‘Demos mais de 500 licenças e nunca fomos fiscalizar’, diz prefeito da cidade campeã em autorizações de garimpo

A mineração feita nos afluentes do Tapajós destrói e contamina as praias de rio de Alter do Chão (Erik Jennings / Agência O Globo)

Com informações do InfoGlobo

BRASÍLIA – A 1.300 quilômetros de Belém e 1.100 da antiga Serra Pelada, Itaituba (PA) é o centro da nova corrida do ouro que está em curso no Brasil. Apelidado de “Cidade Pepita”, o município traz no hino a atividade mais lucrativa da região – “os garimpos, as praias, a fonte” -, tem como monumento uma estátua gigante (de três metros de altura) de um garimpeiro peneirando cascalho e um comércio praticamente todo voltado à economia garimpeira, com proliferação de lojas de compra e venda de ouro e de retroescavadeiras e tratores, além de um dos aeroportos mais movimentados do Pará.

Não por coincidência, o município situado na Bacia do Rio Tapajós é o campeão na concessão de lavras garimpeiras pelo governo federal nos últimos quatro anos — mais de 25% de todos os requerimentos, segundo levantamento do GLOBO.

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Desde a semana passada, a cidade está em polvorosa com a operação Caribe Amazônico, deflagrada pela Polícia Federal em parceria com o Ibama e as Forças Armadas que destruiu e apreendeu mais de 21 escavadeiras, 26 motores bombas, uma balsa, três geradores, um trator esteira e 14 acampamentos avaliados em mais de R$ 10 milhões. Reportagem do Fantástico acompanhou a ação e flagrou verdadeiras vilas erguidas no meio da selva amazônica, com igreja, alojamento, pista de pouso, oficinas e supermercados. A operação gerou protestos por parte de alguns garimpeiros, que queimaram pontes de madeira e bloquearam o acesso à sede do ICMBio na cidade.

Ao serem flagrados pelas autoridades, os exploradores tentaram evitar a destruição dos equipamentos e instalações mostrando licenças de operação emitidas pelas prefeituras de Itaituba e Jacareacanga, que era um distrito da primeira e se emancipou em 1991. Para os agentes da PF e Ibama, as licenças são ilegais e não têm validade por se tratarem de área de conservação de competência da União.

Em entrevista ao GLOBO, o prefeito de Itaituba, Valmir Climaco (MDB), prometeu que vai suspender todas as licenças concedidas pela prefeitura nos últimos anos para fazer uma reavaliação.

“Nós demos mais de 500 licenças e nunca fomos fiscalizar. Agora não vai ser mais assim. Nós vamos suspender todos os documentos e eles só vão ser liberados com o aval do ICMBio e do Ministério Público Federal”, afirmou ele, anunciando um projeto que vai criar um sistema de monitoramento de garimpos na região e “reeducar” os trabalhadores a não devastarem a Amazônia.

“O que não pode é ficar derramando aquela água chelechenta nos igarapés.”

Questionado por que não fiscalizou antes, o prefeito respondeu que isso era prerrogativa dos órgãos ambientais federais. E reconheceu que há muitos garimpos ilegais na região: — alguns usam as licenças de um determinado local para tirar ouro de outro (leia-se de terras indígenas e unidades de conservação). Procurado, o ministério do Meio Ambiente ainda não se pronunciou.

Nos bastidores, há um receio de que a prefeitura entre na mira da Polícia Federal, que passou a investigar as circunstâncias em que foram concedidas as licenças. Climaco se reelegeu ao cargo, em 2020, com o apoio da classe garimpeira – ele mesmo é dono de campos de garimpo (“todos legais”, segundo ele) e gosta de exaltar o seu passado como garimpeiro. “Eu já queimei mais de 3000 quilos de ouro com massa de azougue (apelido dado ao mercúrio)”.

Na última terça-feira, 15, enquanto a PF incendiava retroescavadeiras e acampamentos, Climaco voou a Brasília para se encontrar com o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. Segundo ele, o objetivo era convencer o governo federal a suspender a operação da PF. Para isso, tentou sensibilizar o ministro levando “centenas” de vídeos enviados por seus companheiros do garimpo, mostrando as “cenas de terror” da ação policial.

O deputado federal José Priante (MDB-PA) intermediou o encontro e acompanhou o mandatário na agenda no Palácio do Planalto:

“As explosões pareciam produção cinematográfica. Um absurdo, fomos levar nosso ponto de vista ao ministro de que explodir é uma política equivocada, desinteligente. Na hora que se pega gado na floresta não se faz churrasco com ele. Não se destrói os ativos”, disse o parlamentar, frisando que não é a favor do garimpo ilegal, mas da inutilização dos equipamentos (o que é previsto em lei quando não há possibilidade de apreensão).

Segundo o deputado e o prefeito, Nogueira prometeu levar a questão diretamente ao presidente da República e “providenciar ações no sentido de paralisar esse tipo de operação”. Procurado por meio de sua assessoria, Nogueira não comentou a reunião, que não consta na agenda oficial do ministro. No dia seguinte, no entanto, ele se encontrou com o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, que comanda o Ibama e o ICMBio.

Climaco acrescentou que só não “ligou direto” para Bolsonaro porque “ele estava lá na guerra com a Rússia”. Em maio de 2020, os dois se falaram por telefone sobre as medidas tomadas na cidade para conter a Covid-19. Bolsonaro fez questão de registrar a conversa em uma live semanal e elogiar o município por ter mantido o comércio funcionando, enquanto os governadores baixavam medidas de restrição. 

A operação policial acabou sendo encerrada na última sexta-feira, 18.

“Conseguimos uma trégua para regularizar a situação”, comentou o prefeito. Apesar de os políticos da região alardearem que a ação parou por intervenção deles, operações do gênero  não costumam demorar mais de uma semana.

A ideia do prefeito é obrigar os garimpos a construir a ter três bacias de decantação para “limpar” a água que é lançada nos rios – segundo um laudo da PF, essa lama do garimpo provocou a contaminação nas praias de rio de Alter do Chão, conhecido como o “Caribe Amazônico”, que fica a 300 quilômetros de Itaituba. 

“O garimpeiro que não aceitar não vai tirar mais um grama de ouro. Ou eu aperto ou jogo a toalha. Estou no segundo mandato e não quero sair com a culpa que devastei a Amazônia”, afirmou ele, anunciando que a meta é não ter mais nenhuma sujeira sendo despejada na Bacia do Tapajós até 2024. Para isso, ele disse que pretende conseguir recursos do governo do Estado e do Ministério do Meio Ambiente.  Procurado, o Ministério Público Federal informou que ainda não há nenhum acordo oficial com a prefeitura para regularizar os garimpos.

As licenças municipais que agora estão sob investigação da PF já haviam sido contestadas pelo MPF desde julho do ano passado. Os procuradores solicitaram à Justiça Federal que fossem canceladas todas as autorizações concedidas na região. Apesar do pedido de urgência, a seção de Itaituba ainda não analisou o caso.

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