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França: manifestações e greve contra proposta de Reforma da Previdência do Governo Macron
Manifestantes contra a Reforma da Previdência ocupam monumento na Praça da Bastilha, em Paris, no terceiro dia da jornada de protestos contra o projeto de Emmanuel Macron (Sameer Al-Doumy/AFP)
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08 de fevereiro de 2023
Da Revista Cenarium*
PARIS – “Reforma sexista, greve feminista”, dizia o cartaz exibido pela servidora pública Kenza Ezzemzemi, 24, na terça-feira, 7, em Toulouse, no sul da França, durante a terceira jornada de manifestações e greve geral contra a proposta de Reforma da Previdência do governo de Emmanuel Macron.
O projeto, apresentado no início de janeiro pela primeira-ministra Elisabeth Borne e que, agora, passa pelas comissões do Parlamento sob forte resistência dos partidos de centro e de esquerda, pretende aumentar a idade mínima para a aposentadoria, de 62 para 64 anos, até 2030. A reformulação quer também prolongar os anos de contribuição, de 42 para 43 anos, já em 2027, para que se tenha acesso a uma pensão integral.
O terceiro dia de mobilização desde o anúncio de Borne reuniu quase 2 milhões de pessoas, segundo a junta intersindical, que reúne as oito maiores centrais sindicais do País, pela primeira vez, em 12 anos. De acordo com o Ministério do Interior, foram 757 mil manifestantes em todo o País.
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As cifras são menores do que as dos protestos do dia 31 de janeiro, quando governo e sindicatos contabilizaram 1,3 milhão e 2,8 milhões de manifestantes, respectivamente. Mas são ainda um pouco maiores do que aquela da primeira chamada contra a proposta de reforma, em 19 de janeiro, com 1,1 milhão de pessoas, segundo o ministério. Uma nova mobilização foi marcada para o próximo sábado, 11.
Em atos desta terça, foram grupos feministas que abriram as passeatas com cartazes como o de Kenza, gritos de guerra e paródias de hits da música pop que falam sobre baixos salários, trabalho doméstico, patriarcado e igualdade e anunciam: “C’est la greve feministe!” (É uma greve feminista).
“As mulheres terão de trabalhar dois anos a mais, sendo que já desempenham muito mais funções não remuneradas, durante a vida, do que os homens”, diz Kenza, que afirma ser parte da aliança de movimentos sociais. Revolução Permanente. “Se olharmos por essa perspectiva, a reforma é ainda mais injusta.”
Ela se refere a cuidados com a casa, filhos e pessoas idosas, desproporcionalmente desempenhados por mulheres na França, assim como no Brasil. Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos (Insee), enquanto 7% dos homens inativos afirmam estar sem trabalho formal por motivos familiares ou por executarem trabalhos domésticos, entre as mulheres inativas esse percentual é de 54%.
Esse dado está refletido na taxa de emprego de 2021, que também aponta para a disparidade de gênero. As francesas atingem o pico na faixa entre 35 e 40 anos, quando 88% dos homens estão empregados contra 76% das mulheres. Para a professora Delphine Lannes, 46, o fato de as mulheres tirarem licença-maternidade ou interromperem o trabalho, temporariamente, para cuidar dos filhos, torna impossível o pagamento das cotas necessárias à aposentadoria integral. “Queremos algo mais justo e que partilhe a riqueza que, de uma maneira ou de outra, ajudamos a produzir”.
A assistente social Alina Rubio, 65, ilustra a observação da professora. Apesar de já ter idade para se aposentar, segundo a regra ainda vigente, ela ainda não conseguiu cumprir as cotas de contribuição necessárias para receber o benefício integral. “Tive dois filhos, tirei licenças, trabalhei meio período por muito tempo. Agora, venho aqui por meus filhos e netos”, diz.
A reforma da dupla Macron-Borne parece espelhar, ou mesmo aprofundar, as desigualdades de gênero na sociedade francesa. Hoje, as mulheres recebem pensão média de € 1.274 por mês, 24% menos que os homens (€ 1674). Isso porque as mulheres ganham, em média, salários 16% menores do que os homens.
Elas são maioria em atividades menos valorizadas dos setores de educação, saúde e limpeza e também estão desproporcionalmente presentes nos trabalhos de meio período – 28% das mulheres contra 8,3% dos homens têm esse tipo de arranjo de trabalho.
Um estudo de impacto sobre a proposta de Reforma da Previdência apontou que as mulheres serão mais penalizadas pelo projeto. Enquanto os franceses terão que trabalhar cinco meses a mais para se aposentar, segundo as novas regras propostas, as francesas precisarão de sete meses.
Quando questionado sobre o assunto, o próprio Ministro das Relações com o Parlamento, Franck Riester, um tanto envergonhado, admitiu, diante do Senado Federal, na semana passada, que “elas são, de certa forma, penalizadas pelo adiamento da idade legal”. “Isso não se pode negar.”
A primeira-ministra correu para consertar a situação. “Não posso deixar que se diga que nosso projeto não protegeria as mulheres. Pelo contrário”, disse. Em uma tentativa de apagar o fogo, Borne propôs que pessoas em carreira longa, ou seja, que começaram a trabalhar antes dos 21 anos, possam antecipar a aposentadoria para os 63, não 64. Trata-se de uma medida que não fazia parte do primeiro texto proposto.
“A diferença entre as mulheres trabalhadoras organizadas e Borne é que ela é uma mulher burguesa, que não precisa se submeter a trabalhos violentos e mal pagos”, diz Rozenn Kovol, 21, do coletivo feminista “De Pão e de Rosas”. “Essa é uma reforma antifeminista e patriarcal”, afirma, antes de pegar seu megafone e puxar o coro de uma versão de “Freed from Desire”, canção de Gala Rizzatto, rebatizada como “Sem a gente, o mundo para”, por um grupo feminista de Rennes, no norte da França.
A letra, que se tornou um dos hinos do protesto, diz: “Nosso trabalho, assalariado ou doméstico, faz o capitalismo perdurar. Antes da corveia, é tempo de bloquear tudo. Revoltar-se! E isso vai explodir”.
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