Descriminalização do porte de drogas: o que pode mudar?

Foto mostra mão aberta com folhas de maconha - Danilo Verpa - 9.jan.2020/Folhapress
Da Revista Cenarium*

MANAUS – O Supremo Tribunal Federal (STF) pode retomar nesta quinta-feira, 1º, o julgamento de um recurso que pede a descriminalização da posse de drogas para uso pessoal, parado desde 2015 na corte. O processo não trata da venda de entorpecentes, que vai continuar ilegal independentemente do resultado no Supremo.

A ação, movida pela Defensoria Pública de São Paulo, pede que seja declarado inconstitucional o artigo 28 da lei 11.343/2 006 (Lei de Drogas), que considera crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo.

Defensores da descriminalização afirmam que o artigo viola direitos constitucionais como a privacidade de cada indivíduo. A legislação atual não impõe pena privativa de liberdade aos usuários, mas prevê a aplicação de medidas educativas e prestação de serviços à comunidade.

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O STF analisa o caso específico de um mecânico condenado pela posse de 3 gramas de maconha enquanto estava preso em 2009. O caso, no entanto, é apenas o terceiro item da pauta do plenário, o que significa que pode não ser apreciado no dia.

O julgamento, contudo, tem repercussão geral reconhecida, ou seja, caso o porte de drogas seja descriminalizado, poderá servir como instrumento para anulação de penas e como orientador de futuras decisões judiciais.

“O encaminhamento é que todos os juízes de 1º grau apliquem também”, afirma a desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo Ivana David.

A magistrada explica que, para não aplicar a jurisprudência, o juiz teria que demonstrar por meio de outras provas que o acusado não é mero usuário, ainda que tenha sido flagrado com pequena quantidade de droga.

A lei atual não estabelece critérios objetivos para distinguir usuários de traficantes, e estudos apontam aumento do encarceramento no Brasil desde a sua sanção. “Quando a lei não fixa critério quantitativo, o agente policial que faz o flagrante muitas vezes classifica usuário como traficante”, afirma o advogado criminalista Pierpaolo Bottini, autor do livro “Porte de Drogas para Uso Próprio e o STF”.

Pesquisa recente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada) feita com base em mais de 5.000 processos em tribunais de Justiça do país aponta que, se fossem adotados critérios quantitativos para definir o uso pessoal —até 25 g de maconha e 10 g de cocaína—, cerca de 30% dos réus seriam presumidos usuários.

Até agora, três ministros votaram a favor da descriminalização. O relator Gilmar Mendes foi favorável à descriminalização do porte de todas as drogas, enquanto Luís Roberto Barroso e Edson Fachin restringiram seus votos à maconha.

Barroso foi o único que defendeu a criação de parâmetros quantitativos para caracterizar o usuário. Em seu voto, o ministro sugeriu o limite de 25 gramas de maconha ou o cultivo de até seis plantas fêmeas para configurar uso pessoal.


Descriminalizar ou legalizar? Entenda diferença

  • Despenalizar: Conduta não deixa de ser crime, mas deixa de haver previsão de pena de prisão quando ela ocorre
  • Descriminalizar: Conduta não se torna legal, mas deixa de ser tratada como crime e pode ser objeto ou não de sanção administrativa
  • Legalizar: Conduta deixa de ser crime e passa a ser regulada por lei

O advogado Bottini defende que o julgamento seja abrangente e não se limite à maconha. “Em segundo lugar, é fundamental estabelecer parâmetro objetivo para tudo, ou pelo menos para as drogas mais comuns. Não estamos discutindo a legalização, mas afastando o uso [pessoal] do direito penal. É um passo modesto, mas que precisa ser dado”, defende o advogado.

A opinião é endossada por Renato Stanziola Vieira, presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), para quem a descriminalização é capaz de quebrar o ciclo do que classifica como hiperencarceramento.

“Hoje não há segurança em dizer que quem é preso com um cigarro de maconha é usuário ou traficante, e não há investigação séria sobre isso. Precisamos de critérios objetivos para disciplinar o uso próprio, assim não precisará mais ser tratado como crime”, diz Vieira.

Ainda segundo Vieira, a eventual descriminalização pelo STF poderá provocar o Congresso Nacional a legislar sobre o tema.

“Seja para maconha ou para outras drogas, precisamos de uma política que respeite o direito das pessoas de usarem as substâncias que bem entenderem, desde que não ofendam a saúde pública”, afirma.

A desembargadora Ivana David concorda e defende ainda a criação de outros critérios, para além da quantidade de drogas, que possam distinguir usuários de traficantes. “Como não existe uma lei que define condições e requisitos, o Judiciário deve enfrentar a questão.”

O que dizem as partes

Na expectativa da retomada do julgamento, Ministério Público de São Paulo e partes interessadas no processo enviaram manifestações ao STF.

A Promotoria afirmou que “a criminalização da posse de drogas para consumo pessoal é, no Brasil, no momento atual, um imperativo, se realmente se quiser enfrentar os graves problemas de saúde e de segurança públicas”.

O órgão é parte no processo do STF porque o debate gira em torno de um caso originário de São Paulo.

A Promotoria argumenta que a aquisição de substâncias psicoativas ilícitas pelo usuário é apenas o ato final de uma longa cadeia de delitos. Segundo o documento, assinado pelo procurador-geral de Justiça, Mário Luiz Sarrubbo, “a ausência de criminalização da última etapa da cadeia de comércio traria virtual desproteção” de direitos fundamentais e sociais.

A Defensoria Pública de São Paulo, a Pastoral Carcerária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a Conectas Direitos Humanos, a ABGTL (Associação Brasileira de Lésbicas Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexo) e a Iniciativa Negra Por Uma Nova Política de Drogas, por sua vez, enviaram manifestação conjunta ao STF para defender a descriminalização da posse de drogas para consumo.

Seus representantes afirmam que a escolha da via penal “não é legítima” nem “a mais eficaz” e, portanto, inconstitucional para tutelar o consumo pessoal de drogas.

“Embora a Lei nº 11.343/06 tenha sido criada na intenção de quebrar o paradigma repressivo e como tentativa de responsabilização proporcional das condutas, seus 17 anos de vigência tem demonstrado que, na prática, têm contribuiu para o encarceramento em massa, sobremodo, de pessoas negras e periféricas”, destacam.

(*) Com informações da Folhapress

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