Entidade que representa povos indígenas de RR relata preocupação com estudo que aponta contaminação de peixes no Estado

O peixe tambaqui é uma das espécies mais consumidas na Região Amazônica (Reprodução)
Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium

BOA VISTA – Na semana em que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgou um estudo que mostra que o peixe consumido pela população de Roraima apresenta concentrações de mercúrio maiores ou iguais ao limite estabelecido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), nesta sexta-feira, 26, o Conselho Indigenista de Roraima (CIR) manifestou preocupação sobre a alta contaminação dos peixes.

O estudo foi desenvolvido em quatro pontos da Bacia dos Rios Branco, Mucajaí e Uraricoera. Esse aumento de mercúrio, na água e no pescado, segundo pesquisadores, tem a ver com o garimpo ilegal na maior terra indígena do Brasil, a Yanomami. As amostras coletadas entre 27 de fevereiro e 6 de março de 2021 revelaram índices altos de contaminação, em trecho do Rio Branco, na cidade de Boa Vista (25,5%), Baixo Rio Branco (45%), Rio Mucajaí (53%) e Rio Uraricoera (57%).

Durante o trabalho de campo, foram coletados 75 espécimes de peixes, de 20 espécies diferentes e quatro níveis tróficos (herbívoro, onívoro, detritívoro e carnívoro). No Rio Uraricoera, dentro da reserva indígena, o nível de mercúrio nas amostras coletadas confirma a contaminação do pescado. De acordo com os dados divulgados, de cada 10 peixes coletados, seis apresentaram níveis de mercúrio acima dos limites estipulados pela OMS.

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O Conselho Indígena de Roraima (CIR) é uma organização indígena representativa de 261 comunidades indígenas dos povos Macuxi, Wapichana, Taurepang, Ingariko, Patamona, Wai Wai, Sapará, Yanomami.

Preocupação

Em nota enviada à imprensa, o CIR afirma que o estudo comprova o que as lideranças indígenas vêm denunciando há anos, sobre os impactos ambientais do garimpo ilegal na TI Yanomami. A contaminação dos peixes coloca em risco a saúde coletiva da população roraimense, principalmente, dos povos indígenas e ribeirinhos que dependem dos peixes para alimentação e comercialização, além de provocar danos irreparáveis ao ecossistema, com a presença de materiais poluentes.

“A poluição pode estar contaminando também os afluentes destes rios. Os povos Yanomami já sentem os impactos da contaminação do garimpo ilegal, com a destruição e despejo do mercúrio no rio Uraricoera. Citamos algumas das terras indígenas que são diretamente atingidas pela contaminação: Pium, Anta, Barata Livramento, Aracá, Aningal, Ouro, entre outros. O mercúrio é o principal material utilizado por garimpeiros para extração de ouro na TI Yanomami”, afirma a nota.

Responsabilidade

O Conselho Indigenista de Roraima aponta, ainda, que o governo federal e o Estado de Roraima são responsáveis pela poluição dos rios. Segundo a entidade, nos últimos três anos, tanto o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), quanto o governador de Roraima, Antonio Denarium (Progressistas), têm defendido atividades de exploração mineral em terras indígenas, apoiando movimentos de garimpeiros que desafiam os órgãos de fiscalização e proteção ambiental.

“No início do ano de 2021, o então governador sancionou a Lei N° 1.453/2021, sobre o licenciamento para a atividade de lavra garimpeira, em Roraima, e permitia uso de mercúrio, sendo, posteriormente, declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).  E, recentemente, o governador, Antonio Denarium sancionou lei que proíbe destruição de equipamentos do garimpo ilegal. Essas medidas do governo têm incentivado e fortalecido atividades criminosas de garimpeiros em terras indígenas”, destacou no comunicado.

Por fim, diante da gravidade e dos impactos socioambientais que estão provocando na vida dos povos indígenas, o CIR reitera os pedidos para que os órgãos competentes continuem com ações de fiscalização para retirada de garimpeiros das terras indígenas, e tomem medidas judiciais e administrativas contra os principais financiadores do garimpo ilegal. “SOS, Salve nossos rios! Fora garimpo!”, finaliza a nota.

Garimpo no rio Mucajaí, Alto Mucajaí, Terra Indígena Yanomami
Garimpo no Rio Mucajaí, Terra Indígena Yanomami: 53% das amostras de peixes coletadas mostraram contaminação por mercúrio (Bruno Kelly/HAY)

Amostras de peixe em Boa Vista

Já as amostras de peixes compradas próximas à capital, Boa Vista, a cada 10 peixes coletados, aproximadamente, dois não eram seguros para consumo. Ou seja, mesmo distantes da Terra Indígena Yanomami, e apesar de em proporção menor, os habitantes de Boa Vista não estão livres dos impactos do mercúrio utilizado no garimpo ilegal.

“Peixes como piranha, surubim, tucunaré e pirarucu são peixes carnívoros que se alimentam de outros peixes e possuem nível de mercúrio mais altos do que os demais. No nosso estudo, o peixe que mais apresentou nível de contaminação foi o Coroatai, ele apresentou nível médio de contaminação por mercúrio, na ordem de 2 microgramas de mercúrio para cada grama de tecido muscular”, explicou o pesquisador.

Garimpo no rio Uraricoera, Terra Indígena Yanomami
Garimpo no Uraricoera, Terra Indígena Yanomami. Peixes coletados na região mostraram maior índice de contaminação por mercúrio (Bruno Kelly/HAY)

Recomendações

No final do estudo, os pesquisadores recomendam uma série de iniciativa para que as autoridades públicas estabeleçam a elaboração de mecanismos de proteção financeira ao setor pesqueiro, com o intuito de evitar que pescadores artesanais sejam impactados, economicamente, pela restrição ao consumo de diversas espécies de peixes contaminados.

Interromper, imediatamente, as atividades ilegais de garimpo, nas terras indígenas de Roraima, e retirar os invasores das terras da União. Elaborar um plano de descontinuidade do uso de mercúrio na mineração de ouro, no Brasil, para atender as diretrizes da Convenção de Minamata (2013) e estruturar um Plano de Manejo de Risco (PMR) para as populações cronicamente expostas ao mercúrio.

Segundo o estudo, 45% do mercúrio usado em garimpos ilegais para extração de ouro é despejado em rios e igarapés da Amazônia, sem qualquer tratamento ou cuidado. O mercúrio liberado, de forma indiscriminada, no meio ambiente pode permanecer por até cem anos, em diferentes compartimentos ambientais, e pode provocar diversas doenças em pessoas e em animais.

Nas crianças, os problemas podem começar na gravidez. Se os níveis de contaminação forem muito elevados, pode haver abortamentos ou o diagnóstico de paralisia cerebral, deformidades e malformação congênita. Os menores também podem desenvolver limitações na fala e na mobilidade. Na maioria das vezes, as lesões são irreversíveis, provocando impactos na vida adulta.

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