Economia circular: um novo caminho para sustentabilidade

Em Manaus, apenas 2,2% de todo o lixo gerado é reciclado (Reprodução/Internet)
Inaldo Seixa – Especial para Revista Cenarium**

MANAUS – Já faz algum tempo que os cientistas chamam a atenção sobre as consequências do progresso humano baseado unicamente na expansão do crescimento econômico, intensificado a partir da segunda metade do século 20. Eventos climáticos cada vez mais extremos colocam em “xeque-mate” a continuidade e a extensão deste avanço.

O crescimento econômico tem repousado no uso insustentável de recursos não renováveis, na destruição da diversidade biológica e na emissão de gases de efeito estufa, que aceleraram as mudanças climáticas globais.

O que se tem observado nesse modelo de crescimento, é que o consumo por pessoa só aumenta, principalmente nos países mais desenvolvidos. A felicidade e o bem estar acabou se tornando sinônimo de consumo. Recentemente a Organização das Nações Unidas (ONU) publicou que acabamos de chegar a cifra de 8 bilhões de habitantes, aumentando ainda mais a pressão sobre os recursos naturais.

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O Brasil é o 4º maior produtor de lixo do mundo. Isso porque não separamos nem reciclamos a maior parte do que é produzido. Segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), dos 80 milhões de toneladas de lixo gerados por ano, apenas 4% são reciclados. Na cidade de Manaus a situação é ainda pior, apenas 2,2% de todo o lixo gerado na capital é reciclado, conforme dados apresentados pela Secretaria Municipal de Limpeza Pública (Semulsp).

Diariamente, 27 toneladas de lixo são retiradas dos igarapés de Manaus. Grande parte desse material poderia ser reciclado. Alguns dos materiais utilizados no nosso cotidiano demoram centenas de anos para se decompor na natureza, como o plástico e o vidro. Uma garrafa de plástico leva mais de 400 e o vidro mais de mil anos para desaparecerem.

O mundo passa por uma grande mudança no padrão de consumo. A produção de embalagens e produtos descartáveis cresceu significativamente. Adquirir um sapato, por exemplo, significa usar três embalagens para um único produto. Um papel que envolve o sapato, uma caixa para embalagem e uma sacola de plástico ou de papelão para transportá-lo até a casa.

Repensar reciclar, reutilizar e reduzir, conhecidos como os 4 R’s, ou 4 Pilares da Sustentabilidade, surgiram durante a Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente, realizada no ano de 1992, no Rio de Janeiro, popularmente conhecida como a Rio 92, com o objetivo de combinar a proteção do meio ambiente com a eficiência econômica, por meio de mudanças nos hábitos de consumo.

O advento da economia circular, que preconiza o crescimento econômico desconectado da exploração de recursos naturais, com reaproveitamento de insumos e mínimo de desperdício, coloca o tema dos resíduos urbanos no centro do debate.

Questões cada vez mais candentes como a provisão de água e energia, biodiversidade, redução de gases de efeito estufa (GEE), qualidade de vida nas cidades e redução das desigualdades, dá à gestão do lixo um protagonismo ainda maior.

Estudos feitos por pesquisadores da Frankilin Associates mostram, por exemplo, que, quando reciclado, o uso de Politereftalato de Etileno, plástico utilizado para produção das garrafas PET, pode reduzir pela metade as emissões de GEE em comparação com o plástico virgem.

A prática da reciclagem também tem impacto na formação das futuras gerações. É importante que as crianças sejam educadas e cresçam em um ambiente em que isso seja algo comum. Dessa forma, é preciso investir em ações que promovam uma mudança de hábitos na sociedade, por meio de uma educação transformadora.

A reciclagem também contribui para a geração de empregos e de renda, principalmente para a população mais pobre. A coleta do material reciclado pode ser feita de várias formas: pela Prefeitura, por empresas privadas ou por cooperativas de catadores.

No Brasil, existem cerca de 800 mil catadores e catadoras, onde cerca de 70% são mulheres, de acordo com o Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável (MNCR). São trabalhadores e trabalhadoras responsáveis pela coleta de cerca de 90% de tudo o que é reciclado hoje no país, porém 75% dos ganhos do setor são majoritariamente destinados às indústrias.

Segundo o Compromisso Empresarial para Reciclagem (CEMPRE), a gestão integrada dos resíduos urbanos, incluindo a logística reversa de embalagens realizada pelas empresas conforme prevê a legislação, representa uma nova frente de oportunidades no contexto da economia verde. Cada vez mais a redução e a maior eficiência do uso de recursos do planeta são incorporadas pelos negócios como forma de diminuir riscos e garantir sustentabilidade – econômica, ambiental e social.

O desenvolvimento do mercado de reciclagem, com a consolidação de indústrias capazes de receber e transformar a maior quantidade de materiais que está sendo processada nas cooperativas de catadores e outros agentes da cadeia é algo que se mostra imperioso. O desafio requer políticas públicas, justiça tributária e segurança jurídica para novos investimentos em inovação e na infraestrutura do parque reciclador.

Na cidade dos Ajuricabas, mesmo que timidamente, foram adotadas algumas medidas legislativas para desincentivar o uso de sacolas e canudinhos de plásticos. Ações ainda insuficientes.  Para diminuir o volumem de resíduos nos igarapés da cidade, é preciso, entre outras ações, a introduzir um sistema de recolhida seletiva dos resíduos, com contendores para cada tipo de lixo descartado, iniciando pelos bairros próximos aos igarapés.

Utilizar os recursos abundantes da área de comunicação para realização de campanhas educativas é outra ação que se pode fazer desde a municipalidade, inclusive, fazendo-se valer das escolas da rede pública e privada, para promover hábitos de destinação correta do lixo.

Hipocrisias à parte, é preciso regulamentar uma taxa de lixo, já prevista no novo Marco Legal de Saneamento Básico, lei 14.026/2020, para viabilizar o novo sistema de coleta e destinação dos resíduos. Parte da arrecadação com a nova tarifa deve contemplar pagamento aos catadores, pelos serviços prestados à sociedade. É uma forma de complementar a renda desses trabalhadores, na sua grande maioria, constituído por mulheres, que não conseguem, só com a venda do lixo, obter renda necessária para uma vida digna.

De maneira geral, verifica-se que há uma maior preocupação da sociedade manauara com a questão ambiental. A responsabilidade é de todos. No entanto, a responsabilidade maior é do poder publico municipal à ausência de consciência ambiental na cidade, por exemplo, com o descarte correto dos resíduos sólidos, com o consumo responsável e a separação do lixo para a realização de coleta seletiva.

Ainda sou daqueles antigos moradores de Manaus que, em dias calorosos, gostava de desfrutar do lazer de um banho refrescante, no Parque 10, no Tarumã (zinho) ou na Ponte da Bolívia, tradicionais balneários da cidade, de águas limpas e cristalinas, que não existem mais.

Depois de ter sido testemunha da recuperação do valor como espaços públicos do território metropolitano de Barcelona na Espanha dos rios Besós e Llobregat, poluídos pela indústria têxtil daquela região, cultivo a esperança de algum dia ver recuperados alguns dos igarapés da cidade, como espaços de lazer, democráticos e de baixo custo pra seus cidadãos. É um sonho compartido com muitos colegas de infância que “pulavam” deliciosamente nas águas negras do Igarapé do Quarenta.

(*) Inaldo Seixas Cruz é economista especialista em crescimento e desenvolvimento econômico e economia internacional, além de membro do Conselho Regional de Economia do Amazonas (Corecon-AM).
(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.
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