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‘Gostaria de transferir essas doses para minha mãe’, diz jovem brasileira sem comorbidades imunizada nos EUA
A brasileira de 28 anos recebeu duas doses do imunizante nos Estados Unidos. (Reprodução/Arquivo Pessoal)
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24 de abril de 2021
Caroline Viegas – Da Revista Cenarium
MANAUS – A imunização de pessoas saudáveis na faixa etária de 20 anos, que não exercem profissões consideradas linha de frente ou que não possuem comorbidades, ainda é um sonho distante no Brasil. Enquanto isso, nos Estados Unidos (EUA), jovens imigrantes brasileiras detalham neste sábado, 24, o sentimento dividido entre o alívio e a preocupação com as famílias sem acesso à vacina no Brasil.
“Como eu gostaria de transferir essas doses para minha mãe no Brasil, porque eu sei que conseguiria lutar um pouco mais pela vida, se caso contraísse o vírus, mas ela não. É triste demais saber que mesmo com 49 anos de idade e diabética, ela ainda não se encaixa nos grupos que atualmente estão recebendo a vacina. Eu me sinto impotente”, desabafa a imigrante Aline de Souza, de 28 anos. No Brasil, o Plano Nacional de Imunização (PNI) contra a Covid-19 segue abaixo das expectativas e atualmente atende idosos e pessoas com comorbidades.
Natural do Estado de São Paulo, Aline migrou para os EUA há aproximadamente dois anos em busca de melhorias de vida. Trabalhando atualmente como aupair – um programa de trabalho remunerado que consiste em morar por um período trabalhando e estudando – a paulista relata que teve direito à vacina por ser cuidadora de crianças – grupo que se encaixa como prioritário à vacina nos EUA e em vários outros países. A brasileira recebeu a segunda dose do imunizante no dia 17 de abril, exatamente 21 dias após a primeira dose.
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Alívio e preocupação
“Não dá para descrever a alegria! Mas, ainda assim, a gente não respira aliviada sabendo que a família está no Brasil, sem acesso à vacina, correndo perigo. Até agora, só a minha avó, de 89 anos, pôde receber. Eu já perdi tanta gente querida para esse vírus, sabe?! E se eu estivesse no Brasil, eu seria só mais uma nessa longa fila de espera”, desabafa a aupair, que mora no Estado de Nova Jersey
Sem complicações
Assim como Aline, a amazonense Ângela Ramos, de 25 anos, também foi vacinada contra a Covid-19 nos EUA e declara que, mesmo sendo imigrante, o processo foi rápido e simples. “Eu achei que haveria burocracia por eu ser imigrante, mas não. Foi prático. Apenas preenchi o cadastro no site e aguardei a confirmação no e-mail para que escolhesse a data e horário”, contou.
Ângela Ramos saiu de Manaus há um ano e atualmente também mora no Estado de Nova Jersey, nos EUA, onde recebeu a primeira dose da vacina e aguarda a segunda. A manauara teve direito à imunização por ser Cleanear (profissional de limpeza) – outro grupo considerado prioritário à vacinação nos EUA. A jovem desabafa sobre a falta de responsabilidade no Brasil com alguns grupos que mereciam atenção e deveriam estar na classe de priorização da PNI.
“Minha mãe trabalha em supermercados e até onde sei, eles nunca fecharam no Brasil. Nem mesmo durante a segunda onda em Manaus, com todo aquele caos. Porque é um serviço essencial. Então ela sempre esteve ali, vulnerável ao vírus, sendo exposta, e ainda assim, não tem direito à vacina. É triste que um país como o Brasil não se preocupe e nem priorize essas pessoas”, desabafou.
Na contramão
A vacinação nos EUA começou ainda em dezembro de 2020 e de início seguia os mesmos parâmetros do Brasil. Em sua primeira frase, o plano atendeu prioritariamente idosos e profissionais de saúde na linha de frente. Hoje, após quatro meses, o País já vacinou mais de 200 milhões de pessoas, conforme o Our World in Data. O número representa mais de 50% da população.
Na contramão, o Brasil, que iniciou na mesma linha de prioridade, hoje tem apenas 15% de sua população vacinada. Desses, apenas 4% receberam as duas doses da vacina. Atualmente, em sua segunda fase, o Plano Nacional de Imunização atende idosos acima de 65 anos e pessoas com comorbidade.
Diferente de outros países, o Brasil não inclui profissionais que diariamente estão vulneráveis a serem expostos ou expor o vírus, como por exemplo: profissionais da educação, babás, agentes de limpeza, entre outros. Além da porcentagem de vacinação expressivamente baixa, o País também já perdeu mais de 380 mil vidas para o novo coronavírus.
Causas do atraso
Durante o segundo semestre do ano passado, quando a pandemia parecia se tranquilizar, o presidente Jair Bolsonaro recusou diversas ofertas para a compra de vacinas. Em uma primeira ocasião, com um discurso que dividiu a população brasileira, o presidente disse que “ninguém iria comprar vacina da China”.
Bolsonaro recusou várias vezes as 100 milhões de doses da Coronavac que o Butantan prometia para dezembro de 2020. Posteriormente, o presidente da Pfizer, Albert Bourla, enviou uma carta a Bolsonaro em que pedia para que ele aceitasse a oferta de 70 milhões de doses. E, mais uma vez, Jair Bosonaro se posicionou contra. A compra da Coronavac só foi assinada em janeiro. E somente em março iniciaram as negociações para a compra da Pfizer.
Efeitos
A compra tardia das vacinas e inúmeras outras ações negacionistas do presidente da República deixou o País em estado alarmante. Além do Brasil estar na 12ª colocação no ranking da imunização e não conseguir priorizar grupos específicos que a maioria dos países priorizam na fila da imunização, também é hoje um dos países onde mais morre pessoas diariamente devido à Covid-19.
Um modelo matemático criado pela Universidade de São Paulo (USP), Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o Instituto Butantan concluiu que pelo menos 90 mil mortes poderiam ter sido evitadas se as vacinas tivessem sido compradas na hora certa. O estudo faz projeções a partir de dois cenários extremos, levando em consideração variáveis como número de casos e óbitos já registrados, além de velocidade de vacinação e eficácia. A fórmula está em um artigo, ainda inédito, submetido à revista científica “Theoretical Biology and Medical Modelling” e está em revisão.
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