Governo Federal estuda produzir remédios para hanseníase no Brasil

O SUS depende de doações da OMS para disponibilizar os remédios à população. (Reprodução)

Com informações do G1

MANAUS – O Ministério da Saúde informou ao G1 que estuda produzir no país os medicamentos usados no tratamento da hanseníase, sendo os antibióticos rifampicina, clofazimina e dapsona. Há décadas, o Sistema Único de Saúde (SUS) depende de doações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para disponibilizar os remédios à população.

“No final de 2020, a pasta realizou audiência pública com produtores nacionais no intuito de viabilizar a produção da poliquimioterapia (PQT) em território nacional”, informou o Ministério da Saúde nesta quarta-feira, 3.

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“A pasta deve se reunir novamente com as empresas para discussão das propostas que são encaminhadas ao Ministério da Saúde pelos laboratórios públicos e privados. Paralelo a isso, a pasta já está em diálogo com Biomanguinhos/Fiocruz que também deve apresentar um projeto de produção de medicamentos para hanseníase”, completa.

A pasta enviou a nota após ser questionada sobre o desabastecimento dos remédios que ocorre no país desde o segundo semestre de 2020. Em dezembro de 2019, a OMS informou aos países que dependem das doações dos antibióticos que passaria por problemas de produção durante 2020, mas o governo brasileiro não adotou medidas para garantir o fornecimento dos antibióticos no SUS.

Desde o ano passado, alertas e recomendações foram emitidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) diretamente ao governo brasileiro cobrando ações para resolver a crise dos remédios. Em um dos documentos, a entidade recomendou que o Brasil se torne soberano na produção dos remédios.

“A situação é catastrófica e tem um caráter de urgência. Por isso, a ONU recomendou ao governo brasileiro que comece a produzir o PQT. O país tem condições técnicas e recursos econômicos para se tornar soberano nessa produção” , explicou Alice Cruz, relatora especial da ONU.

Na nota enviada nesta quarta, o Ministério da Saúde também informou que iniciou a distribuição de mais de 50 mil cartelas dos antibióticos aos estados, o que, segundo a pasta, irá normalizar o abastecimento.

“Foram distribuídos, também, Minociclina e Prednisona. Atualmente, a pasta aguarda a liberação sanitária para autorização de embarque de nova carga no quantitativo de 103.680 cartelas”, informou a pasta.

O Brasil é o país com o maior número de casos de hanseníase por habitantes no mundo, diagnosticamos cerca de 30 mil novos casos por ano, mas a Sociedade Brasileira de Hansenologia estima que esse número pode ser até 5 vezes maior.

Os remédios vindos das doações diretas da OMS são repassados ao SUS e não são vendidos nas farmácias. Assim, todo paciente brasileiro depende exclusivamente do bom funcionamento do sistema de saúde para ter acesso ao tratamento.

A crise no tratamento da hanseníase

Levantamento do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) aponta que municípios de pelo menos 18 estados do país estão sem os remédios usados para tratar a hanseníase. A entidade reuniu mais de 100 relatos em janeiro de pacientes que estão desde o 2º semestre de 2020 sem tratamento.

Em agosto, tanto o Morhan quanto a Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH) realizaram audiência com o Ministério Público Federal (MPF) para relatar a crise.

“Começamos a receber tanta denúncia de pessoas com o tratamento interrompido que abrimos um formulário online para receber os relatos. No dia 27 de janeiro, lançamos uma petição para pressionar o governo mais uma vez”, explica coordenador do Morhan, Artur Custodio.

As primeiras reclamações recebidas pelo Movimento no ano passado, explica Custodio, foram de médicos e profissionais da saúde, desesperados ao ver que as cartelas dos remédios estavam acabando.

“Há mais de 30 anos trabalho diretamente com o acometido pela hanseníase e em todo esse tempo nunca tivemos falta de medicamentos do PQT”, conta um médico de Rondônia que preferiu não ser identificado.

“Há mais de 30 anos trabalho diretamente com o acometido pela hanseníase e em todo esse tempo nunca tivemos falta de medicamentos do PQT”, conta um médico de Rondônia que preferiu não ser identificado.

“Não consigo fazer mais nada que force as minhas mãos, como segurar uma caneta, escrever, digitar no computador ou celular por muito tempo. O mesmo está acontecendo com a perna direita, estou arrastando para andar. Meus nervos voltaram a inflamar e as câimbras nos pés, que tanto me incomodavam antes do tratamento, voltaram”, diz Tatielle, 24 anos, paciente de hanseníase há 4 meses sem tratamento.

Sem previsão de chegada dos remédios e com medo do avanço da doença, a jovem começou a se sentir ansiosa. “Tive crises de pânico assim que os remédios foram cortados. Desde então, tomo quatro antidepressivos por mês”, diz Tatielle.

Tatielle e mais sete pessoas da família foram diagnosticadas com hanseníase em 2018, durante uma campanha de prevenção da doença que ocorreu na sua cidade.

“Sinto dores nas juntas desde os 12 anos, mas os médicos achavam que era reumatismo infantil. Quando minha avó fez o exame na campanha e descobriu que tinha hanseníase, eu e minhas primas, que fomos cuidadas por ela na infância, resolvemos fazer. Todas fomos diagnosticadas”, conta.

Tatielle é a única da família que ainda estava em tratamento quando teve início a crise de abastecimento de remédios no SUS. Isso porque o seu primeiro tratamento, feito durante os 12 meses de 2018 sem interrupção, não foi eficaz.

Tratamento brasileiro é defasado

O dermatologista Claudio Salgado explica que histórias como a da psicopedagoga não são raras de acontecer porque a forma como o Brasil trata a hanseníase está defasada.

“Usamos os mesmos antibióticos para tratar a hanseníase há 40 anos. É óbvio que a bactéria causadora da doença tenta se proteger e, com isso, temos novas cepas circulando no país que são resistentes aos medicamentos antigos”, explica o presidente da SBH.

“Em março de 2020, quando a SBH começou a receber as primeiras denúncias de falta de medicamento no SUS, pedimos que o Ministério da Saúde comprasse outros antibióticos disponíveis para o tratamento, remédios até mais eficazes que os que usamos. Mais uma vez, o governo não fez nada”, afirma Salgado.

As orientações de administração do PQT também divergem. Diferente do governo, Salgado explica que a SBH alerta que os remédios devem ser administrados por um mínimo de seis meses, se estendendo até dois anos ou mais, a depender do caso.

“A hanseníase tem um tratamento administrativo. Se resume a uma norma do Ministério da Saúde que diz que o paciente deve tomar 12 doses dos antibióticos em até 18 meses. Após esse tempo, é automaticamente tido como curado”, aponta o dermatologista.

A hanseníase tem cura se tratada

A hanseníase é uma doença contagiosa que atinge os nervos e pode causar sequelas, como a perda da sensibilidade da pele e dos movimentos. Nos casos mais graves, pode levar à amputação dos membros.

Além de promover a cura, o tratamento adequado da hanseníase impede a transmissão de pessoa a pessoa da bactéria causadora da infecção.

Diante da crise de abastecimento e interrupção do tratamento, a ONU estima que o Brasil e demais países que passam pelo desabastecimento deverão ter grave retrocesso no controle e transmissão da hanseníase e na prevenção de deficiências desses pacientes.

A redução de diagnósticos é outro problema que tem sido observada no Brasil durante a pandemia. De acordo com o Morhan, nos últimos 5 anos, o país registrou em média 15 mil casos de hanseníase no primeiro semestre de cada ano. Em 2020, o Brasil teve apenas 6 mil notificações nesse período.

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