Entenda função do comitê contra tortura, alvo de polêmica envolvendo esposa de ‘Tio Patinhas’

(Freepik)
Jefferson Ramos – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – Nas últimas semanas, o Comitê de Prevenção e Combate à Tortura do Amazonas (CEPCT-AM) ocupou as manchetes nacionais por conta da viagem a Brasília de Luciane Barbosa Farias, mulher de Clemilson dos Santos Farias, conhecido como “Tio Patinhas”, líder de facção no Amazonas, para encontro nacional de comitês contra tortura.

A viagem foi custeada pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. O Ministério confirmou o pagamento, mas informou que liberou a passagem por indicação do comitê do Amazonas. Desde então, o CEPCT-AM virou alvo de críticos da agenda de direitos humanos.

Luciane Farias no Encontro Nacional de Comitês de Combate e Prevenção à Tortura, em Brasília (Foto: Reprodução / Redes Sociais)

A presidente do órgão que integra a estrutura da Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc), advogada Natividade Maia, explicou à REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA que a existência do comitê é baseada em tratados internacionais de direitos humanos que o Brasil é signatário. Os comitês são instalados em todas unidades da federação com trabalho reconhecido, inclusive pela Organização das Nações Unidas (ONU).

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Fachada da Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Divulgação)

Natividade enfatiza que o comitê contra tortura visa garantir a dignidade da pessoa humana, um princípio fundamental da Constituição brasileira. Segundo ela, o comitê não tem a prerrogativa de inspecionar presídios, mas a maioria das denúncias recebidas envolve torturas em presídios e durante abordagens policiais.

Dignidade humana

“As unidades prisionais são os locais de onde se originam as denúncias de tortura, maus-tratos, tratamento desumano e degradante, mas esses comportamentos aviltantes da dignidade humana são praticados em todos os lugares, por agentes públicos e particulares. Muitas denúncias nos chegam contra policiais militares por ocasião da prisão em flagrante em que torturam para obterem confissão da pessoa com uma técnica chamada afogamento a seco que não deixa vestígios visíveis”, descreve Natividade sobre as denúncias.

Presidente do CEPCT-AM, advogada Natividade Maia (Arquivo pessoal)

Na prática, a função do comitê se limita a receber denúncias de tortura e as encaminha aos órgãos competentes para investigação. Também é competência acompanhar, avaliar, subsidiar a execução do Plano Estadual de Prevenção e Combate à Tortura no Amazonas.

Podemos propor projetos de cooperação técnica entre o Estado do Amazonas e organismos nacionais e internacionais relativos à prevenção, combate e erradicação da tortura no Estado, entre outras coisas (…) O CEPCT-AM, pelo Decreto deveria ser composto por 25 membros, sendo 12 membros da sociedade vivil e 12 membros do Governo e a OAB/AM, todavia, desde sua criação em 2016, as vagas da sociedade civil nunca foram preenchidas em sua totalidade, ou seja, sempre houve um desequilíbrio representativo dentro do comitê”, adicionou.

Discordância

Por discordância entre o Governo do Amazonas e o CEPCT-AM, o projeto de lei que cria o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Estado (MEPCT-AM) está parado desde 11 de dezembro de 2020. O Plano Estadual de Prevenção e Combate à Tortura no Amazonas prevê a criação do mecanismo.

O governo e o comitê estadual discordam da nomenclatura do cargo dado pelo CEPCT, autonomia orçamentária e funcional pleiteada pelo comitê, e mais recentemente da quantidade de cargos que comporão a estrutura do mecanismo estadual.

Processo seletivo para organizações integrarem o CEPCT-AM (Lincoln Ferreira/Sejusc)

O MEPCT-AM terá acesso livre aos estabelecimentos prisionais do Estado para realizar inspeções sem prévio agendamento. Hoje, o comitê estadual não tem essa prerrogativa, só pode entrar em prisões se houver permissão ou convite da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) e com agendamento prévio.

Descredibilizar

Na avaliação da presidente do CEPCT-AM, há uma tentativa de descredibilizar a instituição por causa da viagem de Luciane Barbosa. Para ela, a abordagem visa transferir a conduta de um presidiário para seus familiares. No episódio, ela ainda visualiza a violação da presunção de inocência de Luciane “sob aplausos” de pessoas com conhecimento jurídico.

“Quando a instituição desta senhora se habilitou a uma vaga, todos os documentos exigidos foram entregues e o dos membros indicados também e, ao que nos consta, o acórdão que modificou a sentença que a absolveu foi publicado mais de 01 (um) mês depois de concluída a homologação das instituições escolhidas”, continua.

“Então, as pessoas falam, e o princípio da moralidade administrativa? Então, eu volto a perguntar? É imoral um familiar de preso participar dos espaços políticos que dialogam sobre interesse legítimo da situação carcerária? A moralidade pública seria bem-vinda se o Estado não permitisse a tortura, o tratamento desumano, degradante e cruel dentro dos cárceres. Ninguém se importa com essa falha na moralidade pública”, rebateu Natividade Maia.

A indicação de Luciane Barbosa Farias, como membro do Comitê Estadual, foi feita pelo Instituto Liberdade do Amazonas, segundo o Governo do Estado. O Governo do Amazonas afirmou que Luciane Barbosa não tinha “legitimidade” para participar dos eventos em Brasília. Luciane não assumiu como membro da entidade.

Leia o regimento interno e o projeto de lei que criou o CEPCT-AM:
Leia mais: MP-AM investiga eleição de Luciane Barbosa, esposa de líder de facção, em comitê do AM
Revisado por Adriana Gonzaga
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