Documento mostra recomendação de Governo Bolsonaro para esconder problemas ambientais em evento internacional

Incêndio consome árvores na Floresta Amazônica perto de Porto Velho, Rondônia (Edilson Dantas/17-9-2021/Agência O Globo)
Com informações do Infoglobo

SÃO PAULO – A ExpoDubai, a maior feira mundial de atração de negócios e investimentos, é uma vitrine global. Mas o Brasil, que estará no evento dos Emirados Árabes Unidos, não deve ser um retrato tão fiel assim do País. Isso porque o governo federal, de acordo com um documento interno obtido pelo GLOBO, fez um esforço concentrado para esconder os retrocessos que o próprio governo praticou no meio ambiente. E a propaganda que acompanhará a equipe de Jair Bolsonaro, que chegará ao local no dia 14, vai ressaltar com vantagens pontos que, na verdade, são criticados, internamente, pelo presidente, como a ‘rigorosa’ legislação ambiental.

O Brasil sem desmatamento, sem poluição e com o respeito à legislação ambiental da propaganda oficial de Dubai é muito diferente do retratado no outro evento mundial que ocorre atualmente — e no qual Bolsonaro não foi para “não levar pedra”, nas palavras do vice-presidente Hamilton Mourão — a COP26. Mas esse é apenas um dos pontos distorcidos que o País terá no evento.

Apenas parte da realidade

Formulários enviados pelos ministérios para a produção de vídeos que serão apresentados pelo governo federal, na ExpoDubai, apontam que a propaganda, em grande medida, será apenas parte da realidade. A presença de Bolsonaro e de extensa comitiva de ministros é uma tentativa de reverter a má fama criada após imagens de queimadas e desmatamento na Amazônia rodarem o mundo nos últimos anos.

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O documento interno revela que ministérios pediram para que alguns problemas fossem retirados das apresentações do governo brasileiro. Apesar disso, o governo deverá apresentar peças publicitárias com o slogan ‘Brasil junto pelo desenvolvimento sustentável’. Até mesmo um departamento do Ministério do Meio Ambiente admitiu que o tema ‘meio ambiente’ era sensível e com potencial de gerar crises.

Além disso, o governo também irá defender, no exterior, políticas que ele próprio critica dentro do Brasil. Aos estrangeiros, por exemplo, a comunicação brasileira irá valorizar as normas brasileiras para o meio ambiente, ponto de crítica recorrente do presidente Jair Bolsonaro “A legislação ambiental brasileira é das mais rigorosas do mundo, conciliando produção e conservação”, diz o documento.

Lives contra fiscalização

O presidente, porém, desde o início do mandato, reclama do número de multas ambientais aplicadas a produtores. Bolsonaro, inclusive, também já recebeu uma multa, antes do mandato, por pesca irregular. Em maio deste ano, Bolsonaro admitiu que esta consequência da lei era um problema e estava sendo aliviada:

“Os senhores também, no nosso governo, tiveram uma participação do Ibama e do ICMBio sem agressões, a quantidade de multa caiu bastante porque nós preferimos entrar pelo lado, primeiro, do aconselhamento, das observações. Em último caso, a questão das multagens. Isso diminuiu bastante no campo e trouxe mais paz e tranquilidade para o produtor rural”, discursou.

O governo também pediu para que sejam evitadas imagens em que são utilizados defensivos agrícolas e outros insumos na produção agropecuária. Na prática, entretanto, o governo flexibilizou o registro desses produtos.

O Ministério do Turismo, por exemplo, vai usar o evento como oportunidade de atrair turistas para o Brasil. Mas ao citar assuntos que podem gerar crises e que devem ser evitados nas projeções, a pasta, comandada por Gilson Machado, pediu para que sejam evitadas imagens que possam remeter ao desmatamento e incêndios na Amazônia e no Cerrado e à poluição e lixo no mar.

Segundo o documento, a campanha ‘Brasil para o Exterior’ irá focar em “fatos positivos sobre o índice de desmatamento”. Por exemplo, o governo irá dizer que: “lavoura e pecuária se integram com as florestas”. As recomendações dos ministérios, entretanto, demonstram a intenção de apresentar apenas os avanços e esconder os retrocessos do governo. Em sua recomendação sobre “temas sensíveis”, por exemplo , o Ministério da Economia admitiu que o crescimento do desmatamento causa grande repercussão internacional.

“Pode ser interessante dar destaque às medidas concretas de combate ao desmatamento, e também para a agenda ambiental que não envolva somente ‘florestas’”, diz o documento.

No entanto, a contradição entre o discurso do governo aos estrangeiros, em Dubai, e a preocupação em esconder os defeitos, não se restringe só ao meio ambiente. O documento obtido pelo GLOBO revela também que diversos temas sociais serão escondidos.

Turismo LGBT não

O Brasil dirá, por exemplo, que se orgulha de seus valores, respeita as diferenças e preza sua rica diversidade étnica. O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, entretanto, fez um pedido inusitado: evitar o conceito de “mulheres negras”. Segundo o governo, deve-se optar por conceitos mais amplos, como “mulheres”. Entre os “temas sensíveis”, a pasta também pediu para que sejam evitadas referências ao sistema de cotas, a feminismo, a direitos sexuais e reprodutivos, aborto, gênero e identidade de gênero.

A tentativa de aumentar o número de turistas também vai esconder problemas do País. A missão brasileira é valorizar o ecoturismo, mas a pasta citou entre os “temas sensíveis” a exploração sexual infantil, a violência, a falta de segurança e pessoas com pouca roupa em praias. A pasta, entretanto, também listou como tema a ser evitado no discurso nacional o turismo LGBT.

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