Garimpo ilegal cresce há três anos dentro de área protegida na Amazônia, aponta relatório

Imagem de satélite mostra áreas afetadas pelo garimpo ilegal no rio Juami, na Estação Ecológica Juami-Japurá, no Amazonas (Reprodução/Planet Labs Inc.)
Com informações da Folha de S. Paulo

INFOAMAZONIA – Um relatório obtido com exclusividade pelo InfoAmazoniae PlenaMata revela desmatamento por garimpo de ouro crescendo desde 2019 na Estação Ecológica Juami-Japurá, a 700 quilômetros de Manaus e junto à fronteira com a Colômbia. Imagens de satélite comprovam que os crimes na área de proteção integral aumentaram nos primeiros meses deste ano.

A Juami-Japurá é unidade de conservação federal desde 1983 e abriga florestas, pesquisas científicas e o sinuoso rio Juami, afluente do rio Japurá, que vem da Colômbia e deságua no Solimões, no Brasil.

Draga em rio em meio a uma água amarelada
Dragas de garimpo ilegal deixam rastros no rio Juami, dentro da Estação Ecológica Juami-Japurá, no Amazonas – Reprodução/ICMBio

“Os alertas oficiais sobre desmatamento e degradação florestal, o relato da presença de dragas, as mudanças no leito e na sedimentação do rio Juami, mesmo durante a estação seca, quando isso não deveria ocorrer, como evidenciam as imagens de satélite, apontam que há garimpo ilegal na área protegida”, afirmou o pesquisador Antonio Oviedo, do ISA (Instituto Socioambiental) ao ter acesso às imagens de satélite.

Alertas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para desmate por mineração apontam 531 hectares de florestas perdidos desde 2019. Este ano já foram derrubados 23 hectares onde, por lei, não deveria haver qualquer desmate.

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Imagens de satélite do sistema Planet analisadas pela reportagem mostram que o garimpo se alastrou ao longo de quase todo o rio Juami e segue aumentando este ano.

O trecho com garimpo perfaz 198 km do rio. A extensão não se refere às áreas de cicatrizes deixadas pelo garimpo, mas sim uma medida linear desde a foz do rio (encontro do Juami com o Japurá) até o ponto mais ao sul onde se pôde comprovar atividade garimpeira.

O relatório de sobrevoo do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e militares, realizado em 17 de agosto de 2021, listou 31 dragas e cinco barcos ligados aos crimes na área protegida.

O material, do Núcleo de Gestão Integrada de Tefé, descreve que o “rio Juami se encontra comprometido ao longo de todo o seu trajeto, até bem próximo à sua cabeceira direita, apenas o afluente esquerdo que o forma se encontra, aparentemente, e até agora, livre do impacto garimpeiro”.

O documento descreve “trechos consecutivos de margens destruídas e sucessivos e crescentes bancos de areia, decorrentes da dragagem” que dominam a paisagem e se intensificam rio acima, “comprometendo a quase totalidade do seu curso”.

Foto aérea mostra rio cortando uma área de mata com pontos mais claros marcados em sua água, como consequência do garimpo
Imagem de satélite mostra áreas afetadas pelo garimpo ilegal no rio Juami, na Estação Ecológica Juami-Japurá, no Amazonas – Reprodução/Planet Labs Inc.

Nas imagens do relatório e nas de satélite, é possível ver tanto os bancos de areia quanto os chamados “arrotos de dragas”, mistura de areia e pedra sugada pelas dragas do fundo do rio com aparência esbranquiçada.

Há registros de grupos paramilitares atuando no local. Um servidor federal, em condição de anonimato, afirma que o problema envolve um conluio do crime organizado brasileiro e de países vizinhos.

O relatório do ICMBio descreve que “há membros infiltrados de grupos paramilitares da Colômbia, patrocinando a atividade do garimpo e achacando comunidades e extrativistas brasileiros”.

O documento reconhece que a estação ecológica já havia sido alvo de atividade garimpeira na década de 1990 e diz que não havia mais registro da atividade desde 2003. Mas a falta de servidores, de fiscalização e de infraestrutura, aliada à alta do preço do ouro, fizeram o garimpo retornar em 2019, quando quatro dragas foram identificadas.

Desde então, garimpeiros caçam, pescam, desmatam e contaminam terras e águas com mercúrio e outros químicos danosos para pessoas e vida selvagem.

Dragas de garimpo ilegal no rio Juami, na Estação Ecológica Juami-Japurá – Reprodução/ICMBio

Ações policiais reforçam que a área protegida é alvo de ilegalidades. Em agosto de 2021, mesma data do relatório, a Polícia Federal prendeu nove pessoas no município de Japurá, próximo à estação ecológica, por garimpo e uso de mercúrio, lavagem de dinheiro, tráfico de armas e drogas.

Em setembro do ano anterior, a Polícia Civil já havia prendido duas mulheres em Coari (a 363 km de Manaus) com 87 gramas de ouro ilegal vindo de Japurá.

Contatados, Ibama, ICMBio e Polícia Federal não comentaram a situação da estação ecológica até a publicação desta reportagem.

Por e-mail, o Comando Militar da Amazônia afirmou, de forma genérica, que age de forma preventiva e repressiva junto com outros órgãos federais e estaduais “contra ilícitos ambientais e transfronteiriços de maneira permanente na faixa de fronteira sob sua responsabilidade, protegendo a soberania do país na Amazônia ocidental”.

O ouro ilegal retirado da Juami-Japurá e outras áreas costuma ser “lavado” em DTVMs (distribuidoras de títulos e valores mobiliários), nas quais basta informar, em um formulário de papel, que o minério foi extraído de alguma área autorizada pela Agência Nacional de Mineração. Depois é vendido para empresas no país ou exportado. As DTVMs compram ouro de garimpos com aval do Banco Central e são alvo de investigações.

“A lei brasileira é muito leniente e prevê que essas transações sejam de boa-fé. Isso propicia a ‘lavagem do ouro’, a indicação de uma origem potencialmente falsa, que pode ter sido extraído de áreas protegidas, como as unidades de conservação e as terras indígenas”, diz a advogada Rebeca Lins, analista de projetos do Instituto Escolhas.

Um estudo do Escolhas apontou indícios de crimes em 47% (229 toneladas) da produção nacional de ouro entre 2015 e 2020. Metade veio da Amazônia. A análise mostra que um terço do ouro da floresta passou por apenas cinco DTVMs. O Ministério Público Federal investiga a atuação dessas empresas.

Vista aérea do rio Juami – Reprodução/ICMBio

“Uma rastreabilidade deficiente prejudica a fiscalização e fomenta o comércio ilegal. A busca por ouro ameaça, com pedidos de mineração, 6,2 milhões de hectares em unidades de conservação e terras indígenas na Amazônia Legal, equivalentes a dois países como a Bélgica ou 40 vezes a cidade de São Paulo”, destaca Lins.

Balanço do projeto MapBiomas mostra que a Amazônia abarca 94% da área com mineração artesanal e industrial no país, ou 149,3 mil hectares. Desses, os garimpos tomam 101,1 mil hectares (68%) do total.

De 2010 a 2020, a área afetada por garimpos saltou 495% em terras indígenas e 301% em unidades de conservação. Ano passado, metade da mancha nacional do garimpo estava nessas áreas protegidas.

Ações do governo Jair Bolsonaro são simpáticas ao avanço da mineração ilegal. Em agosto de 2020, garimpeiros que bloquearam ações contra o crime no Pará foram levados em voo da Força Aérea Brasileira a Brasília para reunião no Ministério do Meio Ambiente.

Também é do governo o projeto de lei 191/2020, que tramita em regime de urgência no Congresso, para liberar o garimpo e outras atividades em terras indígenas.

Reportagem produzida pelo InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.

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