Liderança sobre indígenas que assinaram acordo pró-mineração: ‘Não nos representam’
Por: Thais Matos
14 de janeiro de 2025
O líder indígena Mura Gabriel Mura e, ao fundo, membros do CIM de Autazes e da Potássio do Brasil em assinatura de acordo (Composição de Paulo Dutra/CENARIUM)
MANAUS (AM) – “Quando eles falam que representam o povo Mura, nós não estamos incluídos”. A declaração é da liderança indígena Gabriel Mura, da Aldeia Soares, localizada em Autazes (AM), sobre o Acordo Preliminar de Cooperação assinado entre a empresa Potássio Brasil e o Conselho Indígena Mura (CIM), para instalação de uma mina de potássio às margens do Rio Madeira.
A base de exploração e perfuração do empreendimento da Potássio do Brasil incide sobre áreas tradicionais ocupadas pelo povo Mura do município. A área, onde são realizadas atividades e coleta de frutos, extrativismo da castanha, da caça, da pesca, também está em processo de demarcação, conduzido pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
“O Conselho Indígena Mura defende causas que, ao nosso ver, não são favoráveis a vida dos povos indígenas. O povo Mura de Soares não é favorável ao projeto Potássio Autazes e nem sequer foi consultado como deveria ser feito de acordo com nosso protocolo de consulta”, disse Gabriel à CENARIUM nesta terça-feira, 14.
A liderança indígena Mura de Autazes Gabriel Mura (Reprodução/Arquivo Pessoal)
O indígena afirma que todos os acordos e licenciamentos realizados entre a empresa e o CIM foram violados, com contravenções na Constituição Federal do País, na Organização Internacional do Trabalho (OIT) 169, além no protocolo de Consulta Trincheiras: Yandé Peara Mura.
“Soares, que é o principal afetado por esse projeto, não foi consultada em nenhum momento nem pela empresa e nem pelo Estado. O que na verdade eles tentam fazer é nos invisibilizar falando que não é terra indígena, que não somos Indígenas, mas estudos antropológicos comprovam nossa existência há mais de 200 anos aqui”, completou o líder.
A mineração de potássio na região da Aldeia Soares, pela empresa Potássio do Brasil Ltda, foi autorizada por licenças de instalação emitidas pelo Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam), apesar dos inúmeros problemas verificados nos estudos de impacto ambiental e no processo de licenciamento, além de questionamentos judiciais.
Quanto à demarcação do território, Gabriel Mura informou que a demarcação foi iniciada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em maio do ano passado, mas até o momento o órgão ainda não retornou para dar continuidade ao processo.
“A demarcação foi pedida juntamente com o CIM, na época que ainda não tinham sidos corrompidos pela Potássio do Brasil. Hoje, a atual coordenação do conselho fala que não é território indígena. Ficaram [a Funai] de voltar em agosto [de 2024], mas não vieram mais. Agora a promessa é de virem novamente no mês de fevereiro deste ano”, explicou à reportagem.
A CENARIUM procurou a Funai sobre o andamento dos estudos técnicos para a demarcação, mas até a publicação dessa matéria não obteve retorno.
Acordo entre indígenas e mineradora
Na segunda-feira, 13, a Potássio Brasil anunciou que assinou um Acordo Preliminar de Cooperação com o Conselho Indígena Mura (CIM) do município de Autazes. Segundo a empresa, esse acordo foi desenvolvido conforme os requisitos do povo Mura e segue um amplo envolvimento da comunidade liderado pelo CIM, entidade representativa da etnia em Autazes.
Segundo anunciado pela empresa no site oficial, o acordo estabelece uma estrutura preliminar abrangente para a colaboração entre o projeto e as comunidades indígenas Mura.
“Os principais elementos incluem: compromisso com programas de desenvolvimento socioeconômico e ambiental alinhados com o licenciamento ambiental vigente e exigências legais; implantação do Plano Bem Viver Mura – programa de desenvolvimento sustentável e Investimento em iniciativas de desenvolvimento social e cultural para aldeias indígenas representadas pela CIM”, diz a Potássio do Brasil.
Representantes da Potássio do Brasil e membros do CIM de Autazes (Divulgação/Potássio Brasil)
Entenda
Em 2009, a Potássio do Brasil, subsidiária do banco canadense Forbes & Manhattan, obteve da Agência Nacional de Mineração a concessão de uma área às margens do Rio Madeira para instalação de uma mina de potássio, com o objetivo de abastecer o agronegócio com fertilizantes.
Já em 2022, o Ministério Público Federal do Amazonas (MPF-AM) acolheu uma denúncia sobre a suspeita de compra de terras indígenas e ribeirinhas no município de Autazes. Durante uma inspeção judicial, a juíza federal Jaiza Maria Pinto Fraxe constatou que a base de exploração e perfuração do empreendimento da Potássio do Brasil está localizada em áreas tradicionais ocupadas por indígenas da etnia Mura.
No ano seguinte, a Justiça determinou a suspensão da licença concedida pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) à empresa, e ressaltou que a atividade só pode ser realizada com autorização do Congresso Nacional e consulta prévia aos povos indígenas afetados.
Ainda em 2023, o MPF solicitou à Justiça Federal a aplicação de multa à Potássio do Brasil pelo descumprimento de decisão judicial que determinava a retirada de placas da empresa no território indígena Soares/Urucurituba. O órgão também apontou que a mineradora tem desrespeitado os direitos do povo Mura, inclusive com o uso de forças policiais locais, sem a devida autorização judicial. O MPF requereu uma multa fixa de R$ 100 mil, além de R$ 50 mil por dia de descumprimento da ordem.
Placa da Potássio do Brasil em área de terreno (Christian Braga/InfoAmazonia)
Em abril de 2024, o Governo do Amazonas emitiu três licenças para a instalação do Projeto Potássio Autazes, no município homônimo. As autorizações, concedidas pelo Ipaam à Potássio do Brasil, permitem a expansão do projeto e estabelecem que a empresa cumpra todas as condicionantes ambientais exigidas pela legislação vigente.
No mês seguinte, o MPF reiterou a necessidade de intervenção judicial urgente contra as licenças emitidas para os empreendimentos da Potássio do Brasil. Um dia após o pedido liminar do MPF, o Ipaam concedeu seis novas licenças de operação, autorizando a instalação total do projeto de forma irregular. Com isso, a empresa passou a ter permissão para desmatar áreas da floresta, capturar e retirar animais, o que impacta significativamente os modos de vida das comunidades indígenas de Soares, Urucurituba, Jauary, Paracuhuba e outras do povo Mura.
O episódio expôs a má-fé do Ipaam e da Potássio do Brasil. Mesmo diante do ajuizamento da ação, da ampla repercussão midiática e da denúncia de irregularidades, ameaças, coações, cooptações e fragmentação dos processos, o órgão ambiental estadual continua emitindo licenças. Essa postura negligente agrava os riscos de desastres ambientais e evidencia a inadequação e omissão no licenciamento ambiental.
Veja documento do MPF sobre necessidade de intervenção judicial:
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