DNA de indígenas do Acre e do Peru mostra miscigenação na Amazônia

Índígenas da etnia ashaninkas que habitam a reserva no município de Marechal Thaumaturgo, no Acre (Caio Guatelli - 21.no.10/Folhapress)
Da Revista Cenarium*

BRASÍLIA – Na cabeça da maioria das pessoas, a história profunda da Amazônia, antes da chegada dos europeus, muito provavelmente é imaginada como uma imensa pasmaceira. Pouca gente, poucas mudanças e um mato que não acabava mais teriam sido a tônica da região ao longo de milhares de anos. O DNA de uma única etnia amazônica, entretanto, é o suficiente para jogar por terra quaisquer resquícios dessa imagem.

A julgar pelo que revelam os dados de um novo estudo sobre o genoma dos ashaninkas, povo que pode ser encontrado tanto em aldeias no Acre quanto em várias comunidades na Amazônia peruana, o cenário real foi completamente diferente. O contato com outras etnias muito distintas, a mobilidade em escala continental e a mistura entre diferentes povos foi a regra, e não a exceção, ao longo de milhares de anos, revela a pesquisa.

O trabalho saiu recentemente no periódico científico Current Biology e foi liderado por Marco Rosario Capodiferro, da Universidade de Pavia, na Itália. Também participaram do estudo pesquisadores de outros países europeus e dos EUA, além de uma dupla de cientistas ligadas à Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Leonor Gusmão e Filipa Simão.

PUBLICIDADE
Dois indígenas da etnia ashaninkas que habitam a reserva no município de Marechal Thaumaturgo, no Acre
Índígenas da etnia ashaninkas que habitam a reserva no município de Marechal Thaumaturgo, no Acre – Caio Guatelli – 21.no.10/Folhapress

Entre os povos amazônicos, os ashaninkas se destacam pelo uso de longas vestes de algodão, as “kushmas”. O termo vem do quíchua, o idioma mais falado no antigo Império Inca. De fato, o contato com as poderosas civilizações dos Andes parece ter caracterizado em parte o passado dos ashaninkas, cujos assentamentos funcionavam como uma espécie de intermediários entre esses impérios e os grupos da Amazônia mais a leste, comerciando os produtos da floresta —que incluíam itens cobiçados, como penas de araras e peles de onças-pintadas— mas também resistindo ao avanço imperial.

Seria natural supor, portanto, que a etnia tivesse influências consideráveis dos povos andinos em sua composição genética, mas o cenário descortinado pelo estudo é muito mais complicado. Ao analisar o DNA de 51 ashaninkas do Peru, a equipe de cientistas descobriu, em primeiro lugar, que eles podem ser divididos em pelo menos duas subpopulações principais, com perfis genômicos significativamente distintos.

Um dos subgrupos, conforme o esperado, mostra mais elos com as populações dos Andes e da costa peruana, no litoral do Pacífico. Mas o outro apresenta afinidades maiores com indígenas da costa atlântica da América do Sul, como os ka’apor (que hoje vivem no Maranhão), e também com grupos da parte mais meridional do continente, chegando até a Argentina.

Líderes espirituais da tribo Huni Kui realizam cerimônia ao longo do rio Envira no estado do Acre. Muitos grupos indígenas, incluindo o Huni Kui, Ashaninka, e Madija que vivem em aldeias na floresta tropical brasileira, perto da fronteira com o Peru, pedem ajuda ao Governo e ONGs para controlar a invasão de grupos indígenas isolados, devido à exploração de madeira ilegal na região
Líderes espirituais da tribo Huni Kui realizam cerimônia ao longo do rio Envira no estado do Acre. Muitos grupos indígenas, incluindo o Huni Lunae Parracho/Reuters

Volto a frisar: trata-se de uma única etnia, em meio às centenas ou mesmo milhares que existiam antes da invasão europeia. O que me impressiona é como dados sobre essas sagas estão sendo produzidos pela ciência em ritmo cada vez maior nos últimos anos, como volta e meia conto neste espaço. Pense em quantas histórias ainda esperam para ser contadas. O passado jamais será como era antigamente.

(*) Com informações da Folhapress

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.