordadas de ações que sejam firmes e, ao mesmo tempo, acompanhem essa flecha do tempo que nos empurra para o encontro dos mundos que não podem mais conviver separados.

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(*)Jornalista Profissional, graduado pela Universidade do Amazonas; Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo; Professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas.

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