Itália investiga sexismo em anúncio de trabalho com exigência de foto de biquíni

Mulheres em manifestação por direitos femininos durante o Dia Internacional da Mulher, em Roma, na Itália (Filippo Monteforte - 8.mar.21/AFP)

Com informações da Folhapress

BAURU (SP) — Vaga de emprego para recepcionista em Nápoles, na Itália. O horário de trabalho é das 8h às 17h, com uma hora de intervalo. Salário: 500 euros (pouco mais de R$ 3.000). Exigências: ser mulher, com menos de 30 anos, boa aparência, “caráter solar”, ter carro próprio e falar inglês fluentemente. Mais um requisito: “será necessário enviar uma foto de corpo inteiro de biquíni ou similar”.

O anúncio desta “oportunidade”, feito pela empresa Medial Service, foi publicado em sites especializados em vagas de empregos na Itália. A exigência de uma foto de biquíni, no entanto, reacendeu o debate sobre sexismo no país e tornou a empresa alvo de uma investigação do Ministério do Trabalho italiano.

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Para a legisladora local, Chiara Marciani, um anúncio absurdo. “Eles querem uma foto de biquíni? É escandaloso, e por vários motivos. A começar pela busca de uma mulher com menos de 30 anos e um salário absurdamente inadequado para o comprometimento e as tarefas que o trabalho exige.”

A empresa chegou a apagar a frase sexista, mas não antes de prints do anúncio caírem nas redes sociais. No centro da polêmica, disse à imprensa que o pedido era “inadequado”, resultado de “mera distração” de um “trabalhador inexperiente” que não entende a política de igualdade de gênero da companhia.

Agora os responsáveis terão que se explicar ao Ministério do Trabalho, após o pedido de investigação feito pelo ministro Andrea Orlando. O debate, porém, é mais amplo e transcende episódios específicos.

“O problema do sexismo persiste. Ainda há muito a fazer pela igualdade de gênero”, disse Marciani, de acordo com o jornal britânico The Guardian. Para ela, a questão é particularmente sensível para uma cidade como Nápoles, que apresenta uma taxa baixa de mulheres empregadas.

Segundo dados de 2020 da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), menos da metade das mulheres italianas (49%) tem um emprego formal. O índice é um dos piores entre os países-membros do grupo, maior apenas que as taxas de Turquia, México, Colômbia e Grécia.

O cenário se agravou devido à pandemia de coronavírus, e as mulheres foram desproporcionalmente afetadas pela perda de empregos. Mas as raízes do problema, como se sabe, antecedem a Covid-19.

São abundantes os relatos de mulheres italianas forçadas a pedirem demissão depois de engravidarem, por exemplo, por terem dificuldades em conciliar vida profissional e vida familiar devido a condições de trabalho inflexíveis e falta de apoio estatal, como o acesso amplo a creches.

O problema, claro, não se limita à Itália, mas a discussão sobre o sexismo no país teve outros episódios recentes. Em novembro de 2021, o Senado aprovou uma lei que proíbe anúncios considerados discriminatórios ou sexistas em lugares públicos. A legislação, que faz parte de um projeto mais amplo de infraestrutura, determina o fim de propagandas e outros tipos de anúncios que degradem mulheres ou reproduzam estereótipos de gênero. Também estão cobertos pela lei os LGBTQIA+, pessoas com deficiência e grupos étnicos e religiosos considerados minoritários.

No ano passado, por exemplo, um anúncio de uma empresa de serviços de limpeza de Lizzanello, no leste do país, também provocou polêmica. O outdoor mostrava uma mulher vestida com um uniforme sexualizado de faxineira. No topo, com destaque, a frase “damos ela a você de graça”, com duplo sentido evidente e, abaixo, em letras menores, uma descrição dos serviços de higienização que estavam sendo oferecidos —o pronome feminino estaria se referindo à faxina.

Em 2017, uma série de anúncios da famosa rede de joalherias Pandora também gerou indignação. A publicidade sugeria que as mulheres precisavam escolher entre uma pulseira da marca e um ferro de passar e um avental. “O que te faria feliz?”, questionava o anúncio que mirou no empoderamento feminino, mas, segundo críticos, acertou no estereótipo da mulher limitada a serviços domésticos.

Para Luisa Rizzitelli, ativista italiana pelos direitos das mulheres, a aprovação da lei foi “um grande passo à frente” e pode ajudar o país a promover uma mudança cultural. “As grandes marcas ficaram muito mais atentas, mas nas cidades menores ainda encontramos anúncios que ofendem a dignidade das mulheres.”

Setores mais conservadores da Itália, porém, opuseram-se ao projeto. Grupos contra o direito ao aborto —garantido no país desde 1978— se sentiram particularmente afetados, porque costumam espalhar cartazes com imagens chocantes em campanhas para desestimular a interrupção da gestação.

Alguns senadores da ultradireita também se apegaram ao conceito de “identidade de gênero” presente na redação da lei para dizer que o projeto era “uma norma ideológica para limitar a liberdade de expressão”.

Foi justamente esse conceito um dos fatores que levaram o Senado italiano a rejeitar, em outubro, outro projeto de lei que definiria a homofobia como um crime de ódio, equivalente ao racismo, com o intuito de punir atos de discriminação e violência contra pessoas LGBTQIA+.

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