Livro ‘Da fome à fome: diálogos com Josué de Castro’ detalha o papel do agronegócio na volta do Brasil ao mapa da fome


17 de julho de 2022
Livro 'Da fome à fome: diálogos com Josué de Castro’, retrata a responsabilidade do agronegócio na volta da fome no País. (Divulgação)
Livro 'Da fome à fome: diálogos com Josué de Castro’, retrata a responsabilidade do agronegócio na volta da fome no País. (Divulgação)

Eliziane Paiva – Da Revista Cenarium

MANAUS – A responsabilidade do agronegócio na volta da fome na vida de milhões de pessoas no Brasil é um dos principais assuntos tratados no livro ‘Da fome à fome: diálogos com Josué de Castro’, lançado na última quinta-feira, 14, em evento com transmissão online.

A publicação é resultado de uma série de debates promovidos pela Cátedra Josué de Castro, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP), em especial o seminário “Geografia da Fome, 75 anos depois: novos e velhos dilemas”, realizado no final de 2021.

Em 27 ensaios assinados por pesquisadores e ativistas, o livro recorre ao legado de Josué de Castro para mostrar que, ao contrário do que prega o senso comum, a fome não se combate apenas com a produção em massa de alimentos.

A obra, organizada por Tereza Campello, ex-ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2011-2016), e Ana Paula Bortoletto, doutora em Nutrição em Saúde Pública, desmonta as teses defendidas por atores do agronegócio que atribuem o retorno da fome ao Brasil, exclusivamente, à pandemia de Covid-19 ou à recente guerra na Ucrânia.

Livro ‘Da fome à fome: diálogos com Josué de Castro’, retrata a responsabilidade do agronegócio na volta da fome no País. (Divulgação)

“É paradoxal que, hoje, três recordes diferentes sejam recorrentes nas manchetes brasileiras: fome, desmatamento, e produção de grãos”, avalia Tereza Campello no prefácio. Ela destaca que 58,7% das pessoas enfrentam algum grau de insegurança alimentar, enquanto a expectativa é de que a safra de grãos alcance 259 milhões de toneladas em 2022. “Neste período, assistimos a um aumento assustador da fome”, avalia a ex-ministra.

Grãos e fome

O crescimento da produção de commodities como soja e milho é acompanhado pelo avanço expressivo do desmatamento na Amazônia, o primeiro trimestre de 2022 apresentou os maiores níveis dos últimos seis anos e, segundo os pesquisadores, “essa combinação de fatores produz novas geografias que merecem ser analisadas detidamente: geografia da desigualdade, da pobreza, da produção de alimentos, da crise socioambiental e alimentar, entre tantas outras.”

Leia também: Projeto cria modelo econômico no MT que isenta de impostos produtos do agronegócio

De fato, o acirramento do quadro de fome e de insegurança alimentar no Brasil está entre as mais graves heranças da pandemia. “Mas não esqueçamos que a Covid-19 alcançou o Brasil em abril de 2020, e dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) 2017-2018, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), já indicavam a volta da fome”, disse Tereza, durante a apresentação de lançamento.

“Dois anos antes da pandemia, era possível notar que o País, que havia saído do Mapa da Fome das Nações Unidas, em 2014, caminhava na contramão nessa agenda”, finalizou.

Concentração fundiária

Além da constante expansão da fronteira agrícola, o alto grau de concentração fundiária (grandes acúmulos de terras) também faz parte dos argumentos que ajudam a explicar o paradoxo em que o Brasil se encontra.

De acordo com a obra, o País assiste à ampliação da fome ao mesmo tempo em que exibe elevado crescimento da produtividade, um cenário em que mais da metade da população convive com algum grau de insegurança alimentar.

Terras mostram a agroindústria no Brasil em ascensão. (Reprodução/Internet)

A publicação mostra, ainda, que, no Brasil, 1% de grandes propriedades concentra aproximadamente 45% da terra, enquanto os 50% menores detêm apenas 2% da área total explorada. Esse recorte da agricultura nacional estaria, assim, “historicamente baseada em um modelo colonial, escravocrata e latifundiário, com vocação predominantemente econômica”.

“A agroindústria brasileira não se propôs ao desafio de solucionar o problema da fome no País, pelo contrário, acaba por amplificá-lo ao se situar no centro das principais crises ambientais do presente como mudanças climáticas, perda de biodiversidade e regulação do ciclo hídrico”, diz trecho da obra.

Entre os autores do livro estão José Graziano da Silva, ex-presidente da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), e Carlos Monteiro, um dos maiores especialistas mundiais em nutrição e alimentação, além das pesquisadoras Tania Bacelar e Inês Rugani, dos economistas Ricardo Abramovay e Ladislau Dowbor, e ativistas de movimentos pela alimentação saudável, de lutas antirracistas, por moradia e direitos de comunidades quilombolas.

O que você achou deste conteúdo?

VOLTAR PARA O TOPO