Entre comemorações e reflexões, o Dia Internacional da Mulher é, antes de tudo, um ato político

Tem sido longo o caminho percorrido pelas mulheres objetivando o alcance de equidade de direitos como educação, trabalho e cidadania, os quais, histórica, mas, erroneamente, foram considerados como próprios dos homens.

Há bem menos de cem anos, a sociedade regida pela dominação masculina reservava às mulheres como objetivo de vida, casar, ter filhos e cuidar do ambiente doméstico. No entanto, a mulher jamais se contentou com essa condição e, nos últimos dois séculos, foram muitas as transformações e conquistas na vida das mulheres.

Direitos elementares como caminhar desacompanhada na rua, frequentar escolas, votar e ser votada, trabalhar fora de casa, divorciar-se e até jogar futebol (proibido para elas até 1979), são direitos alcançados por pura subversão e teimosia das mulheres, que nunca se conformaram com o papel de subalternidade e submissão impostos por uma sociedade estruturada para privilegiar o masculino.

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Mais recentemente, muito outros direitos foram alcançados, dentre os quais a criação da primeira delegacia da mulher (hoje são muitas); o reconhecimento da igualdade entre homens e mulheres no texto constitucional de 1988; a aprovação de várias leis de proteção à mulher (Lei Maria da Penha, Lei do Feminicídio; da Importunação sexual; de Combate à violência política). Entretanto, não se pode olvidar, que a conquista de tais direitos veio, não de forma voluntária, ela é fruto de muita articulação e pressão de movimentos de mulheres e, em meio a todas essas lutas, está a origem do Dia Internacional da Mulher.

Não, a data não surgiu em razão da “beleza e formosura” da mulher, ao contrário, surgiu como marco de várias lutas por liberdade, melhores condições de trabalho, igualdade salarial entre homem e mulher e até o direito ao voto feminino.

Nesse contexto, é imperioso ressaltar que nada, nenhum dos direitos que hoje as mulheres possuem, lhes foi dado ou facilitado. Tudo, absolutamente tudo, foi conquistado, por meio de muitos enfrentamentos e o movimento feminista ocupa um papel fundamental nesse processo de ruptura de padrões, na libertação e na conquista do reconhecimento da mulher como “ser de Direitos”.

Apesar de toda a rivalidade plantada entre as mulheres ao longo da história, elas, e só elas, com elas, e entre elas, mudaram e estão mudando a própria realidade.

Atualmente, mesmo que em número menor do que o justo, a mulher está em todos os lugares. No esporte, na ciência, na Justiça, no parlamento e em locais antes inimagináveis. No entanto, essa revolução feminina não foi aceita passivamente e a resposta para essa transformação tem sido dura, ecoando nos alarmantes índices de violência contra a mulher que só tem aumentado nos últimos anos.

Recentemente, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública publicou a pesquisa “visível e invisível” a qual demonstra um aumento significativo nos índices de violência contra mulheres e meninas no Brasil. Quase 51 mil mulheres sofreram algum tipo de violência em 2022; mais de 27 mil mulheres relataram terem sofrido violência praticada por seus parceiros; 31% de mulheres foram vítimas de seus ex-companheiros, ex-maridos ou ex-namorados; no mesmo período quase 6 milhões de mulheres sofreram algum tipo de violência sexual, o que demonstra um cenário de total agravamento da violência sofrida por mulheres e meninas. Isso demonstra que dispor de uma excelente legislação não tem sido suficiente para frear a violência que vitimiza mulheres todos os dias no Brasil.

Não é que a mulher não goste de presente, gosta e merece, mas o cenário exige mais. Exige efetividade na aplicação das leis; exige resultados positivos na proteção da mulher. Portanto, não é sobre presente, é sobre respeito em casa, no trabalho, nos ambientes públicos e privados; é sobre a contribuição dos homens com o rompimento desse ciclo de violência cujos índices só aumentam; é sobre não reforçar e combater piadas machistas; é sobre bons exemplos para as próximas gerações de homens; é sobre acolhimento; incentivo é, enfim, sobre não silenciar diante de uma situação de abuso ou de violência, porque o silêncio nada mais é, do que uma forma invisível de apoio.

E às mulheres que acreditam no poder do voto; que hoje podem votar e serem votadas; que têm a liberdade de escolher usar um vestido, um short ou uma calça comprida; que mesmo diante de uma jornada de trabalho extenuante, celebram o seu direito de trabalhar fora de casa; de ter independência financeira e autodeterminação, não podem esquecer que grande parte, dessas conquistas, quiçá todas, nós devemos ao movimento feminista, sim, a esse movimento que muitos homens odeiam e tentam desqualificar, mas graças à atuação de mulheres feministas, sufragistas e integrantes de movimentos como o “lobby do batom” é que, atualmente as mulheres possuem direitos, formalmente, igualitários e podem expressar “livremente” suas opiniões.

Não obstante, todas essas conquistas, ainda há um longo caminho a percorrer, esse cenário só ratifica que o Dia Internacional da Mulher, em que pese ser uma data de celebração, é, antes de tudo, um “ato político”.

(*) Aparecida Veras é advogada e membra do GT de Observação, Prevenção e Combate à Violência Política de gênero do Comitê Amazonas de Combate à Corrupção.
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