‘Kit Covid’: produtora bancou anúncios pró-tratamento precoce

Comprimidos de hidroxicloroquina (Narinder Nanu/AFP)
Com informações da Folha de S. Paulo

BRASÍLIA – Dados sigilosos da CPI da Covid no Senado revelam que a farmacêutica Vitamedic bancou a publicação em fevereiro de anúncios da Associação Médicos pelo Brasil em defesa do chamado tratamento precoce contra a Covid-19, tese sem respaldo na comunidade científica. Os anúncios publicitários foram veiculados nos principais jornais do País e tinham como autor apenas o grupo Médicos pela Vida.

A peça defendia o tratamento precoce com o uso de cloroquina, ivermectina, zinco e vitamina D. Os remédios, à época, já eram descartados pelas comunidades científica e médica para o tratamento da doença.

A Vitamedic é uma das principais produtoras de Ivermectina do país. Em dados enviados à CPI da Covid, ela informou que aumentou a venda de caixas do medicamento em 1.230%, passando de 5,7 milhões em 2019 para 75,8 milhões em 2020.

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O financiamento da campanha pela farmacêutica pode configurar conflito de interesses, de acordo com o Código de Ética Médica.

A associação Médicos pela Vida mantém um site favorável ao tratamento precoce e alguns de seus integrantes compõem o chamado gabinete paralelo, grupo de aconselhamento informal do presidente Jair Bolsonaro, um dos principais defensores no Brasil do tratamento precoce.

O oftalmologista Antônio Jordão, que assinou o termo de responsabilidade para que os anúncios pudessem ser veiculados, aparece ao lado de Bolsonaro em uma reunião em setembro.

Os anúncios de fevereiro foram publicados na Folha e nos jornais O Globo, Estado de Minas e Zero Hora, entre outros. No dia seguinte, a Folha publicou reportagem relatando a publicação desses anúncios nos quais defendem o uso de medicação sem eficácia comprovada contra a Covid-19.

No texto, o jornal informou que o grupo intitulado Médicos pela Vida fez circular um anúncio “em diversos jornais do país, em defesa do chamado ‘tratamento precoce’ da Covid-19, com o uso de medicamentos como cloroquina, ivermectina, zinco e vitamina D —remédios que já foram descartados pela comunidade científica e médica para o tratamento da doença por não demonstrarem em diversos estudos clínicos a capacidade de barrar o vírus, prevenir a doença ou tratá-la”.

A Vitamedic informou à CPI o total de vendas de caixas de Ivermectina de janeiro de 2020 a maio de 2021 e o preço médio por caixa. Fazendo a conta, estima-se que a empresa tenha arrecadado R$ 734 milhões só com esse medicamento do “kit Covid” nesse período.

Os dados do patrocínio da campanha chegaram à CPI após requerimento do senador Humberto Costa (PT-PE) aos veículos de comunicação, no dia 30 de junho. No ofício, o parlamentar pediu que fossem informados quem solicitou a publicação do informe “Manifesto pela Vida” e o valor dessas campanhas.

Os documentos mostram que a Vitamedic foi a contratante e responsável pelo pagamento. Em dois jornais, Zero Hora e O Globo, os anúncios custaram R$ 217.295,05. Na Folha, o anúncio saiu por R$ 78.080,62. Os outros veículos ainda não enviaram os dados à comissão.

Os remédios que fazem parte do “kit Covid” se tornaram bandeira do presidente Bolsonaro no enfrentamento da pandemia, o que é hoje um dos flancos de apuração pela CPI.

A comissão no Senado já descobriu, por exemplo, a existência de um gabinete paralelo de aconselhamento do presidente fora da estrutura do Ministério da Saúde. Os senadores agora querem descobrir a relação das farmacêuticas com o governo e com os membros desse gabinete paralelo.

A associação Médicos pela Vida disse que não iria se manifestar sobre o assunto. A Vitamedic foi procurada desde segunda-feira, 12, para comentar os dados, mas até a publicação deste texto não havia se manifestado.

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