Doença silenciosa: diabetes gestacional e o risco de diabetes tipo 2 após o parto

Exame para controle da glicose (Marcello Casal jr/Agência Brasil)
Da Revista Cenarium Amazônia*

MANAUS – Embora já atuasse no dia a dia em apoio a pessoas com diabetes, o diagnóstico em plena gravidez trouxe apreensão para a farmacêutica Ana Paula Miranda. “Quando me vi tendo que levar para casa tudo o que antes eu ensinava aos pacientes, como a insulina, foi um choque”, relata.

O diagnóstico de DMG (diabetes mellitus gestacional) veio no início do segundo trimestre de gestação. A partir daí, conta, acabou por aumentar os cuidados. Fez mudanças na alimentação, adotou controle da glicemia e passou a usar insulina após indicação médica.

“Depois que meu filho nasceu, a alteração passou. Até que, depois de três anos, veio o diagnóstico de diabetes tipo 2.”

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Mulher posa para foto mostrando uma seringa de insulina
A farmacêutica Ana Paula Miranda teve diabetes gestacional e, três anos depois, diabetes tipo 2 – Karime Xavier/Folhapress

Casos como o de Ana Paula têm sido comuns e levado mais médicos a buscarem informações de pacientes sobre o histórico da gestação. Isso ocorre devido ao risco maior, já demonstrado em estudos, de que parte das mulheres com diabetes gestacional desenvolva a doença de forma crônica —como o diabetes tipo 2— nos anos seguintes ao parto.

“O diabetes gestacional é o segundo fator de risco mais importante para desenvolver diabetes tipo 2. Só não é maior do que da obesidade grave. E esse risco aumenta de sete a oito vezes comparado com mulheres que não tiveram diabetes gestacional”, diz Maria Inês Schmidt, professora da faculdade de Medicina da UFRGS e que pesquisa o tema.

Teoricamente, o diabetes gestacional não é uma doença crônica. “Mas é uma população de muito alto risco para isso”, explica Patrícia Dualib, coordenadora do departamento de diabetes gestacional da Sociedade Brasileira de Diabetes. “Sabemos que, das mulheres com diabetes gestacional, 50% vão estar diabéticas cinco anos depois.”

Atualmente, a prevalência de diabetes gestacional no país é estimada em cerca de 18%, ou uma a cada seis gestações, taxa que cresceu nos últimos anos.

Dados do Ministério da Saúde também mostram aumento nos registros de internações relacionadas ao DMG no país —de 27.594, em 2018, para 46.508, em 2022.

Especialistas atribuem o aumento na prevalência a diferentes fatores. O primeiro deles é uma mudança no critério de diagnóstico, o qual se tornou mais amplo em 2017 e passou a ser absorvido com mais força nos anos recentes.

Outro é uma melhoria no acompanhamento, com aumento no número de consultas de pré-natal realizadas no SUS e, também, no registro de pacientes atendidas.

O terceiro e o quarto aspectos são o aumento na idade materna ao engravidar e o avanço da obesidade no país —este último fator de risco para diabetes em geral, o que inclui também um de seus tipos: o gestacional.

“Não tenho dúvida de que a mudança no diagnóstico tem reflexo. Mas também houve mudança na característica da população. Mulheres estão engravidando um pouco mais tarde e com algumas outras complicações crônicas, como obesidade, tabagismo e vida sedentária”, diz Belmiro Gonçalves Pereira, da comissão de hiperglicemia na gestação na Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).

Segundo ele, antes da mudança no critério, impulsionada por recomendação da Organização Mundial da Saúde, o Brasil já chegou a recomendar exames para diabetes gestacional apenas em mulheres com alguns fatores de risco. Exames também já tiveram parâmetros mais restritos.

Atualmente, as diretrizes para diagnóstico de DMG no país preveem rastreio da doença logo na primeira consulta de pré-natal de cada gestante, por meio de pedido de exame de glicemia em jejum.

Caso o valor fique igual ou acima de 92 mg/dL, é considerado diabetes gestacional. Já se ficar igual ou acima de 126 mg/dL, há diabetes provavelmente anterior à gestação, mas que tinha sido diagnosticado.

Outro momento de rastreio de diabetes ocorre no segundo trimestre, quando o avanço da gestação também pode levar a uma resistência maior à insulina, hormônio que regula as taxas de açúcar no sangue.

Neste caso, mulheres que não tiveram alterações no exame anterior devem fazer, entre 24 e 28 semanas, um exame de curva glicêmica ou tolerância à glicose —feito por meio da ingestão de líquido com 75g de glicose e coleta de sangue para medir a glicemia em diferentes intervalos.

“Se tiver um ponto alterado na curva, que é glicemia acima de 92 mg/dL em jejum ou acima de 180 mg/dL na primeira hora e de 153 mg/dL na segunda hora, é diabetes gestacional”, explica Dualib. Caso não haja disponibilidade desse exame, mulheres podem fazer uma nova glicemia em jejum, afirma.

Ainda segundo os especialistas, o tratamento inclui principalmente mudanças na alimentação e prática de atividade física (para aquelas sem contraindicações).

“Isso dentro da capacidade de cada gestante. Claro que, para uma pessoa sedentária, não é o momento de se tornar atleta. Mas se fizer uma caminhada, já melhora bastante o perfil metabólico”, explica a endocrinologista Lenita Zajdenverg, coordenadora do serviço de diabetes e gravidez da maternidade-escola da UFRJ.

O mesmo vale para a alimentação. “Não é hora de perder peso, mas de fazer escolhas saudáveis, evitando alimentos com teor de gordura excessivo, ultraprocessados e excesso de carboidrato”, completa ela, lembrando que o acompanhamento da glicemia em casa também é indicado.

A boa notícia é que cerca de 70% das mulheres conseguem fazer o controle do diabetes gestacional apenas com essas medidas. As demais podem precisar de medicamentos. Nesse caso, a primeira linha de tratamento é a insulina, que não passa para o bebê.

Para Maria Inês Schmidt, a adesão ao tratamento é fundamental para evitar riscos do diabetes gestacional, que variam para mãe e bebê. “Há os riscos mais associados à mãe, que tem tendência a desenvolver estados hipertensivos na gravidez [como pré-eclâmpsia] e tem risco de desenvolver diabetes e doenças cardiovasculares no futuro.”

Já para o bebê, os riscos incluem macrossomia [peso acima de 4 kg], parto prematuro e complicações ao nascer, como hipoglicemia e problemas respiratórios. “Por isso, no pós-parto imediato, precisa de um acompanhamento diferenciado”, diz Dualib, da SBD.

Ainda segundo os especialistas, por conta desses riscos, o acompanhamento no pré-natal de diabetes gestacional também pode incluir mais consultas ou exames.

“Mas é preciso desmistificar que toda e qualquer mulher com diabetes gestacional vai precisar necessariamente de acompanhamento especializado”, afirma Mônica Reis, coordenadora de atenção à saúde da mulher do Ministério da Saúde. “O especialista vai ajudar aquelas que vão precisar de medicamentos.”

Para as demais, equipes de atenção básica bem estruturadas podem seguir com o acompanhamento, afirma.

A orientação, porém, esbarra em dificuldades. Dados do Previne Brasil, levantados pela plataforma Impulso.gov, mostram que, apesar de melhora nos últimos anos, 24% dos municípios ainda não cumprem a meta de realizar ao menos seis consultas de pré-natal. Segundo Reis, a pasta vem atuando para melhorar os índices, mas ainda há desafios.

Acompanhamento precisa ser mantido após o parto

Outra dificuldade é o acompanhamento após a gestação. Em geral, as taxas de glicemia voltam ao normal após o nascimento do bebê para boa parte das mulheres. Mas é preciso novos exames para reclassificar o diagnóstico.

Atualmente, as diretrizes recomendam que seja feito novo teste de tolerância à glicose seis semanas após o parto. Boa parte das mulheres, no entanto, não retorna para esse exame.

A estimativa é que a taxa de ausência fique em torno de 50% em ambulatórios especializados —o que, na prática, indica que o total pode ser muito maior no restante da rede. “Dependendo do contexto, chega a 70%”, diz Schmidt.

Segundo Belmiro Pereira, da Febrasgo, entre as mulheres que retornam, “13% a 15% permanecem com algum grau de alteração glicêmica”. “Essas não me preocupam, porque sei que vão ser acompanhadas. O que me preocupa são aquelas que não vêm ou que dão [nível] normal.”

Isso porque a situação pode levar a outra dificuldade: o acompanhamento anual da glicemia.

Foi assim que Ana Paula descobriu diabetes tipo 2 três anos depois do diabetes gestacional. “Não tive nenhum sinal ou sintoma. Só descobri por meio de exames de rotina.”

Exercícios e prevenção

Nesse sentido, estudos recentes já demonstram a importância de manter dieta saudável e exercícios como forma de prevenir ou retardar o aparecimento de diabetes tipo 2 após o diabetes gestacional.

“Reduzir os alimentos ultraprocessados e aumentar atividade física são fundamentais. O problema é esse: no pós-parto, a mãe está superocupada e acaba comendo biscoito, salgadinho, toma suco artificial. E aí vem o aumento de peso”, diz Schmidt.

“E o grande problema é que, com o aumento de peso no pós-parto e sedentarismo, o diabetes tipo 2 retorna, e em taxas elevadas.”

Outro fator de atenção é o risco maior de doenças cardiovasculares —o que já aparece até para mulheres com níveis normais de glicose após a gestação, dizem especialistas.

“É um sinal de alerta de que, mesmo com a glicose normalizando, tem que manter uma vida saudável e acompanhamento para prevenção de doenças futuras”, diz Lenita Zajdenverg.

(*) Com informações da Folhapress

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