Hospital Santa Júlia é dono de terra em que indígenas foram desapropriados em Manaus
18 de dezembro de 2023

Jefferson Ramos – Da Revista Cenarium Amazônia
MANAUS (AM) – O Hospital Santa Júlia é o proprietário da terra em que indígenas e não indígenas da “Comunidade Indígena Nusoken” foram desapropriados na manhã desta segunda-feira, 18. O terreno é localizado no bairro Tarumã, Zona Oeste de Manaus.

Segundo decisão da juíza federal Jaiza Fraxe, emitida no dia 11 de dezembro, o hospital particular é dono da terra desde 2007 e conseguiu comprovar a titularidade no curso do processo. A decisão aponta que, no caso específico, a invasão não tem qualquer relação com o movimento indígena ou “direitos de povos originários, seu ethos, demarcação e suas terras, cultura, tradição ou ancestralidade”.
Cerca de 200 famílias vivem no local há, aproximadamente, oito meses, situado à margem da Avenida do Turismo, de acordo com informações preliminares. Retroescavadeiras foram utilizadas para derrubar as moradias construídas no local, sendo a maioria delas de madeira.

“O autor comprovou a sua posse (e também sua propriedade) legítima, conforme documentos que acompanham a inicial, estando preenchido, portanto, o requisito estabelecido pelo legislador processual no art. 561, inciso I, do CPC/15. Isso porque a área é de propriedade do Hospital Santa Júlia, conforme matrícula 33.499 registrada no 3° Ofício de Registro de Imóveis de Manaus”, apontou a decisão.

Competência
O processo de desapropriação começou a tramitar no Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), mas por envolver indígenas, o caso subiu para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). Com a subida da ação, foi realizada uma inspeção judicial na qual se constatou nenhuma relação com terra indígena.
“Trata-se de uma invasão comum, ocupação precária e violenta, cometida por pessoas que, claramente, querem usar o movimento indígena como escudo para invadir terras particulares, comercializar lotes de terras particulares e usar de má-fé, prejudicando os próprios povos originários, ao submeterem pessoas indígenas a essa humilhação de invasão de terra alheia”, narra um trecho do despacho.

Conforme manifestação do Hospital Santa Júlia, no âmbito do processo, no dia 15 de outubro, a área foi ocupada por cerca de 100 pessoas, que chegaram em ônibus e derrubaram o muro, utilizando enxadas, terçados e outras ferramentas com atos de violência, mantendo em cárcere privado o caseiro, e o ameaçando para que saísse do local imediatamente.
“A parte autora comprovou também o esbulho praticado pelos invasores, os quais adentraram no imóvel destruindo benfeitorias do bem, além da vegetação nativa não antropizada, ocasionando dano ambiental irreparável, sem qualquer tipo de autorização”, destaca a sentença.

A medida judicial foi cumprida com o apoio da Polícia Federal e o aparato de Segurança Pública do Estado do Amazonas. Entre as determinações, a juíza ordenou a identificação dos ocupantes e medidas por parte do empreendimento médico para evitar novas ocupações.
Sem acompanhamento
A ação foi conduzida sem o acompanhamento de órgãos indigenistas. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) no Amazonas e a Fundação Estadual dos Povos Indígenas (FEI) confirmaram à REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA que não foram informadas sobre a reintegração de posse de um terreno localizado na Avenida do Turismo.
A indígena Margarida Ferreira, uma das desapropriadas da área, contou à CENARIUM que se sentiu humilhada. A indígena Kokama relembra o momento em que se ajoelhou perante equipes da tropa de choque.

“A gente não podia ser humilhado desse jeito, porque nós somos dessa terra. A gente merece uma terra digna”.
PF
Em nota à imprensa, a Polícia Federal (PF) informou que na última sexta-feira, 15, os ocupantes foram intimados sobre a ação. “Vale ressaltar que a Justiça Federal disponibilizou toda a estrutura necessária para a retirada dos invasores do local. Foram cedidos caminhões de mudança e carregadores, que ficaram disponíveis para levar os invasores para o endereço que quisessem”, informou a PF.