Empreendedorismo marca nova fase da vida de refugiados venezuelanos


20 de junho de 2024
Família da empreendedora Maxiel  (Composição Paulo Dutra/Cenarium)
Família da empreendedora Maxiel (Composição Paulo Dutra/Cenarium)

Bruna Cássia Alves – Da Cenarium

BOA VISTA (RR) – Em 2020, a então professora venezuelana Maxiel Sarai Cana Albuquerque, de 43 anos, decidiu deixar o país natal e migrar com a família para o Brasil após se deparar com dificuldades para se sustentar na Venezuela, em meio à crise econômica no país vizinho. Ela, o filho Luciano Isaac Bellorin Cana, e o marido Luciano de Jesus Bellorin Leon, que também era professor, deixaram a cidade de Maturín no Estado de Monagas, e percorreram 799 quilômetros até o município de Pacaraima, localizado no Norte de Roraima, que faz a fronteira com a Venezuela.

Após entrar em território brasileiro, foram mais 203 quilômetros até a capital de Roraima, Boa Vista, onde se estabeleceram.

Para nós foram tempos difíceis porque eu e meu marido éramos professores e nosso salário não era o suficiente para nos manter e custear a nossa alimentação. Na época, era uma situação insustentável porque, como pais, queríamos dar o melhor para o nosso filho. Então nos afetava muito ver ele passar por escassez”, relembrou Maxiel.

O Relatório Mundial 2023 do Human Rights Watch apontou que mais de 7 milhões de venezuelanos deixaram o país, representando uma das maiores crises migratórias do mundo, que ocorreu após o colapso econômico. Além disso, dados da Operação Acolhida mostram que 63.833 venezuelanos atravessaram a fronteira em 2024, entre os meses de janeiro e abril.

Maxiel, Luciano Isaac e Luciano de Jesus foram algumas dessas pessoas. Eles optaram por ficar no Brasil e buscaram meios de sobrevivência. Conforme explicou, viram no estado de Roraima uma gama de oportunidades para dar uma vida melhor ao filho.

O Brasil tem sido uma benção! É um país de novas oportunidades e muito aprendizado. Tem pessoas ruins, como em todo lugar, mas também tem muitas pessoas que nos acolhem com amor e respeito. Estamos aproveitando cada oportunidade que aparece para crescer a cada dia e temos contado com muitas pessoas para esse crescimento”, pontuou a professora sobre casos de xenofobia.

Maxiel iniciou a busca por emprego e uma das ideias que teve foi a de empreender. Com isso, iniciou cursos de gastronomia e resolveu apostar no ramo alimentício. Em 2021, ela se formou no curso de empreendedorismo por meio da Organização Sem Fins Lucrativos (ONG) “Fé e Alegria”, que atua em Roraima prestando apoio e acolhimento de imigrantes. Depois disso, ela começou a produção de sucos e salgados para vender e fidelizou clientes.

No ano seguinte, em 2022, a já empreendedora se especializou em produção de bolos personalizados após nova formação nos cursos de salgadeira e auxiliar de confeitaria no Serviço Nacional de Aprendizagem em Roraima (Senac/RR). Desde então, Maxiel vende bolos e salgados por encomendas e já conseguiu melhorar a renda financeira por meio do empreendedorismo.

A rotina da empreendedora consiste em produzir os bolos e/ou salgados pela noite e trabalhar como assistente nas Lojas Bemol pela manhã. Já o marido trabalha como professor de Inglês no Instituto Yázigi e o filho estuda atualmente no 9º ano na Rede Pública Estadual de Ensino.

Maxiel Sarai Cana Albuquerque vende bolos personalizados desde 2022 em Boa Vista (Arquivo pessoal)

A vida da minha família mudou muito. A princípio, eu não tinha nenhuma ferramenta para trabalhar e ainda vendia tudo a baixo custo, em busca de ganhar reconhecimento das pessoas. Mas aos poucos, consegui comprar equipamentos para melhorar o meu trabalho como batedeira, forno, freezer, bandejas, panelas e outros. Outra melhoria que nos ocorreu foi a de moradia. Antes, vivíamos em um apartamento pequeno e quase não tinha espaço para trabalhar, e agora estamos morando em um espaço mais amplo em que consigo trabalhar com comodidade”, detalhou.

Para ajudar pessoas que passam pelas mesmas coisas que Maxiel e Luciano de Jesus passaram, o casal atua como missionários na igreja Presbiteriana Renovada e realizam o acolhimento e orientação de venezuelanos recém-chegados à capital Boa Vista. O filho, Luciano Issac, participa da banda da escola e estuda inglês. Maxiel reforçou que é possível dar a volta por cima e recomeçar a vida de forma positiva, mesmo diante da situação avassaladora que enfrentaram na Venezuela.

Índice de empreendedores refugiados em Roraima

A empreendedora Maxiel Sarai Cana Albuquerque, de 43 anos, é uma das mais de 2 mil empreendedoras registradas em Roraima. Dados da Junta Comercial do Estado de Roraima (Jucerr) apontam que em uma década, 2.796 empresas foram abertas por imigrantes venezuelanos na condição de refugiados. Desse total, 2.346 seguem com empresas atualmente.

Para a empreendedora, a palavra que define a trajetória dela nesses quatro anos vivendo no Brasil é crescimento. “Lembro que meu esposo fez trabalhos de pedreiro e em lava-jatos. Agora já pode exercer a profissão de formação. Acredito que cresci muito porque aprendi muitas coisas que têm me ajudado a continuar e não desistir. Empreender não é fácil, mas não é impossível“, concluiu.

Leia Mais: Venezuelanos são resgatados por trabalho análogo à escravidão em instituição religiosa
Editado por Jadson Lima

O que você achou deste conteúdo?

VOLTAR PARA O TOPO