Documento mostra recomendação de Governo Bolsonaro para esconder problemas ambientais em evento internacional


06 de novembro de 2021
Incêndio consome árvores na Floresta Amazônica perto de Porto Velho, Rondônia (Edilson Dantas/17-9-2021/Agência O Globo)
Incêndio consome árvores na Floresta Amazônica perto de Porto Velho, Rondônia (Edilson Dantas/17-9-2021/Agência O Globo)

Com informações do Infoglobo

SÃO PAULO – A ExpoDubai, a maior feira mundial de atração de negócios e investimentos, é uma vitrine global. Mas o Brasil, que estará no evento dos Emirados Árabes Unidos, não deve ser um retrato tão fiel assim do País. Isso porque o governo federal, de acordo com um documento interno obtido pelo GLOBO, fez um esforço concentrado para esconder os retrocessos que o próprio governo praticou no meio ambiente. E a propaganda que acompanhará a equipe de Jair Bolsonaro, que chegará ao local no dia 14, vai ressaltar com vantagens pontos que, na verdade, são criticados, internamente, pelo presidente, como a ‘rigorosa’ legislação ambiental.

O Brasil sem desmatamento, sem poluição e com o respeito à legislação ambiental da propaganda oficial de Dubai é muito diferente do retratado no outro evento mundial que ocorre atualmente — e no qual Bolsonaro não foi para “não levar pedra”, nas palavras do vice-presidente Hamilton Mourão — a COP26. Mas esse é apenas um dos pontos distorcidos que o País terá no evento.

Apenas parte da realidade

Formulários enviados pelos ministérios para a produção de vídeos que serão apresentados pelo governo federal, na ExpoDubai, apontam que a propaganda, em grande medida, será apenas parte da realidade. A presença de Bolsonaro e de extensa comitiva de ministros é uma tentativa de reverter a má fama criada após imagens de queimadas e desmatamento na Amazônia rodarem o mundo nos últimos anos.

O documento interno revela que ministérios pediram para que alguns problemas fossem retirados das apresentações do governo brasileiro. Apesar disso, o governo deverá apresentar peças publicitárias com o slogan ‘Brasil junto pelo desenvolvimento sustentável’. Até mesmo um departamento do Ministério do Meio Ambiente admitiu que o tema ‘meio ambiente’ era sensível e com potencial de gerar crises.

Além disso, o governo também irá defender, no exterior, políticas que ele próprio critica dentro do Brasil. Aos estrangeiros, por exemplo, a comunicação brasileira irá valorizar as normas brasileiras para o meio ambiente, ponto de crítica recorrente do presidente Jair Bolsonaro “A legislação ambiental brasileira é das mais rigorosas do mundo, conciliando produção e conservação”, diz o documento.

Lives contra fiscalização

O presidente, porém, desde o início do mandato, reclama do número de multas ambientais aplicadas a produtores. Bolsonaro, inclusive, também já recebeu uma multa, antes do mandato, por pesca irregular. Em maio deste ano, Bolsonaro admitiu que esta consequência da lei era um problema e estava sendo aliviada:

“Os senhores também, no nosso governo, tiveram uma participação do Ibama e do ICMBio sem agressões, a quantidade de multa caiu bastante porque nós preferimos entrar pelo lado, primeiro, do aconselhamento, das observações. Em último caso, a questão das multagens. Isso diminuiu bastante no campo e trouxe mais paz e tranquilidade para o produtor rural”, discursou.

O governo também pediu para que sejam evitadas imagens em que são utilizados defensivos agrícolas e outros insumos na produção agropecuária. Na prática, entretanto, o governo flexibilizou o registro desses produtos.

O Ministério do Turismo, por exemplo, vai usar o evento como oportunidade de atrair turistas para o Brasil. Mas ao citar assuntos que podem gerar crises e que devem ser evitados nas projeções, a pasta, comandada por Gilson Machado, pediu para que sejam evitadas imagens que possam remeter ao desmatamento e incêndios na Amazônia e no Cerrado e à poluição e lixo no mar.

Segundo o documento, a campanha ‘Brasil para o Exterior’ irá focar em “fatos positivos sobre o índice de desmatamento”. Por exemplo, o governo irá dizer que: “lavoura e pecuária se integram com as florestas”. As recomendações dos ministérios, entretanto, demonstram a intenção de apresentar apenas os avanços e esconder os retrocessos do governo. Em sua recomendação sobre “temas sensíveis”, por exemplo , o Ministério da Economia admitiu que o crescimento do desmatamento causa grande repercussão internacional.

“Pode ser interessante dar destaque às medidas concretas de combate ao desmatamento, e também para a agenda ambiental que não envolva somente ‘florestas’”, diz o documento.

No entanto, a contradição entre o discurso do governo aos estrangeiros, em Dubai, e a preocupação em esconder os defeitos, não se restringe só ao meio ambiente. O documento obtido pelo GLOBO revela também que diversos temas sociais serão escondidos.

Turismo LGBT não

O Brasil dirá, por exemplo, que se orgulha de seus valores, respeita as diferenças e preza sua rica diversidade étnica. O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, entretanto, fez um pedido inusitado: evitar o conceito de “mulheres negras”. Segundo o governo, deve-se optar por conceitos mais amplos, como “mulheres”. Entre os “temas sensíveis”, a pasta também pediu para que sejam evitadas referências ao sistema de cotas, a feminismo, a direitos sexuais e reprodutivos, aborto, gênero e identidade de gênero.

A tentativa de aumentar o número de turistas também vai esconder problemas do País. A missão brasileira é valorizar o ecoturismo, mas a pasta citou entre os “temas sensíveis” a exploração sexual infantil, a violência, a falta de segurança e pessoas com pouca roupa em praias. A pasta, entretanto, também listou como tema a ser evitado no discurso nacional o turismo LGBT.

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