Evento reúne especialistas da astrofísica de multimensageiros em São Paulo

Professor Douglas Galante apresentando detalhes do laboratório CNPEM, em Campinas (Divulgação/Assessoria)
Da Revista Cenarium*

SÃO PAULO – Imagine garrafas com mensagens dentro sendo lançadas ao mar. Agora, pense no oceano sendo o universo e as garrafas os observatórios, ansiosos por informações dos eventos cósmicos que estão acontecendo a todo momento. A diferença, para além dos séculos de distância em que os cientistas usavam as garrafas com o intuito de compreender as correntes marítimas e o movimento das águas, está no avanço tecnológico galopante que pudemos acompanhar ao longo do tempo, especialmente, nas últimas décadas. Hoje, a ciência pode se valer de instrumentos ultrapotentes, capazes de detectar eventos cósmicos por meio da percepção de numerosos tipos de mensagens oriundas desses mesmos eventos, para acompanhar as movimentações do universo.

Em vez das mensagens dentro das garrafas, que quase nunca cumpriam o propósito de chegar ao destino, são os mensageiros celestes que trazem informações, não sobre os oceanos, mas sobre o cosmos e, nos tempos atuais, de uma forma jamais vista anteriormente, por meio da astrofísica de multimensageiros.

Pela primeira vez, não são apenas os fótons que trazem essas informações, mas também as ondas gravitacionais e os neutrinos, abrindo janelas diferentes para a exploração do universo.

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Foi com o intuito de apoiar o crescimento dessa nova área de pesquisa que o Instituto Principia realizou, em parceria com a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), dois eventos complementares: o Programa Principia em Astrofísica Multimensageiros e a Escola Avançada São Paulo de Astrofísica Multimensageiros.

O Programa Principia em Astrofísica Multimensageiros ocorreu entre os dias 22 de maio e 16 de junho, com a participação de um grupo de especialistas que mapearam os principais desafios e oportunidades de pesquisas na área, bem como as perspectivas de novas descobertas em astrofísica, cosmologia e física fundamental que se transformarão em resultados dessas pesquisas.

Visita dos participantes ao Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais do CPEM (Divulgação/Assessoria)

Segundo o coordenador dos eventos, professor doutor do Instituto de Física da USP e pesquisador na área de cosmologia e astrofísica, Raul Abramo, o programa pretende identificar de que maneira as comunidades brasileiras de física e astronomia devem se preparar para as novas oportunidades que chegarão, especialmente, a partir do aumento da quantidade e da qualidade de dados de eventos detectados em múltiplos mensageiros. “Com a realização desse evento, nós estamos tentando ficar à frente da curva. Há uma conjunção de vários avanços tecnológicos e científicos que estão convergindo em uma certa direção, de que a gente tem um novo olhar sobre a física e sobre o Universo”, ressaltou Abramo.

“Todo mundo está acostumado a olhar para o céu e para os fenômenos físicos com os próprios olhos. Nossos olhos captam luz e essa é a maneira mais simples e tradicional de se ter informação sobre o mundo à nossa volta. Só que nos últimos dez, 15, 20 anos, nós começamos a conseguir observar usando outros sinais, que não são luz. São sinais, como, por exemplo, partículas subatômicas chamadas neutrinos. Esses sinais também podem ser ondas gravitacionais, partículas ultraenergéticas chamadas raios cósmicos. Então, todos esses que são chamados de mensageiros, agora, estão meio que juntos, criando visão mais completa de uma série de fenômenos que acontecem no universo”, explicou o físico.

Ainda conforme Abramo, essa é uma área que está crescendo e “explodindo” em todo o mundo, mas há uma dificuldade de diálogo entre as subáreas e, nesse sentido, os eventos são um esforço a mais para estabelecer esses diálogos. “Mesmo dentro de uma área como a física e a astrofísica, há linguagens que são diferentes. Então, precisamos aprender a conversar. Esse é um dos objetivos com a realização desses eventos, pois é preciso também treinar os estudantes a serem mais interdisciplinares”, destacou.

Abramo enfatiza que o momento é de fazer projetos, de escolher os assuntos que serão trabalhados nos próximos anos, as grandes colaborações e os experimentos que os cientistas brasileiros querem fazer parte. “O Brasil não tem fôlego para participar de todos os grandes experimentos do mundo, como parceiro principal, nem sequer como parceiro secundário. Não tem fôlego como Estados Unidos, China e União Europeia, mas nós temos algum fôlego. Então, temos que escolher alguns campeões, alguns times principais, nos quais a gente quer jogar. Alguns são acessíveis e outros não, porque depende muito da tecnologia do que a gente pode fazer aqui”, disse.

Nesse sentido, a capacidade das indústrias locais e o nível de know-how em engenharia que poderiam dar suporte em instrumentação científica, contribuindo com componentes locais para esses experimentos, também foram algumas das questões discutidas durante o programa, que também se comprometeu em preparar um documento (White paper) no qual será sintetizado o teor de todas as discussões e principais conclusões.

Professor Douglas Galante apresentando detalhes do laboratório CNPEM em Campinas (Divulgação/Assessoria)

Escola Avançada São Paulo de Astrofísica Multimensageiros

Tendo como público-alvo estudantes de pós-graduação em física, astronomia e áreas correlatas, a Escola Avançada São Paulo de Astrofísica Multimensageiros ocorreu entre os dias 29 de maio e 7 de junho, com o objetivo de introduzir a MMA, Multimessenger Astrophysics para jovens pesquisadores interessados nessa nova e animadora área da ciência.

Foram ofertados seis cursos introdutórios para estudantes de pós-graduação e pós-doutorandos, incluindo aulas, sessões hands-on, apresentações de estudantes, além de seminários feitos pelos participantes do Programa. A Escola Avançada contou com significativo apoio financeiro da Fapesp, possibilitando a participação de estudantes do Brasil e do exterior no evento.

Das 100 vagas disponibilizadas, participaram 76 alunos, entre brasileiros e estrangeiros, além de 12 palestrantes.

Para o aluno de doutorado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Marcelo Oliveira, autor da palestra “A sensitividade do Dune para violação de CP, com neutrinos atmosféricos SUB-GEV”, o grande foco do evento, foi poder debater a observação do mesmo evento astrofísico por diferentes perspectivas. “Seja por fótons, neutrinos, com luz, com diferentes tipos de medida, coisas bastante recentes que estão acontecendo nas diversas colaborações mundiais”, ressaltou.

Para Oliveira, que estuda principalmente os neutrinos, o grande tema do evento foi a física de mensageiros diferentes. “São diferentes formas de observar o céu e eventos que acontecem até mesmo fora da galáxia, que chegam até nós por diferentes mensageiros. Você tem a luz, tem partículas, tem as ondas gravitacionais”, exemplificou.

Marcelo participa da colaboração “Dune”, um experimento que está em construção. “Está em fase de elaboração e pretende começar a tomar dados em alguns anos, mas o meu trabalho está mais voltado para a programação, simulação. A minha tese é tentar ver qual é a sensitividade que o Dune vai comportar, frente à medida de neutrinos atmosféricos, que são partículas produzidas na atmosfera, parâmetros que a gente não conhece muito bem sobre essas partículas. Vou tentar avaliar se a gente vai ter sensitividade para esses parâmetros, usando neutrinos atmosféricos”, explicou.

Marcelo destaca que é uma “outra física”, sendo, portanto, uma forma independente de perceber um objeto astrofísico de interesse que, muitas vezes, não se entende muito bem. “É tudo um grande mistério, o que está acontecendo lá fora no universo, e, a partir desses mensageiros, ondas gravitacionais, luz, neutrinos, a gente consegue inferir informações sobre a física do que está acontecendo ali. E modelar a partir disso”, finalizou.

Dune vem da sigla em inglês Deep Underground Neutrino Experiment e consiste em maciços detectores de partículas de 70 mil toneladas. Trata-se do mais ambicioso empreendimento já concebido para o estudo dos neutrinos, pois além do investimento bilionário, é destinado a investigar em profundidade a estrutura da matéria e a responder algumas das mais inquietantes perguntas relativas à formação do universo.

O físico Ph.D. indiano Sujay Shil elogiou o evento e disse que aproveitou para assistir às palestras relacionadas a sua área de pesquisa, como neutrinos e matéria escura. “O evento foi muito importante para os debates e aprendizado. Pude ouvir palestras relacionadas ao meu projeto recente, que foi estudar assinatura de colisores que podem investigar a fase eletrofraca”, disse Sujay Shil, que fez o pós-doutorado na USP e também está trabalhando em projetos de fenomenologia de matéria escura.
A energia escura, que é a responsável pela expansão do universo, corresponde a cerca de 70% de sua composição total, sendo o restante algo denominado matéria escura, de natureza desconhecida, embora alguns cientistas indiquem se tratar de buracos negros primordiais ou partículas exóticas.

Encontro Ciência-Indústria

Parte do pranejamento do Programa Principia em Astrofísica Multimensageiros foi o workshop dentro do qual aconteceu o encontro “Ciência-Indústria”, cujo intuito foi o de estabelecer um contato entre cientistas de um lado e, engenheiros, técnicos e empresários de outro. O workshop contou com a participação de 25 pesquisadores, além de dez engenheiros e empresários do dia dedicado à interface entre ciência e indústria.

De acordo com Raul Abramo, os pesquisadores são aqueles que projetam os novos experimentos e instrumentos científicos, empurrando a fronteira do conhecimento e estimulando o desenvolvimento de novas tecnologias. “Porém, boa parte da pesquisa e desenvolvimento é colocada em prática dentro de empresas que utilizam essas oportunidades para aprimorar seu parque de equipamentos, criar novos processos e construir os equipamentos que abarcam essas novas tecnologias. Esse tipo de contato entre cientistas e os setores técnico e produtivo é essencial para aproximar as duas comunidades, permitindo que o Brasil avance na economia do conhecimento”, destacou o organizador do evento.

Um dos palestrantes do encontro “Ciência-Indústria” foi o doutor em astronomia e titular do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), Bruno Castilho. Na opinião do cientista, o Brasil ainda depende muito dos institutos de pesquisa para fazer todo o seu desenvolvimento de tecnologia. “Nos países mais desenvolvidos, parte desse desenvolvimento é feito na indústria. E aqui no País, nós temos algumas dificuldades. Uma delas é que o desenvolvimento industrial é ‘pequeno’, até pelas condições de mercado e a história de como a nossa indústria foi formada. Por conta disso, a indústria brasileira ainda tem receios em gastar dinheiro e recursos no desenvolvimento de tecnologias”, declarou.

Além desses obstáculos, segundo Castilho, a legislação brasileira também apresenta problemas. Ele cita o exemplo das empresas spin-off (companhia fundada como derivação de outra organização empresarial ou acadêmica). “Nós temos dificuldade em contratar a própria empresa gerada, por ter gente do instituto que é sócio da empresa que foi criada para desenvolver novas tecnologias para criar riquezas para o nosso País. Mas quem capacita as pessoas, quem treina, quem dá toda a motivação para aquela empresa existir não pode contratá-la de novo. Então, a nossa legislação precisa ser repensada para que possamos evoluir nessa área”, criticou.

Castilho mencionou a nova sede do Laboratório Nacional de Astrofísica, que irá funcionar no parque científico tecnológico de Itajubá, como um exemplo de sobrepor essa limitação. “A ideia é que nós possamos estar dentro do parque científico, porque desse modo as empresas que estão no parque ou mesmo as de fora podem usar nossos laboratórios para desenvolvimento. Por conta de necessitarmos de tecnologias que não tem no País, tivemos que desenvolver laboratórios únicos”, ressaltou.

O diretor-presidente da Orbital Engenharia e doutor em Engenharia Aeronáutica e Mecânica, Célio Vaz, apresentou projetos de sucesso, ao longo dos anos, e elogiou os apoios oferecidos pela Fapesp para a realização desses empreendimentos.

Vaz levou ao conhecimento do público, formado por engenheiros, cientistas e empresários, uma relação de iniciativas que deram certo, como o Foguete de treinamento básico (FTBL), cujo objetivo é exercitar a prontidão da infraestrutura dos centros de lançamentos nacionais em operações de foguetes à propulsão líquida, em parceria com a Universidade Federal do ABC (UFABC). O intuito, segundo Vaz, é atingir 30 quilômetros de altitude, carregando uma carga útil de 10 quilos. “São requisitos semelhantes ao definido pela classe de foguetes de treinamento da FAB. Nosso intuito é também treinar e capacitar alunos do ensino superior para a necessidade industrial do setor aeroespacial, propósito da parceria universidade-empresa”, explicou.

Outro projeto apresentado pela Orbital foi o Sistema de Navegação Inercial para Foguetes de Sondagem e Veículos lançadores de pequeno porte, em parceria com a Agência Espacial Brasileira (AEB), equipados com censores inerciais (acelerômetros e girômetros de alta precisão (grau tático), além do projeto intitulado “Materiais Avançados Subvenção Econômica à Inovação”, com apoio da Finep – Financiadora de Estudos e Projetos. Trata-se de materiais avançados de superfície eletromagneticamente ativa empegando nanotubos de carbono.

“Começamos com o projeto de geradores fotovoltaicos para aplicações aeroespaciais. Não existia a tecnologia dos painéis solares para satélites e o Brasil importava painéis solares da Alemanha à época”, relatou.

A Orbital Engenharia é uma empresa brasileira que atua desde 2001 no desenvolvimento e fornecimento de tecnologias inovadoras nas áreas de projeto, fabricação, montagem, integração e testes de sistemas, subsistemas e equipamentos para aplicações de defesa e espaço.

(*) Com informações da assessoria
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