Itália investiga sexismo em anúncio de trabalho com exigência de foto de biquíni


28 de janeiro de 2022
Itália investiga sexismo em anúncio de trabalho com exigência de foto de biquíni
Mulheres em manifestação por direitos femininos durante o Dia Internacional da Mulher, em Roma, na Itália (Filippo Monteforte - 8.mar.21/AFP)

Com informações da Folhapress

BAURU (SP) — Vaga de emprego para recepcionista em Nápoles, na Itália. O horário de trabalho é das 8h às 17h, com uma hora de intervalo. Salário: 500 euros (pouco mais de R$ 3.000). Exigências: ser mulher, com menos de 30 anos, boa aparência, “caráter solar”, ter carro próprio e falar inglês fluentemente. Mais um requisito: “será necessário enviar uma foto de corpo inteiro de biquíni ou similar”.

O anúncio desta “oportunidade”, feito pela empresa Medial Service, foi publicado em sites especializados em vagas de empregos na Itália. A exigência de uma foto de biquíni, no entanto, reacendeu o debate sobre sexismo no país e tornou a empresa alvo de uma investigação do Ministério do Trabalho italiano.

Para a legisladora local, Chiara Marciani, um anúncio absurdo. “Eles querem uma foto de biquíni? É escandaloso, e por vários motivos. A começar pela busca de uma mulher com menos de 30 anos e um salário absurdamente inadequado para o comprometimento e as tarefas que o trabalho exige.”

A empresa chegou a apagar a frase sexista, mas não antes de prints do anúncio caírem nas redes sociais. No centro da polêmica, disse à imprensa que o pedido era “inadequado”, resultado de “mera distração” de um “trabalhador inexperiente” que não entende a política de igualdade de gênero da companhia.

Agora os responsáveis terão que se explicar ao Ministério do Trabalho, após o pedido de investigação feito pelo ministro Andrea Orlando. O debate, porém, é mais amplo e transcende episódios específicos.

“O problema do sexismo persiste. Ainda há muito a fazer pela igualdade de gênero”, disse Marciani, de acordo com o jornal britânico The Guardian. Para ela, a questão é particularmente sensível para uma cidade como Nápoles, que apresenta uma taxa baixa de mulheres empregadas.

Segundo dados de 2020 da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), menos da metade das mulheres italianas (49%) tem um emprego formal. O índice é um dos piores entre os países-membros do grupo, maior apenas que as taxas de Turquia, México, Colômbia e Grécia.

O cenário se agravou devido à pandemia de coronavírus, e as mulheres foram desproporcionalmente afetadas pela perda de empregos. Mas as raízes do problema, como se sabe, antecedem a Covid-19.

São abundantes os relatos de mulheres italianas forçadas a pedirem demissão depois de engravidarem, por exemplo, por terem dificuldades em conciliar vida profissional e vida familiar devido a condições de trabalho inflexíveis e falta de apoio estatal, como o acesso amplo a creches.

O problema, claro, não se limita à Itália, mas a discussão sobre o sexismo no país teve outros episódios recentes. Em novembro de 2021, o Senado aprovou uma lei que proíbe anúncios considerados discriminatórios ou sexistas em lugares públicos. A legislação, que faz parte de um projeto mais amplo de infraestrutura, determina o fim de propagandas e outros tipos de anúncios que degradem mulheres ou reproduzam estereótipos de gênero. Também estão cobertos pela lei os LGBTQIA+, pessoas com deficiência e grupos étnicos e religiosos considerados minoritários.

No ano passado, por exemplo, um anúncio de uma empresa de serviços de limpeza de Lizzanello, no leste do país, também provocou polêmica. O outdoor mostrava uma mulher vestida com um uniforme sexualizado de faxineira. No topo, com destaque, a frase “damos ela a você de graça”, com duplo sentido evidente e, abaixo, em letras menores, uma descrição dos serviços de higienização que estavam sendo oferecidos —o pronome feminino estaria se referindo à faxina.

Em 2017, uma série de anúncios da famosa rede de joalherias Pandora também gerou indignação. A publicidade sugeria que as mulheres precisavam escolher entre uma pulseira da marca e um ferro de passar e um avental. “O que te faria feliz?”, questionava o anúncio que mirou no empoderamento feminino, mas, segundo críticos, acertou no estereótipo da mulher limitada a serviços domésticos.

Para Luisa Rizzitelli, ativista italiana pelos direitos das mulheres, a aprovação da lei foi “um grande passo à frente” e pode ajudar o país a promover uma mudança cultural. “As grandes marcas ficaram muito mais atentas, mas nas cidades menores ainda encontramos anúncios que ofendem a dignidade das mulheres.”

Setores mais conservadores da Itália, porém, opuseram-se ao projeto. Grupos contra o direito ao aborto —garantido no país desde 1978— se sentiram particularmente afetados, porque costumam espalhar cartazes com imagens chocantes em campanhas para desestimular a interrupção da gestação.

Alguns senadores da ultradireita também se apegaram ao conceito de “identidade de gênero” presente na redação da lei para dizer que o projeto era “uma norma ideológica para limitar a liberdade de expressão”.

Foi justamente esse conceito um dos fatores que levaram o Senado italiano a rejeitar, em outubro, outro projeto de lei que definiria a homofobia como um crime de ódio, equivalente ao racismo, com o intuito de punir atos de discriminação e violência contra pessoas LGBTQIA+.

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