Junho: o mês que não pode acabar

Para aqueles que como eu estão atentos no cronograma de acontecimentos recentes na história de nosso País vão lembrar que neste início do mês de junho “comemoramos” os 10 (dez) anos das manifestações de rua que tomaram o Brasil em junho de 2013, aos que necessitam de alguma memória do ocorrido, basta colocar no google: manifestações 2013, em sua pesquisa irão certamente se deparar com o traço em comum encontrado entre os analistas deste importante momento histórico da política nacional, junho de 2013 é um mês que ainda não terminou no Brasil e as repercussões deste período podem ser sentidas até os dias de hoje.

Os protestos iniciaram em São Paulo em vista de aumento de tarifa de transporte público, os hoje famosos R$0,20 (vinte centavos), mas por trás de si escondiam toda uma insatisfação geral da população brasileira com a classe política, a corrupção em níveis endêmicos, os problemas nas áreas de saúde, educação e segurança.

Adicione-se a isto o fato do Brasil ter sido escolhido para ser o país-sede da Copa do Mundo de 2014 e estar sediando a Copa das Confederações daquele ano, levando os governos federal, estaduais e municipais das localidades sede a investirem em estádios e estrutura ao nível do “padrão Fifa”, sob este título gastos públicos foram feitos em muitos casos sem o necessário procedimento licitatório, ausência de maior rigor nas fiscalizações ou mesmo de justificativa plausível para a sua execução, fora o sentimento de que o governos central estava em grande parte ausente, somente obedecendo as ordens da entidade esportiva, haja vista o sem número de manobras legislativas para todo o tipo de licenças e permissões, do uso de trabalho em condições muito aquém das permitidas pelas leis trabalhistas, ao comércio de bebidas e outros produtos nos estádios, até então também proibidos pela lei nacional.

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Neste atípico mês de junho a população resolveu de maneira autônoma tomar para si a responsabilidade de exigir providências, diga-se por oportuno, não foi uma iniciativa exclusivamente brasileira, o ano de 2013 e emblematicamente o mês de junho foi palco de diversas manifestações com semelhante teor ao redor do globo, a exemplo dos movimentos occupy wallstreet nos Estados Unidos, as manifestações nas praças da Espanha, ao protesto contra o governo no Egito, ao todo em mais de 30 países houve a demonstração explícita de insatisfação com o Governo.

Segundo dados da Economist Intelligence Unit em seu estudo Rebels Without a Cause (Rebeldes sem causa, em livre tradução), a sequência de protestos observados no ano de 2013 estaria relacionada a crise de 2008 e suas consequências, sabidamente o prognóstico negativo de crescimento econômico e o desemprego, de acordo com o estudo, a insatisfação com a situação econômica “é uma condição necessária para a instabilidade séria, mas, sozinha, não é o suficiente”, somente quando este aperto econômico soma-se a outros elementos típicos de vulnerabilidade social como o nível de qualidade da renda, questões étnicas, raciais, de gênero, governança, dentre outros passa a existir um ambiente propício a instabilidade.

No caso brasileiro podemos indicar que estes elementos se encontraram presentes e eclodiram mais precisamente no dia 06 de junho com as primeiras manifestações em São Paulo contra o aumento na tarifa do transporte viário, a partir daí o estopim estava aceso para a difusão deste movimento pelo país, Estados do Sudeste logo aderiram, mas não levou muito tempo para que se alcançasse todo o país, no Amazonas, com problemas bem semelhantes, houve manifestações de igual porte.

Problemas ocorreram em meados do mês quando diversos segmentos com as mais variadas reivindicações juntaram-se ao coro dos manifestantes, daí vimos uma sequência de atos de destruição e vandalismo, o ápice ocorrido na Avenida Paulista e na esplanada dos Ministérios em Brasília com invasão do Planalto, Congresso Nacional até do Itamaraty.

Como já mencionado, reflexos e consequências destes atos levaram a uma série de desdobramentos imprevisíveis no início daquele ano, impeachment da Presidente, Governo Temer, maior concentração e alinhamento da Direita, situações estas que levaram segundo analistas a eleição do Presidente Bolsonaro e toda a gama de eventos que ocorreram no período de seu governo, a notar a bipolarização – nós e eles – instaurada em nosso País.

Passados dez anos destes fatos chegamos neste 2023 em nosso país com características bem símiles àquelas encontradas às vésperas do junho de 2013, não por acaso novamente com um contexto pendular voltado mais à esquerda, uma séria insatisfação com a classe política, instabilidade econômica, exemplificada na discordância institucional entre Planalto e Banco Central, medidas de aumento de teto de gastos, câmbio nas alturas, desemprego atingindo patamares preocupantes, nenhum sinal de aquecimento estrutural da economia, julgamento de políticos, gastos injustificados ou ao menos questionáveis por parte dos governos (federal, estadual, municipal) e para completar aumento da tarifa de ônibus, greve de professores, aumento da remuneração de ministros do governo com diminuição de seus dias de trabalho, nenhum ou quase nenhum ganho real no salário do trabalhador.

Ao que parece ainda não foram devidamente apendidas as lições passadas, uma década depois ainda temos a mesma confluência de fatores que podem levar a uma nova onda de insatisfação e manifestações, não colocando neste cômputo o ocorrido no fatídico oito de janeiro em vista do cunho que penso ser eminentemente reflexo do panorama eleitoral e bipolar vivido no país, mas que de qualquer forma contribuí e muito com o estado de coisas a evoluir para uma nova insatisfação geral.

Importante aspecto e penso que também efeito colateral positivo seja o fato do nível de “tolerância” com o que o povo respondeu primariamente ao descaso com seus direitos foi digno de nota e reproduzido nas pricipais revoluções que levaram a mudança de rumos na história, “o gigante acordou” é o melhor de nós mesmos enquanto parte indissociável da democracia, é o nível de indignação e vontade popular expressos na legitima exigência de Direitos, na luta por dias melhores, no dizer basta aos desmandos e abusos, na crítica ao sistema, à corrupção, ao velho modo de fazer política, enquanto houver em nós o sentimento de que há o que ser feito, há que seguir em frente, há que não desistir, neste sentido junho é o mês que não pode acabar.     

Anderson F. Fonseca é professor de Direito Constitucional, advogado e especialista em comércio exterior e Zona Franca de Manaus.

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(*)Advogado; Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB Nacional); Professor de Direito Constitucional e Internacional. Coordenador da International Religious Liberty Association (IRLA) para a Região Noroeste do Brasil; Mestre e Doutorando em Direito.

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